Considerações possíveis sobre a obra Antígona, de
Sófocles
Prof.
Amilcar Bernardi
A questão que se apresenta nesta
obra é a verdade da lei, da norma.
Essa questão sempre foi constante na história do homem. Homem como sujeito que
vive em sociedade. O problema de ser um entre muitos é uma crise constante e
complexa. Como não podia deixar de ser, a tragédia grega aqui comentada, traz
essa questão de forma absoluta e irredutível: se a personagem Antígona está
correta, Creonte não estará e vice-versa. Personagens antípodas. Portanto, sem
meio termo; irreconciliáveis.
Antígona defende a cultura
do seu tempo e do seu povo. Representa a cultura mais antiga e arraigada: a
existência de uma verdade que está acima dos homens, intocáveis por estes. São
válidas somente estas normas, baseadas nos princípios metafísicos. Elas são
coerentes com a existência das divindades, de um plano divino. Antígona é filha
do seu tempo e coerente com ele. Defende a tradição ainda viva. Ela, por consequência, não está em condições
de sequer avaliar a possibilidade de aceitar as reflexões do Creonte. Estas
reflexões são humanas demais, colidem com os desígnios dos deuses e fazem a
personagem sofrer ao manter insepulto seu irmão.
Antígona ao defender seus
argumentos, faz eco à crença popular. Povo que já murmura contra seu rei. Isso demonstra
que, para eles, a argumentação legítima é a dela; desconfiam que ilegítimo é
Creonte. Antígona os ouve e os entende. Seu rei, não. Creonte se fragiliza ao
ignorar a desconfiança popular em relação a sua legitimidade. De fato, o trono
é de direito dele. Mas o tirano, em suas deliberações monocráticas, não se
baseava na ordem do cosmos – divino -, nem nas crenças do seu povo.
O rei sabendo disso, tenta
silenciar Antígona para manter sua legitimidade. Sepultada viva num antro
rochoso, essa brutalidade evidencia aos cidadãos a desconfiança em seu rei. Creonte é avisado que o futuro traz maus
presságios. Todos sabem, mas o rei ignora: um homem não é superior à ordem que
tudo rege. A ordem é superior ao indivíduo, à pessoa humana.
O tirano quer prevalecer ao
destino. Mas é ilegítimo por querer que sua vontade, que seu arbítrio seja
soberano. Ele custa a perceber que nada
pode contra o divino, contra o destino.
É tarde demais quando a lucidez o faz perceber que a ordem vai se
restabelecer através das mortes de seus entes queridos. É o preço que vai
pagar. O preço é a morte trágica de seus afetos e a vontade de suicídio que
fere sua alma. Suicídio que é negado e ele sofre todas as dores que o destino a
ele prescreveu. A ordem volta, o tirano
morre em vida, uma espécie de rei zumbi.
A idade média insistiu em
manter esse dilema: ordem divina X ordem dos homens. Tentou manter a ordem de
Deus acima da ordem dos reis. Por isso
pagou o preço de milhares de mortes em guerras “santas” para manter esse
dogma. A modernidade, por sua vez, colocou
a razão no lugar de Deus. Hoje o consumo como dogma metafísico, assume as
rédeas dos governos capitalistas. Também o preço é alto: guerras e catástrofes
climáticas provocadas pelo homem.
Creonte e Antígona não
morreram. Estão entre nós numa luta eterna e sempre atual.
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