domingo, 7 de setembro de 2025

O professor e o saber da História nas redes sociais.

 

A História como fatos vívidos num tempo que já passou, já não existe mais. Há vestígios, documentos, depoimentos e fragmentos. De certa forma, vivemos presos no presente pesquisando o passado para poder planejar o futuro. Portanto, somos eternos observadores ativos do passado. Na contemporaneidade, interpõe-se entre os fatos mais uma camada que pode impedir a visão clara do que foi e do que é. As redes sociais podem “nublar” nossa visão. Entretanto, também podem ser utilizadas a nosso favor quando nos conectam trazendo novas informações, tendo o potencial de irmanar internautas em busca da clareza e do conhecimento. Há quem utilize as redes sociais para criar “neblina” e confundir horizontes. Mas também há pesquisadores, jornalistas e até cidadãos comuns que fazem de tudo para bem utilizar esta tecnologia, ou seja, para melhorar as vivências cognitivas das pessoas. Cabe ao profissional da História, utilizar esta fantástica tecnologia, dominando-a e pondo este saber a favor dos estudantes. Caso o professor não entre neste campo de batalha virtual, deixará seus pupilos sozinhos, numa batalha desigual no mundo virtual.

Os humanos produzem história inexoravelmente, só por existirem. Mas, o historiador se esforça tecnicamente para organizar os fatos, dar sentido a eles, fazer com que todos tenham acesso a este fazer humano diuturno e de produção inexorável. O historiador conectando-se, simplificando seus saberes e compreensões para ser entendido, aliado às redes, estará ajudando a sociedade. Ajudando a sociedade a compreender seus contextos e a compreender-se como enredada num mundo complexo, historicamente não linear.

O trabalho do historiador não pode mais resumir-se ao âmbito das salas de aulas ou dos espaços acadêmicos físicos. Afinal, se de um lado precisamos ampliar as oportunidades de trabalho para este profissional, por outro lado, as universidades e os locais típicos para o estudo, já não comportam o tamanho e a complexidade da sociedade. Portanto, as redes sociais de acesso amplo, como projeto de futuro, poderiam ser uma gigante sala de aula. Um enorme lugar virtual para pensar os contextos históricos que nos impelem a agir como agimos. As redes fatualmente já existem com seu bem e com o seu mal. Dominá-las e fazer com que ajam a favor da sociedade é mais um desafio. Também é um desafio acadêmico.

Tenho um canal no YouTube (@prof.amilcarbernardi). Esta experiência me fez perceber as vantagens das redes. A linguagem é mais ágil, é crítica, ajuda a (re)interpetar os eventos. Mais que livros e simples leitura, quem apresenta o conteúdo, apresenta-se também, ou seja, mostra empolgação, humaniza o saber, engaja, energiza quem o assiste. Impõe movimento à reflexão, interliga os fatos e os torna mais inteligíveis, mesmo a quem não esteja por ofício interessado.

Por outro lado, há perigos. A vida virtual é espelho da vida real, física, humana, sensorial. Ou seja: se há embustes na vida diária, haverá na vida virtual. Podemos ser vítimas ou vitimar alguém. Afinal, podemos informar algo equivocamente sendo vítimas de nós mesmos, envaidecidos com nossos saberes. Há as pessoas de má fé, buscando sensacionalismo, vivendo disso. Também há bandidos pelos caminhos virtuais, assaltando os caminheiros “internéticos” com notícias falsas em proveito próprio. O professor de história, ou todos os profissionais que querem divulgar o saber, devem primeiro acautelarem-se e, posteriormente, ensinar os estudantes a acautelarem-se.

É preciso cuidar dos iniciantes. Eles podem se perder ou cair em armadilhas. No mundo virtual há tanta informação que é possível não saber mais distinguir a falsa da cientificamente testada. Relembrando: em todos os caminhos há bandoleiros violentos em busca de vítimas descuidadas.

As redes sociais tem também a característica de questionar, pela sua simples existência, os conceitos de “verdade”, mas, principalmente, o conceito de ensinar e de aprender.

As plurilinguagem das redes, as contradições inevitáveis dos pensamentos, a energia on-line dos profissionais conectados (um testemunho do que acreditam) são elementos fundamentais para uma visão crítica e renovada do ensinar/aprender/ socializar o conhecimento da História. Brigar com as tecnologias e com o desapreço pela leitura dos jovens, não “fazem” História; mas usar a tecnologia a nosso favor fará toda a diferença.

 

 

domingo, 17 de agosto de 2025

O Renascimento não foi algo linear: complexidades!

 



 O chamado Renascimento é tradicionalmente aceito como um período bem determinado, aproximadamente do século XIV ao XVI. Seria uma renovação cultural oriunda da Itália e que influenciou a Europa de seu tempo. Seria um contraponto à uma suposta Idade Média, obscura e avessa à razão. Seria como se o homem saísse da Idade Média e se tornado imediatamente ávido pelo conhecimento, transformando-se em um artista, um escultor, um cientista. Bastante comum o uso, para referir-se a este período histórico, da expressão ruptura. Ruptura no sentido de uma quebra/interrupção abrupta de uma continuidade cultural/temporal. Ou seja, o Renascimento seria uma espécie de negação da Idade Média. Porém, os avanços nos estudos referentes a este período, acabaram revelando o que hoje parece saltar aos olhos: a história não é abrupta. Ela é processual e com limites confusos/difusos. Contemporaneamente, salienta-se que o pensamento medievo se prolongou durante o Renascimento. Não houve um renascer, mas um desenvolvimento do já nascido! Igualmente importante é reconhecer que não ocorreu só na Itália, nem foi algo uníssono e harmonioso. É possível até usar o plural: renascimentos, ou seja, não um, mas vários. Portanto, é preciso, inclusive, repensar a visão eurocêntrica sobre os conceitos historiográficos. Os conceitos são ambíguos e mutáveis, à medida que a ciência História faz suas revisões. Da mesma forma que a realidade histórica do período greco-romano não foi um total esplendor perdido, assim como o medievo não foi só doenças, ignorância, teocentrismo e caça às bruxas. Por exemplo, os medievais Agostinho, Tomás de Aquino e Guilherme Ockham permaneceram atravessando os tempos renascentistas.

Há uma espécie de mito que diz que a ciência descobre coisas e, depois de descoberto, desnudado, assim permanecerá aos olhos de todos. O pesquisador realizaria um desvelamento no sentido grego da palavra aletheia. Afinal, pensam as pessoas, se algo é revisto é porque estava errado. Pois bem, este conceito de errado X correto não se aplica à ciência em geral e, também, à ciência História. A ideia de linearidade é humana, construção social e histórica. A realidade é de outra esfera, uma esfera que acompanha o homem, mas nunca será totalmente conhecida.  O homem vai desenvolvendo seu saber à medida que as ideologias permitem e as tecnologias vão avançando. Por exemplo, a enorme exatidão que foi possível quando foi desenvolvido a técnica que permite calcular a idade de materiais orgânicos, pelo método de datação por carbono-14. Perceba-se quanta revisão científica esta técnica tornou possível. Não sempre a identificação de erros, mas revisões qualitativas. Revendo o período chamado de Renascimento, hoje podemos observar como uma visão eurocêntrica orientou este conceito. Com o devido cuidado para não cairmos em anacronismos, atualmente podemos observar que os fenômenos humanos não são ocorrências lineares, nem se restringem somente a uma região no planeta. O renascimento não foi somente europeu, nem ocorreu com limites fixos. Suas características foram encontradas em vários países e em períodos históricos anteriores. Os acontecimentos são multifacetados e multitemporais. A evidente vantagem desta visão é que abrange as complexidades, evitando as simplificações. Desta forma podemos compreender melhor as complexas relações entre os eventos. Toda a ocorrência humana na sua existência temporal, tem o antes - que o sustenta, tem seu derredor - por onde se espraia, e tem suas imprevisíveis consequências.  Portanto, cabe ao historiador afastar-se das simplificações e jogar-se sem medo nas complexidades.