Historicamente inúmeros intelectuais contra
a democracia argumentaram e, muitos ainda hoje, apontam para o perigo sempre presente
de os governos democráticos decaírem para a tirania da maioria. A questão
numérica é exata: há sempre minorias e maiorias.
A igualdade numérica (empate) entre as
pessoas que disputam algo no grupo nada decide, ao contrário, divide-o. A
sociedade dividida está sujeita a crises de violência. Só o que decide (e
pacifica) é a desigualdade (numérica). A única paridade (paridade de armas, poderia
dizer) ocorre nas regras do jogo. São elas que dão iguais limites aos
postulantes na assembleia.
A democracia é uma assembleia regrada que
tende a evitar empates numéricos.
A maioria popular quer governar através
do seu representante. Levam para os cargos eletivos políticos evidentemente
vinculados aos seus desejos. Podendo até ser algoz de si mesma. Esta maioria pode
ser opressora e cruel exigindo do eleito coisas antidemocráticas. As massas que
apoiam o fascismo é uma prova disto.
A população não é a priori uma massa
fácil de manobrar. Mas, a história fartamente demonstra que é possível eu e você,
nós o povo, sermos manipulados. Apesar de geralmente não sermos inocentes desta
manipulação.
O grupo elite que é o dono real do poder
político, ama a democracia sob o ponto de vista da lógica matemática de fazer/criar
maioria. E ama por que pode/sabe manipular.
Este grupo poderoso não pensa no
resultado político das suas ações a longo prazo. Pensa apenas em como ganhar o
jogo da maioria dentro das regras (se possível) e no menor tempo possível (no
tempo do lucro). A intenção é agir de forma a ampliar o retorno favorável para
si com o mínimo de esforço que for possível. É um jogo onde o convencimento é
uma ferramenta. Lançado o jogo pela criação de uma maioria, a fraternidade e a
confiança não são possíveis entre os contendores.
A questão nada ética é: como maximizar
os resultados? O jogo é pesado e o empate é o mesmo que perder. Só haverá
consenso ou acordo para que um lado tenha maioria. Manipula-se o adversário e as pessoas. Lembrando
que a melhor manipulação é aquela que mais cria adversários, oponentes,
inimigos. Evita-se assim qualquer confiança entre os jogadores.
Nesta disputa necessariamente ocorrerá um
efeito colateral. Ao manipular a população, esta vai agir de acordo com esta
manipulação por muito tempo. Uma espécie de inércia a fará andar na mesma direção
da manipulação. Como um imenso trem, cheio de vagões, que quando precisar parar
rapidamente não conseguirá.
É a força cinética se deslocando. Quanto
maior o peso (ideológico), maior a inércia.
Os argumentos fascistas ganham a maioria
e a convencem do fascismo. Então, torna-se fascista. O risco é grande.
Os poderosos, aqueles que realmente
comandam a política, como numa maldição, terão que também conviver neste ambiente
fascista. O que não é bom nem para estes poderosos.
O mal de hoje se estenderá no tempo.
É como envenenar o rio com agrotóxico
hoje e depois, ao navegar nele para pescas futuras, não querer sofrer as
consequências da sua insensatez anterior. O navegante agora deverá agir de
acordo com as exigências das águas contaminadas. Não tem escolha.
A democracia, como soberania popular, é
frágil em sua manutenção. Principalmente onde o desconhecimento político é
moeda corrente, onde o desemprego aprisiona o pensamento, onde a mídia dita
modas. A democracia pode se tornar uma demagogia fascista de extrema direita.
Mas o ganhador deste jogo sofrerá as consequências das suas táticas
empregadas.
A energia cinética extremista imposta ao
povo não há de se dissipar facilmente. Extremistas gerarão mais extremistas.
Funcionários públicos, militares, juízes, promotores e professores: sempre
haverá alguém nestes espaços representando os extremismos. É o efeito colateral do jogo jogado desta
forma.
Claro que isto não invalida a
democracia, mas acresce sérios cuidados com o cultivo das consciências para a importância
vital da reflexão sobre a política.
A democracia não é algo que se
estabelece sem esforços, muito menos sem preocupações com a sua manutenção. Mantê-la
saudável exige muito esforço.
Meu desejo com este escrito é alertar
para a necessidade de melhorar a capacidade de discriminação do povo, de dar
mais informações de qualidade, de apontar para a potencialização da reflexão.