Para que faça sentido o que vou dizer
neste texto, é preciso que nos lembremos de três elementos importantes: o
Leviatã, a mão invisível do mercado e o Frankenstein. Não seguirei a ordem
cronológica do surgimento de cada um deste trio, mas a ordem lógica dos meus
argumentos.
O leviatã é a figura fantástica imaginada
por Hobbes, significando a força do Estado. É uma entidade fortíssima e
assustadora. É feita de crânios humanos sob uma coroa (é um rei). Numa das
mãos tem um cetro (mão esquerda), noutra uma espada. Isto porque ele é feito de
cidadãos (crânios) , detém a justiça divina e a força militar. Segundo Hobbes, como o
homem é o lobo do homem, o Estado tem que ser o Leviatã. Uma instituição forte
que nada deve aos indivíduos, mas estes devem a segurança e manutenção das suas
vidas a ele (o Estado Leviatã). As pessoas para não morrerem em guerras
constantes entre si criam e mantém o Estado. Vivem a ele subordinados. O
indivíduo não questiona as leis, pois graças a elas está vivo. Viver entre pessoas
é extremamente perigoso, segundo o filósofo Hobbes. É melhor a submissão total
ao Estado do que morrer na insegurança da violência humana. Segundo o autor, é
um preço pequeno para quem quer viver com tranquilidade e seguro. A escolha é
bem simples e dual: ou a guerra de todos contra todos (a morte certa) ou a
submissão plena.
No
Leviatã Hobbes (1587-1666) parte do princípio de que os homens são
egoístas e que o mundo não satisfaz todas as suas necessidades, defende por
isso que no Estado Natural, sem a existência da sociedade civil, há
necessariamente competição entre os homens pela riqueza, segurança e glória. A
luta que se segue é a «guerra de todos contra todos», na célebre formulação de
Hobbes, em que por isso não pode haver comércio, indústria ou civilização, e em
que a vida do homem é «solitária, pobre, suja, brutal e curta.» A luta ocorre
porque cada homem persegue racionalmente os seus próprios interesses, sem que o
resultado interesse a alguém. (http://www.arqnet.pt/portal/teoria/leviata.html)
Adam Smith (1723 — 1790) idealizou a
teoria que ele chamou de “A mão invisível do mercado”. Este filósofo e
economista afirmava que o Estado deve ser mínimo. Os governos deveriam ser
meros administradores dos conflitos entre as pessoas. O mercado agiria por sim
mesmo. Evitando que os homens
indisciplinados atrapalhassem os negócios, tudo naturalmente daria certo. A mão invisível do mercado regularia os
preços, os empregos, as riquezas. Nada de sobrenatural. Apenas ocorre que
havendo muita oferta de produtos e pouca procura, o preço cai. Se há pouca
oferta e muita procura, o preço sobe. O Estado nada tem a ver com isso; nem
deve intervir. As pessoas são livres para ofertarem e para consumirem o que
quiserem nas quantidades que quiserem. Se querem muito, pagam mais. Se querem
pouco e o produto tem em abundância, pagam pouco. A lei da oferta e da procura é similar às
leis matemáticas. Interferir na liberdade de escolha em consumir ou não, em
pagar mais ou menos, é uma insensatez. Não cabe ao Estado decidir: é o produtor
e o consumidor que escolhem. As leis estatais não só protegem a mão invisível
quanto impedem a violência. Simples assim.
Em A Riqueza das Nações (1776), Adam Smith cunha um conceito de grande
valia para os liberais até hoje. A Teoria da Mão Invisível fala a respeito da
auto-regulamentação do mercado. Dessa forma, dentro de uma economia de mercado
– fosse interna ou externa – o próprio mercado se fiscalizaria. Desta maneira,
apesar de não existir uma entidade coordenadora estatal e comunal, a ação dos
indivíduos seguiria uma ordem. A esta ordem de ações reguladas dá-se o nome de
mão invisível, que orientaria a economia. A mão invisível que Smith se refere
pode ser facilmente comparada ao que hoje se entende por “oferta e procura”.
Para tanto, o mercado regularia a si mesmo conforme as necessidades do
consumidor, segundo o teórico.
(https://www.todoestudo.com.br/historia/adam-smith)
A história do Frankenstein é bem
conhecida. Um cientista amalucado junta pedaços de corpos humanos e constrói
uma criatura com eles. O conflito: acontece que a criatura não é só uma coisa,
mas não é humana também. Não há espaço para ela nem entre os humanos, nem entre
os animais. A criatura sofre rejeição e violência. Fica claro que fazer uma
pessoa juntando os pedaços de outras, não é coisa que vá dar certo. Vejam que
não falo de doação de órgãos, mas de construção de pessoas.
Agora convido vocês a imaginarem a
situação complexa que vou mostrar. Imaginemos que o leviatã de Hobbes é como o
Frankenstein; um amontoado de partes. O Leviatã que proponho é um Estado
Frankenstein, feito do somatório amalucado de duas ideologias
incompatíveis. São elas:
a) a ideologia de Hobbes, afirmando que é
preciso um Estado brasileiro forte e terrível para evitar a luta de todos
contra todos. Um governo central que quer a submissão em troca de manter vivos
os cidadãos de bem.
b) Também a ideologia do Smith, pregando
o Estado brasileiro mínimo, um ente político apenas burocrático e muito leve.
Um governo que exista somente para garantir a mão invisível do mercado.
Imaginem o resultado desta fórmula:
Hobbes (leviatã) + Smith (mão invisível do mercado) = Estado Frankstein.
Aponto a contradição fatal que ocorre:
propõe-se um Estado forte (absoluto) para impor um Estado mínimo. Uma
contradição em si mesma! É como dizer que é possível obrigar livremente alguém
a ser livre!
Usar o governo brasileiro o pesado
discurso de força para impor a leveza da mão invisível do mercado, é uma
monstruosidade lógica, uma incoerência ideológica fatal. O Brasil é, hoje, um leviatã gigante
assombrado pela fantasmagórica mão invisível. É um monstro sem lugar no mundo
da política, um Frankenstein.
Nosso atual governo é um governo
Frankstein. Apesar da incompatibilidade,
a administração federal tenta articular o discurso liberal extremo com a
extrema intervenção estatal. Em nome da liberdade, propõe a perseguição forte a
quem pensa diferente. Na tentativa de unir ideologias tão díspares e
irreconciliáveis, separou o país em esquerdistas (que devem ser eliminados) e
em cidadãos de bem (que devem ser protegidos em suas liberdades econômicas).
Ao mesmo tempo a política governamental é
doce para uns e dura para outros. Para uns o discurso é beligerante e
policialesco, para outros, o discurso é leve, liberal. Esta visão do executivo
federal é dicotômica, egocentrada e míope. Joga uns contra os outros. Açula o
cidadão “de bem contra” o do mal, o esquerdista.
Este Leviatã Frankenstein brasileiro,
pobre de linguagem, coloca no saco da “esquerda” todos os que se contrapõe a
ele. Inclusive usando como mantra o
termo marxismo cultural. Um mantra que não consegue ser explicado pelo ente
governamental. Não consegue nem pode. Não pode explicar este conceito por que
ao explicar, dilui-se, evapora-se, some. O marxismo cultural proposto pelo
Estado Frankenstein não tem conteúdo. Não tem conteúdo por que é feito para
caber todos os dissidentes dentro dele.
O
leviatã Frankenstein brasileiro chama de inimigos cidadãos da mesma pátria.
Cujo crime é pensar diferente. Tenta recriar o medo da luta de todos contra
todos. Este monstro estatal amalucado quer a guerra fratricida. Talvez queira
dividir para conquistar.
Não está claro o que governo atual quer.
O governo Bolsonaro terá que decidir: ou quer a mão invisível do mercado, ou
quer ser o Leviatã Frankenstein. Os dois não dá. Enquanto não se decide,
ficamos enredados numa confusão ideológica. Perde a economia, perde a
cidadania, enfim, só há perdas e nunca ganhos.