terça-feira, 7 de maio de 2019

Obviedades




 Fiquei com vontade de falar coisas óbvias, então escreverei simplicidades. Vou falar de árvores e de padarias.

Uma maneira eficiente, porém trabalhosa de matar árvores, é impedir que suas raízes se alimentem. Demora um pouco, é preciso alguns cuidados para impedir que as raízes achem nutrientes, mas com certeza ela morrerá silenciosamente.  Secará, cairão as folhas, o verde desaparecerá até que morra totalmente.

Outra obviedade: se eu tenho uma padaria, fico muito preocupado com os cursos de formação de padeiros. Porque se as pessoas não quererem fazer mais pães, ou fizerem pães ruins, como vou sobreviver? Eu vivo de pães! Uma sociedade que não sabe fazer pães, esta fadada a não ter cafés da manhã gostosos! Ela começará a reclamar da ausência dos pães, sem reclamar da ausência dos padeiros!  Credo! Esses parágrafos são óbvios demais!

                     Coisas evidentes muitas vezes se  tornam invisíveis por parecerem insignificantes. As pessoas não estão vendo o que está acontecendo ante nossos olhos. Se a educação fosse uma árvore, os educadores seriam as raízes.  Fácil entender que a educação formal é feita de professores. Então, basta olharmos para o número destes profissionais e fica mais claro ainda o problema. Cada vez temos menos gente querendo ser professor. As universidades não conseguem captar candidatos nesta área da mesma maneira que outras áreas captam. É só ver os números. Se a educação fosse árvore, estaria morrendo pelas raízes, de fome. Se a escola fosse uma padaria, faltariam padeiros. E mais, pouca gente desejaria fazer o curso de padeiro, mesmo querendo pães muito gostosos!

A sociedade cobra muitas coisas. Porém, esquece de cobrar um tratamento digno aos professores. As pessoas até clamam por uma educação melhor e não lembram dos educadores. Não podemos ser hipócritas, é preciso aumentar salários, como é preciso aumentar o número de vagas para os alunos. Mais necessário que o Estado qualificar o professor e bem mais urgente,  é dar as condições salariais para que possa ele mesmo qualificar-se.

O mestre não quer nada de graça. Ele quer dignidade. Continuo dizendo obviedades.

Temo por meus netos. Quem serão seus professores? Haverá professores? Qual a qualidade das vivências culturais dos que se candidatarão à docência?  As respostas são óbvias também, mas não quero escreve-las. Vou deixa-las doendo no meu peito de professor.


quinta-feira, 2 de maio de 2019

Vaquejadas e assemelhados


     
     

     
  
      
     
     
      Imaginemos a situação real, pois histórica: Dois animais, ou mais, em um ambiente fechado assistido por inúmeras pessoas. Estes animais precisam lutar entre si até a morte. Para aumentar o poder de seus membros superiores, estes são dotados de lâminas pontiagudas para melhor ferir o adversário. Antes desta luta, estes animais são presos e só serão soltos se vencerem a luta mortal. Como justificativa é dito que o público gosta muito. É um evento cultural muito conhecido e através dos séculos ainda é lembrado. Gerava lucro. Crianças e adultos assistiam e se divertiam. Os que assistiam eram devidamente protegidos, ficavam à distância, seguros, sentados e aplaudindo.  Alguns animais se sobressaiam e era melhor tratados que outros. Este evento era legalizado e aceito como algo cultural e catártico. Apesar de ser aceito à época, certamente, apesar do apelo cultural, as lutas entre gladiadores (animais humanos) seriam facilmente declaradas ilegais hoje. Apesar do lucro que gerava, apesar de serem um evento dito cultural.  O valor da vida e a repulsa à dor, hoje, são por demais evidentes para serem sequer discutidos. Salientemos que os animais não-humanos são criaturas vivas e, como regra geral, sentem dor. A distância entre animais humanos e não-humanos é pequena sob este ponto de vista. Do viés da proximidade entre humanos e não humanos vamos observar o conflito entre os direitos fundamentais, quando o tema é o sofrimento e morte dos seres ditos “irracionais”.
     
      Os direitos fundamentais tem a mesma hierarquia. Por exemplo, o direito à vida e o direito à dignidade humana “pesam” o mesmo na balança da justiça. Portanto, um doente terminal, mesmo sofrendo, não pode exigir a eutanásia.  Os princípios colidem.  Ambos os princípios são verdadeiros. Serão, por consequência, necessárias outras fundamentações para solucionar a questão em conflito, afinal, os direitos fundamentais não são absolutos. São testados diariamente no dia a dia das pessoas. Os seres humanos só são humanos por que convivem entre si e com a natureza. Os humanos limitam-se entre si e são limitados pela natureza.  Evidentemente, para a nossa espécie se manter, ela limita a existência da natureza (lato sensu). Entretanto, é preciso razoabilidade e respeito entre os viventes. Saliente-se que não nos referimos apenas a relação entre racionais, mas entre viventes. O estatuto de ser vivo é superior ao de ser racional. Não há razões para estabelecer hierarquia diversa. Como é uma questão de escolha a valoração entre a superioridade do racional ou da vida, é justo que a razão (a única que tem o poder de escolher), opte pela vida. Sem vida não há racionalidade humana possível. Além do direito (jus), por consequência, levar-se-á em consideração a filosofia e a ética, a sociologia, as ciências médicas e ambientais para solucionar os conflitos entre as normas constitucionais no aspecto aqui abordado.
     
      As ciências biológicas nos trazem o conceito de homeostase. Entendendo esta como a estabilidade que os organismos vivos necessitam para se desenvolverem em plenitude.  Vem da palavra grega Homeostasis: (homeo- = semelhança; -stasis = ação de pôr em estabilidade). Por consequência entre os humanos e os elementos da natureza, deve prevalecer o equilíbrio. Para que haja equilíbrio, é possível que os organismos não contribuam de forma idêntica, mas de forma desigual para manter o equilíbrio. O artigo 225 da CF ao afirmar no seu caput a prevalência do meio ambiente ecologicamente equilibrado, dá o tom que deve preponderar para uma “homeostase social”, mesmo que haja grupos que acabem cedendo mais que outros.
      
       Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
     
      A garantia dos diretos culturais, mesmo sendo hierarquicamente igual ao direito ao meio ambiente, torna-se secundário em relação ao objeto defendido no artigo 225. Neste, preserva-se o uso comum, a qualidade de vida, a coletividade e as futuras gerações. O artigo 215 não tem esta amplitude, nem tem força suficiente para facilitar um equilíbrio entre vida e cultura.
     
       Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
     
      Quanto mais aplicarmos o artigo constitucional 215 nas questões que envolvam as aflições cometidas aos animais, menos relevante ele se torna em relação ao artigo 225 da carta magna.
     
      Cremos que sequer é possível afirmarmos que há um conflito entre estes preceitos constitucionais. Esse conflito é aparente quando argumentamos em termos da amplitude das defesas. Assim como o direito à vida se refere a um bem mais amplo que os demais, a defesa do meio ambiente (planetário) deve prevalecer à defesa da cultura (regional), quando estiverem na situação de uma excluir o outra.
     
      A vaquejada agride os animais não-humanos (portanto, a vida) provocando a dor e até a morte destes. O direito às atividades culturais não pode receber em seu seio sua própria negação: a dor e a morte. Portanto, considerando o meio ambiente vivo, equilibrado, saudável e sua incompatibilidade com a prática da vaquejada; proíba-se esta para o bem daquela.
     
      

      


O governo brasileiro, o Leviatã, a mão invisível do mercado e o Frankenstein



     
     
      Para que faça sentido o que vou dizer neste texto, é preciso que nos lembremos de três elementos importantes: o Leviatã, a mão invisível do mercado e o Frankenstein. Não seguirei a ordem cronológica do surgimento de cada um deste trio, mas a ordem lógica dos meus argumentos.
     
      O leviatã é a figura fantástica imaginada por Hobbes, significando a força do Estado. É uma entidade fortíssima e assustadora. É feita de crânios humanos sob uma coroa (é um rei). Numa das mãos tem um cetro (mão esquerda), noutra uma espada. Isto porque ele é feito de cidadãos (crânios) , detém a justiça divina e a força militar. Segundo Hobbes, como o homem é o lobo do homem, o Estado tem que ser o Leviatã. Uma instituição forte que nada deve aos indivíduos, mas estes devem a segurança e manutenção das suas vidas a ele (o Estado Leviatã). As pessoas para não morrerem em guerras constantes entre si criam e mantém o Estado. Vivem a ele subordinados. O indivíduo não questiona as leis, pois graças a elas está vivo. Viver entre pessoas é extremamente perigoso, segundo o filósofo Hobbes. É melhor a submissão total ao Estado do que morrer na insegurança da violência humana. Segundo o autor, é um preço pequeno para quem quer viver com tranquilidade e seguro. A escolha é bem simples e dual: ou a guerra de todos contra todos (a morte certa) ou a submissão plena.
     
       No Leviatã Hobbes (1587-1666) parte do princípio de que os homens são egoístas e que o mundo não satisfaz todas as suas necessidades, defende por isso que no Estado Natural, sem a existência da sociedade civil, há necessariamente competição entre os homens pela riqueza, segurança e glória. A luta que se segue é a «guerra de todos contra todos», na célebre formulação de Hobbes, em que por isso não pode haver comércio, indústria ou civilização, e em que a vida do homem é «solitária, pobre, suja, brutal e curta.» A luta ocorre porque cada homem persegue racionalmente os seus próprios interesses, sem que o resultado interesse a alguém. (http://www.arqnet.pt/portal/teoria/leviata.html)
     
     
      Adam Smith (1723 — 1790) idealizou a teoria que ele chamou de “A mão invisível do mercado”. Este filósofo e economista afirmava que o Estado deve ser mínimo. Os governos deveriam ser meros administradores dos conflitos entre as pessoas. O mercado agiria por sim mesmo.  Evitando que os homens indisciplinados atrapalhassem os negócios, tudo naturalmente daria certo.  A mão invisível do mercado regularia os preços, os empregos, as riquezas. Nada de sobrenatural. Apenas ocorre que havendo muita oferta de produtos e pouca procura, o preço cai. Se há pouca oferta e muita procura, o preço sobe. O Estado nada tem a ver com isso; nem deve intervir. As pessoas são livres para ofertarem e para consumirem o que quiserem nas quantidades que quiserem. Se querem muito, pagam mais. Se querem pouco e o produto tem em abundância, pagam pouco.  A lei da oferta e da procura é similar às leis matemáticas. Interferir na liberdade de escolha em consumir ou não, em pagar mais ou menos, é uma insensatez. Não cabe ao Estado decidir: é o produtor e o consumidor que escolhem. As leis estatais não só protegem a mão invisível quanto impedem a violência. Simples assim.
      
       Em A Riqueza das Nações (1776), Adam Smith cunha um conceito de grande valia para os liberais até hoje. A Teoria da Mão Invisível fala a respeito da auto-regulamentação do mercado. Dessa forma, dentro de uma economia de mercado – fosse interna ou externa – o próprio mercado se fiscalizaria. Desta maneira, apesar de não existir uma entidade coordenadora estatal e comunal, a ação dos indivíduos seguiria uma ordem. A esta ordem de ações reguladas dá-se o nome de mão invisível, que orientaria a economia. A mão invisível que Smith se refere pode ser facilmente comparada ao que hoje se entende por “oferta e procura”. Para tanto, o mercado regularia a si mesmo conforme as necessidades do consumidor, segundo o teórico. (https://www.todoestudo.com.br/historia/adam-smith)
     
     
      A história do Frankenstein é bem conhecida. Um cientista amalucado junta pedaços de corpos humanos e constrói uma criatura com eles. O conflito: acontece que a criatura não é só uma coisa, mas não é humana também. Não há espaço para ela nem entre os humanos, nem entre os animais. A criatura sofre rejeição e violência. Fica claro que fazer uma pessoa juntando os pedaços de outras, não é coisa que vá dar certo. Vejam que não falo de doação de órgãos, mas de construção de pessoas.
     
      Agora convido vocês a imaginarem a situação complexa que vou mostrar. Imaginemos que o leviatã de Hobbes é como o Frankenstein; um amontoado de partes. O Leviatã que proponho é um Estado Frankenstein, feito do somatório amalucado de duas ideologias incompatíveis.  São elas:
      a) a ideologia de Hobbes, afirmando que é preciso um Estado brasileiro forte e terrível para evitar a luta de todos contra todos. Um governo central que quer a submissão em troca de manter vivos os cidadãos de bem.
      b) Também a ideologia do Smith, pregando o Estado brasileiro mínimo, um ente político apenas burocrático e muito leve. Um governo que exista somente para garantir a mão invisível do mercado.
     
      Imaginem o resultado desta fórmula: Hobbes (leviatã) + Smith (mão invisível do mercado) = Estado Frankstein.
     
      Aponto a contradição fatal que ocorre: propõe-se um Estado forte (absoluto) para impor um Estado mínimo. Uma contradição em si mesma! É como dizer que é possível obrigar livremente alguém a ser livre!
     
      Usar o governo brasileiro o pesado discurso de força para impor a leveza da mão invisível do mercado, é uma monstruosidade lógica, uma incoerência ideológica fatal.  O Brasil é, hoje, um leviatã gigante assombrado pela fantasmagórica mão invisível. É um monstro sem lugar no mundo da política, um Frankenstein.
     
      Nosso atual governo é um governo Frankstein.  Apesar da incompatibilidade, a administração federal tenta articular o discurso liberal extremo com a extrema intervenção estatal. Em nome da liberdade, propõe a perseguição forte a quem pensa diferente. Na tentativa de unir ideologias tão díspares e irreconciliáveis, separou o país em esquerdistas (que devem ser eliminados) e em cidadãos de bem (que devem ser protegidos em suas liberdades econômicas).
     
      Ao mesmo tempo a política governamental é doce para uns e dura para outros. Para uns o discurso é beligerante e policialesco, para outros, o discurso é leve, liberal. Esta visão do executivo federal é dicotômica, egocentrada e míope. Joga uns contra os outros. Açula o cidadão “de bem contra” o do mal, o esquerdista.
     
      Este Leviatã Frankenstein brasileiro, pobre de linguagem, coloca no saco da “esquerda” todos os que se contrapõe a ele.  Inclusive usando como mantra o termo marxismo cultural. Um mantra que não consegue ser explicado pelo ente governamental. Não consegue nem pode. Não pode explicar este conceito por que ao explicar, dilui-se, evapora-se, some. O marxismo cultural proposto pelo Estado Frankenstein não tem conteúdo. Não tem conteúdo por que é feito para caber todos os dissidentes dentro dele.
     
      O leviatã Frankenstein brasileiro chama de inimigos cidadãos da mesma pátria. Cujo crime é pensar diferente. Tenta recriar o medo da luta de todos contra todos. Este monstro estatal amalucado quer a guerra fratricida. Talvez queira dividir para conquistar.
     
      Não está claro o que governo atual quer. O governo Bolsonaro terá que decidir: ou quer a mão invisível do mercado, ou quer ser o Leviatã Frankenstein. Os dois não dá. Enquanto não se decide, ficamos enredados numa confusão ideológica. Perde a economia, perde a cidadania, enfim, só há perdas e nunca ganhos.
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     

“Vontade de mat@r alguém todo mundo já teve”

          Ao ouvir esta afirmação malévola, quase gritei:  Eu nunca quis matar ninguém! Ao ouvir esta infâmia, esta ofensa à humanidade do...