terça-feira, 16 de outubro de 2018

A sociedade não pode criminalizar quem não quer trabalhar.






O ócio infelizmente não é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal. Ao contrário, o senso comum o vê como algo negativo, criminoso até. Ócio e vagabundagem no linguajar comum são tratados como sinônimos. Para a medianidade das pessoas, quanto mais preparado for o sujeito, quanto mais estiver pronto para atividades produtivas/lucrativas, mais desprezível será se ele não se entregar ao trabalho tradicional. Ser saudável, forte e inteligente sem entregar-se ao trabalho lucrativo (para alguém); é como ser um soldado forte e treinado que não quer ir à guerra. Um traidor! Alguém que merece a pena de morte.



É preciso orientar o leitor no que quero dizer com a expressão ócio. Na Grécia clássica, entre os atenienses, dedicar-se apenas às ideias era algo desejável. Muito mais que o trabalho. Para os atenienses, pensar a obra era superior qualitativamente ao obrar. Curiosamente a palavra ócio, em grego, é skole; de onde deriva a palavra escola.  É por aí (mas não exatamente) o que quero comentar falando sobre o ócio.



O ócio é algo malvisto, maldito e execrável. Mesmo quando o sujeito está ocioso por que faz parte de uma mão de obra que está sobrando, mesmo quando o cidadão fica horas na fila a espera de um trabalho remunerado e não consegue, é uma pessoa vista com desconfiança.  Afinal, dizem os maledicentes, existe a possibilidade desta pessoa preguiçosa não querer trabalhar. Se for uma escolha dela? Que horror! Se não estiver trabalhando por escolha própria, deve ser punida! Deve passar fome, deve não ter onde morar. Deve sofrer para aprender a desejar voltar ao mercado do trabalho produtivo. O ócio não pode ser escolhido! Não pode ser uma possibilidade. Pior que o demônio, o ócio está a espreita querendo dominar as pessoas, possuí-las para sempre. Minha avó dizia: “mente vazia, oficina do Diabo!”.



A questão que proponho é filosófica e, por favor, é abstrata, está no mundo das ideias.



Por que é socialmente proibido não nos entregarmos ao trabalho a serviço de alguém? É possível a alguém alegar que não trabalha por objeção de consciência? Por que impedimos, mesmo sem ter vintém, de alguém ficar no ócio? Por que alguém faria o mal ou viraria bandido se não desejar o trabalho tradicional? Por que é um anátema social alguém não querer fazer nada comercializável?



Eu, por exemplo, gostaria de exclusivamente administrar meus blogs. Escrever e gravar vídeos. Assuntos não comerciais. Alguém dos leitores poderia patrocinar este meu ócio produtivo? Se ninguém, sonho interrompido.



Não é nenhuma novidade que o ócio pode ser produtivo (não no sentido convencional de produtividade). A história nos mostra isso. Escritores, artistas e inventores. Não raro eram “vagabundos”. Muitos foram amaldiçoados pela sociedade e, por não trabalharem comercialmente, foram entregues à pobreza. Punidos com a miséria mesmo produzindo coisas boas. Isso ocorreu/ocorre por que a opção pelo ócio não é possível. Se a pessoa quiser ficar sem fazer nada, como numa “venda casada” também optará pela miséria (são inseparáveis). Ora, optar pela miséria não é uma opção! É uma punição!



Se todos têm o direito a saúde, a educação e a moradia, por consequência lógica, é possível escolher o ócio tendo onde morar, onde educar-se e onde alimentar-se.  E mais, todos têm direito ao trabalho. Entretanto, não foi estabelecida a obrigação a ele. Veja, se o trabalho fosse obrigatório, não haveria o desemprego. Simples assim.  Se Estado (sociedade) obrigasse ao trabalho, assumiria a natural  obrigação reflexa de fornecer trabalho! Obrigar ao impossível é... impossível! Então, se as pessoas não são obrigadas a trabalhar, nem há trabalho para todas, não há o porquê de obriga-la à miséria e ao ostracismo se optarem pelo ócio. Deduzo, portanto, que é possível ao cidadão, por motivos de consciência, optar pelo ócio. Se o Estado/sociedade não oferece vagas para todos, o nada fazer (comercial) é uma opção aceitável e digna.



Optar pelo ócio seria algo revolucionário. As pessoas poderiam ocupar-se com coisas importantes, mas não comercializáveis. Poderiam plantar uma horta no fundo de casa para consumo próprio. Depois, cuidar do jardim florido. Logo após estudar Filosofia, História ou matemática. Por prazer. Talvez pintar um quadro ou escrever um romance. Ou ainda, sair por aí ajudando doentes. Quem sabe virar um “maluco beleza” pregando a paz e o amor ao próximo? Ou ainda, aplicar seus conhecimentos para educar seus filhos ou para criar remédios para serem doados. Por que não seria desejável isso? Alguém em ócio tem tantas coisas para fazer que não sobraria tempo para bandidagens.  Creio que quanto mais o ócio fosse uma opção, menos bandidos haveria! É muito mais prazeroso fazer algo agradável do que sair por aí baleando pessoas, fazendo reféns e lutando contra a polícia. A bandidagem não é um hobbie, não é uma escolha. É uma anomalia social. É tema para outro escrito.



A pessoa que tiver garantida a casa, a alimentação, a educação e a saúde, está apta a desejar o ócio. Poderá trabalhar no que quiser. Poderá produzir sem desejar o lucro. Poderá cuidar das crianças em abandono.  Se for professor, poderá dar aulas a quem quiser, do jeito que quiser. Se não for bom; ninguém vai às suas aulas. Pronto. Se for advogado, advogará se quiser para quem quiser. Se não for bom: carteira profissional cassada, não terá clientes. Por aí vai. O ócio seria ótimo. Libertaria potencialidades desconhecidas. Não sei se seríamos mais felizes. Mas, com certeza, produziríamos muito mais e com mais prazer.



Quem sustentaria os ociosos? Não sei a resposta. Assim como não sei quem sustentará os desempregados. Assim como não sei quem sustentará os sem terra, os sem casa, os sem saúde, os sem nada. O que tenho certeza é que ninguém pode ficar ao desamparo da sociedade. Ninguém pode passar fome ou morrer por doenças plenamente curáveis.



Pessoas que temem o avanço do ócio, que trabalham e produzem comercialmente até onde podem, mesmo assim não têm garantia alguma. Quando não podem mais, são descartadas. E os que cultuam o trabalho, mas não encontram vagas? São descartados. O descarte de pessoas pela sociedade não pode ser uma opção. O ócio sim, é uma opção que deve ser permitida! Antes que alguém seja descartado, que seja dada a chance de optar pelo ócio. Que possa produzir o que quiser, do jeito que quiser e para quem quiser. Se a sociedade quer descartar pessoas, também tem que dar a chance de sustentar aqueles que não querem participar do jogo já regrado pelo lucro. Há quem queira jogar por outras regras. Estes não são inimigos, não são indesejáveis.  Querem trabalhar nos seus projetos. Querem produzir o que não pode ser comercializado. Não é ilegal. Não é comunismo. Não é vagabundagem. É a liberdade de escolha. A sociedade não pode obrigar a todos a se engajarem no mercado, se o mercado não pode engajar a todos com justiça e qualidade de vida. Simples assim.



Viva ao ócio produtivo!












terça-feira, 9 de outubro de 2018

Não é possível conviver com os que querem a barbárie.






Minha formação moral e ética teve início na minha infância. Foi pautada nos princípios cristãos. Meus pais desde sempre, na minha educação, orientaram-me no princípio do amor ao próximo. Na minha pré-adolescência, tive contato com a biografia de Gandhi. Fiquei maravilhado, e sob o ponto de vista da minha formação, fez todo o sentido para mim as convicções dele.  A não violência combinava perfeitamente, em seu sentido revolucionário, com o amor transformador proposto por Cristo. Na universidade, minha primeira formação foi em Filosofia. Nela encontrei fortes fundamentos para minha devoção à dignidade da pessoa humana e ao meu apreço à vida. Na faculdade de Direito, minhas convicções sobre a justiça e sobre os Direitos Humanos se fortaleceram. Portanto, não sou novato na trilha do respeito às pessoas. Respeito qualquer ser humano. Inclusive, sinto forte apelo a ser militante a favor da vida planetária. Ser adepto da bioética é bem mais amplo que cultuar uma antropoética. A vida humana é apenas mais uma entre tantas outras vidas!



Faço esse texto falando sobre mim. Assim não ofendo ninguém falando diretamente sobre pessoas individualmente. Não é covardia. É uma forma diplomática que encontrei para não agredir.



Não consigo ser amigo ou conviver com pessoa diametralmente contrária a formação que tive. Não posso sequer imaginar abraçar, contar segredos, brincar e trocar afeto com quem prega a morte de pessoas. Não conseguiria amar quem não ama o próximo. Até por que o próximo dessa pessoa sou eu também. Não consigo sair para passear com alguém que prega a violência. Sair com esse tipo de pessoa seria escolher o risco de ver-me implicado em brigas, murros e baixarias. E se for uma pessoa que adora armas e as porta? Nem pensar! Seria escolher passear com um possível homicida.  E se essa pessoa for homofóbica? Correria o risco de eu rir de suas piadas ou a tolera-las. Ou pior: ver a pessoa agredir alguém. É o mesmo problema se for racista ou xenófoba. Para manter essa amizade, eu teria que não defender meus princípios, nem defender os agredidos. Para mim é impossível.



Não me considero melhor do que ninguém, mas não consigo aceitar a convivência com humanos que são desumanos.  Essa convivência é uma contradição comigo mesmo.



Estou imensamente angustiado. Pessoas que conheço apoiam o candidato que representa tudo o que eu não quero ser, que propõe a barbárie. Fico com o coração apertado. São pessoas que querem que meu país seja aquilo que eu não quero ser. Quando estas pessoas percebem o que penso, dizem: então não vamos falar de política. Fico mais aturdido ainda! Não falar de política é apenas evitar falar dos desejos incivilizatórios deles! Não falar desses desejos não os fará sumir.



Os silêncios são valores interditados. Os silêncios versam sobre o que as almas comportam.  Os silêncios incomodam. Não quero ser silenciado para manter pessoas ao meu redor. Então, afasto-me.



Cada vez mais fico convencido que meu lugar é entre os que querem a paz, o amor, a não violência.



Aos que não convivem mais comigo, deixo um abraço e meu forte desejo que sejam felizes e mais, bem mais, amorosos.






Quêm lê muito não faz nada. Verdade?