O ócio infelizmente não é um direito fundamental garantido
pela Constituição Federal. Ao contrário, o senso comum o vê como algo negativo,
criminoso até. Ócio e vagabundagem no linguajar comum são tratados como sinônimos.
Para a medianidade das pessoas, quanto mais preparado for o sujeito, quanto
mais estiver pronto para atividades produtivas/lucrativas, mais desprezível
será se ele não se entregar ao trabalho tradicional. Ser saudável, forte e
inteligente sem entregar-se ao trabalho lucrativo (para alguém); é como ser um
soldado forte e treinado que não quer ir à guerra. Um traidor! Alguém que
merece a pena de morte.
É preciso orientar o leitor no que quero dizer com a
expressão ócio. Na Grécia clássica, entre os atenienses, dedicar-se apenas às
ideias era algo desejável. Muito mais que o trabalho. Para os atenienses,
pensar a obra era superior qualitativamente ao obrar. Curiosamente a palavra
ócio, em grego, é skole; de onde deriva a palavra escola. É por aí (mas não exatamente) o que quero
comentar falando sobre o ócio.
O ócio é algo malvisto”, maldito e execrável.
Mesmo quando o sujeito está ocioso por que faz parte de uma mão de obra que
está sobrando, mesmo quando o cidadão fica horas na fila a espera de um
trabalho remunerado e não consegue, é uma pessoa vista com desconfiança. Afinal, dizem os maledicentes, existe a possibilidade desta pessoa preguiçosa não querer
trabalhar. Se for uma escolha dela? Que horror! Se não estiver trabalhando por
escolha própria, deve ser punida! Deve passar fome, deve não ter onde morar. Deve
sofrer para aprender a desejar voltar ao mercado do trabalho produtivo. O ócio
não pode ser escolhido! Não pode ser uma possibilidade. Pior que o demônio, o
ócio está a espreita querendo dominar as pessoas, possuí-las para sempre. Minha
avó dizia: “mente vazia, oficina do Diabo!”.
A questão que proponho é filosófica e, por favor, é
abstrata, está no mundo das ideias.
Por que é socialmente proibido não nos entregarmos ao
trabalho a serviço de alguém? É possível a alguém alegar que não trabalha por objeção
de consciência? Por que impedimos, mesmo sem ter vintém, de alguém ficar no
ócio? Por que alguém faria o mal ou viraria bandido se não desejar o trabalho tradicional?
Por que é um anátema social alguém não querer fazer nada comercializável?
Eu, por exemplo, gostaria de exclusivamente administrar
meus blogs. Escrever e gravar vídeos. Assuntos não comerciais. Alguém dos
leitores poderia patrocinar este meu ócio produtivo? Se ninguém, sonho interrompido.
Não é nenhuma novidade que o ócio pode ser produtivo (não
no sentido convencional de produtividade). A história nos mostra isso.
Escritores, artistas e inventores. Não raro eram “vagabundos”. Muitos foram amaldiçoados pela sociedade e, por não
trabalharem comercialmente, foram entregues à pobreza. Punidos com a miséria
mesmo produzindo coisas boas. Isso ocorreu/ocorre por que a opção pelo ócio não
é possível. Se a pessoa quiser ficar sem fazer nada, como numa “venda casada” também optará pela miséria (são
inseparáveis). Ora, optar pela miséria não é uma opção! É uma punição!
Se todos têm o direito a saúde, a educação e a moradia, por
consequência lógica, é possível escolher o ócio tendo onde morar, onde
educar-se e onde alimentar-se. E mais,
todos têm direito ao trabalho. Entretanto, não foi estabelecida a obrigação a
ele. Veja, se o trabalho fosse obrigatório, não haveria o desemprego. Simples
assim. Se Estado (sociedade) obrigasse
ao trabalho, assumiria a natural obrigação reflexa de fornecer trabalho!
Obrigar ao impossível é... impossível! Então, se as pessoas não são obrigadas a
trabalhar, nem há trabalho para todas, não há o porquê de obriga-la à miséria e
ao ostracismo se optarem pelo ócio. Deduzo, portanto, que é possível ao
cidadão, por motivos de consciência, optar pelo ócio. Se o Estado/sociedade não
oferece vagas para todos, o nada fazer (comercial) é uma opção aceitável e
digna.
Optar pelo ócio seria algo revolucionário. As pessoas
poderiam ocupar-se com coisas importantes, mas não comercializáveis. Poderiam plantar
uma horta no fundo de casa para consumo próprio. Depois, cuidar do jardim
florido. Logo após estudar Filosofia, História ou matemática. Por prazer.
Talvez pintar um quadro ou escrever um romance. Ou ainda, sair por aí ajudando
doentes. Quem sabe virar um “maluco beleza” pregando a paz e o amor ao próximo?
Ou ainda, aplicar seus conhecimentos para educar seus filhos ou para criar
remédios para serem doados. Por que não seria desejável isso? Alguém em ócio
tem tantas coisas para fazer que não sobraria tempo para bandidagens. Creio que quanto mais o ócio fosse uma opção,
menos bandidos haveria! É muito mais prazeroso fazer algo agradável do que sair
por aí baleando pessoas, fazendo reféns e lutando contra a polícia. A
bandidagem não é um hobbie, não é uma escolha. É uma anomalia social. É tema
para outro escrito.
A pessoa que tiver garantida a casa, a alimentação, a educação
e a saúde, está apta a desejar o ócio. Poderá trabalhar no que quiser. Poderá
produzir sem desejar o lucro. Poderá cuidar das crianças em abandono. Se for professor, poderá dar aulas a quem
quiser, do jeito que quiser. Se não for bom; ninguém vai às suas aulas. Pronto.
Se for advogado, advogará se quiser para quem quiser. Se não for bom: carteira
profissional cassada, não terá clientes. Por aí vai. O ócio seria ótimo.
Libertaria potencialidades desconhecidas. Não sei se seríamos mais felizes.
Mas, com certeza, produziríamos muito mais e com mais prazer.
Quem sustentaria os ociosos? Não sei a resposta. Assim como
não sei quem sustentará os desempregados. Assim como não sei quem sustentará os
sem terra, os sem casa, os sem saúde, os sem nada. O que tenho certeza é que ninguém
pode ficar ao desamparo da sociedade. Ninguém pode passar fome ou morrer por
doenças plenamente curáveis.
Pessoas que temem o avanço do ócio, que trabalham e
produzem comercialmente até onde podem, mesmo assim não têm garantia alguma. Quando
não podem mais, são descartadas. E os que cultuam o trabalho, mas não encontram
vagas? São descartados. O descarte de pessoas pela sociedade não pode ser uma opção.
O ócio sim, é uma opção que deve ser permitida! Antes que alguém seja descartado, que seja dada a chance de optar
pelo ócio. Que possa produzir o que quiser, do jeito que quiser e para quem
quiser. Se a sociedade quer descartar pessoas, também tem que dar a chance de
sustentar aqueles que não querem participar do jogo já regrado pelo lucro. Há
quem queira jogar por outras regras. Estes não são inimigos, não são
indesejáveis. Querem trabalhar nos seus
projetos. Querem produzir o que não pode ser comercializado. Não é ilegal. Não é comunismo. Não é
vagabundagem. É a liberdade de escolha. A sociedade não pode obrigar a
todos a se engajarem no mercado, se o mercado não pode engajar a todos com
justiça e qualidade de vida. Simples assim.
Viva ao ócio produtivo!