terça-feira, 9 de outubro de 2018

Não é possível conviver com os que querem a barbárie.






Minha formação moral e ética teve início na minha infância. Foi pautada nos princípios cristãos. Meus pais desde sempre, na minha educação, orientaram-me no princípio do amor ao próximo. Na minha pré-adolescência, tive contato com a biografia de Gandhi. Fiquei maravilhado, e sob o ponto de vista da minha formação, fez todo o sentido para mim as convicções dele.  A não violência combinava perfeitamente, em seu sentido revolucionário, com o amor transformador proposto por Cristo. Na universidade, minha primeira formação foi em Filosofia. Nela encontrei fortes fundamentos para minha devoção à dignidade da pessoa humana e ao meu apreço à vida. Na faculdade de Direito, minhas convicções sobre a justiça e sobre os Direitos Humanos se fortaleceram. Portanto, não sou novato na trilha do respeito às pessoas. Respeito qualquer ser humano. Inclusive, sinto forte apelo a ser militante a favor da vida planetária. Ser adepto da bioética é bem mais amplo que cultuar uma antropoética. A vida humana é apenas mais uma entre tantas outras vidas!



Faço esse texto falando sobre mim. Assim não ofendo ninguém falando diretamente sobre pessoas individualmente. Não é covardia. É uma forma diplomática que encontrei para não agredir.



Não consigo ser amigo ou conviver com pessoa diametralmente contrária a formação que tive. Não posso sequer imaginar abraçar, contar segredos, brincar e trocar afeto com quem prega a morte de pessoas. Não conseguiria amar quem não ama o próximo. Até por que o próximo dessa pessoa sou eu também. Não consigo sair para passear com alguém que prega a violência. Sair com esse tipo de pessoa seria escolher o risco de ver-me implicado em brigas, murros e baixarias. E se for uma pessoa que adora armas e as porta? Nem pensar! Seria escolher passear com um possível homicida.  E se essa pessoa for homofóbica? Correria o risco de eu rir de suas piadas ou a tolera-las. Ou pior: ver a pessoa agredir alguém. É o mesmo problema se for racista ou xenófoba. Para manter essa amizade, eu teria que não defender meus princípios, nem defender os agredidos. Para mim é impossível.



Não me considero melhor do que ninguém, mas não consigo aceitar a convivência com humanos que são desumanos.  Essa convivência é uma contradição comigo mesmo.



Estou imensamente angustiado. Pessoas que conheço apoiam o candidato que representa tudo o que eu não quero ser, que propõe a barbárie. Fico com o coração apertado. São pessoas que querem que meu país seja aquilo que eu não quero ser. Quando estas pessoas percebem o que penso, dizem: então não vamos falar de política. Fico mais aturdido ainda! Não falar de política é apenas evitar falar dos desejos incivilizatórios deles! Não falar desses desejos não os fará sumir.



Os silêncios são valores interditados. Os silêncios versam sobre o que as almas comportam.  Os silêncios incomodam. Não quero ser silenciado para manter pessoas ao meu redor. Então, afasto-me.



Cada vez mais fico convencido que meu lugar é entre os que querem a paz, o amor, a não violência.



Aos que não convivem mais comigo, deixo um abraço e meu forte desejo que sejam felizes e mais, bem mais, amorosos.






quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Ele: viajante. A moça: planeta de destino.







Ele ia ao escritório de transporte público diariamente. O escritório é no centro da cidade, onde não há mais estacionamento possível. Portanto, deixava o carro em casa e ia ao trabalho de ônibus. Coisa previsível, chata, rotineira. Pela manhã cedo, juntava-se a um pequeno grupo de pessoas que esperavam o transporte coletivo. Todas em silêncio. Olhando o horizonte a espera do surgimento do veículo ao longe. Quando isso acontecia, uma eletricidade percorria aquelas pessoas. Ficavam atentas, os corpos retesavam-se como raposas quando veem a caça. Evidentemente, o mesmo fenômeno acontecia com ele. E assim era diariamente. Não havia surpresas ou estranhamentos. Tudo simples e direto.



Em uma manhã, ele estava – como sempre – com o olhar fixado no horizonte a espera do transporte, quando a moça passou ao seu lado e, como todos, ficou a espera também.  Era bem provável que ela sempre estivera ali próxima a ele, entretanto, os sentidos dele ainda não a tinham captado até este dia. Era um milagre: ela surgiu no mundo dele naquele momento! Do inexistir ao nascer nele: um segundo! De dentro do corpo dele, através das vidraças dos olhos, viu a moça. Morena, altura mediana. Formas arredondadas. Preenchiam cada centímetro daquelas calças. Rosto de traços suaves e sereno. Como todos ali no ponto de ônibus, ela cumpria o ritual previsível de esperar o ônibus. Estava próxima dele, mas estava na infinita distância espiritual dos que se desconhecem. De dentro dele pensou: que maravilhoso enigma! Uma moça bonita e graciosa, um mundo humano inteiro a minha frente. Eu me sinto um astronauta indo a marte. Indo em busca do desconhecido. Meu corpo é a nave, minha alma o comandante. A moça é o planeta. Ah! Adoro metáforas!



Rotineiramente se encontravam no ponto de ônibus. Ele a esperava. Ela comparecia. A moça era sempre uma esperança de alguma novidade. Quem sabe ele falaria com ela? Quem sabe ela o veria hoje? Ou ainda, ele hoje poderia ouvir a voz dela?! Mas nada acontecia. Então, ele ficava na esperança de vê-la novamente e esperava o milagre (re)acontecer. O milagre dela aparecer para ele: o astronauta que queria pousar no mundo dela. Mas a moça morena, bela e sedutora, na sua rotação planetária não podia perceber o ínfimo navegante espacial: um mero fragmento quase invisível.  A aparência dele não é de chamar a atenção de ninguém, muito menos dela. Mas ela, como todo planeta, tem força gravitacional atrativa. Ele passou a volitar em sua volta, como um humilde satélite.





Viajavam juntos no ônibus. Ela sentada, ele em pé. Gostava de vê-la. Ele era uma espécie de escritor voyeur. Os olhos dela nunca cruzaram com os dele.  De dentro do corpo dele, pensava: como ela reagiria se soubesse que era uma pessoa importante na vida de outra? Como ela se sentiria se soubesse que era a esperança de alguém? Que era uma visão esperada diariamente por um desconhecido? Que a beleza dela era observada delicadamente por um cidadão tão igual aos demais cidadãos? Que ela seria descrita numa crônica? Uma crônica que ela talvez nunca lesse, e se lesse, não saberia que era escrita para ela?



A moça morena de corpo bonito diariamente cumpria seu compromisso: apresentar-se para os olhos de alguém que adorava observá-la. A timidez do observador nunca iria permitir a aproximação. Ele ficará sempre dentro do seu corpo, observando pelas janelas dos olhos a bela moça morena. Nunca ele saberá quem ela é, quem ela ama, quem é sua família. Por outro lado, ela nunca saberá que foi importante para alguém. Que embelezou as manhãs de uma pessoa tímida. Ela nunca saberá que acrescentou vida em outra vida. O moço ficou imaginando o milagre que foi tudo isso! Aconteceu sem que as pessoas percebessem.



A moça desta crônica foi um milagre para ele. Antes dela, ele ia à parada de ônibus esperar o transporte público. Depois dela, ele ia à parada para ver a mulher bonita que não sabia da existência dele. Antes dela ele viajava sozinho no ônibus até o centro da cidade. Depois que a viu, ela passou a fazer companhia para ele no ponto de ônibus e no trajeto. Sem que ela soubesse, tiveram muito tempo juntos, diariamente. Escrevo esta crônica em agradecimento a ela. Obrigado moça por fazer daquele moço um astronauta viajando para ti. É verdade que nunca ele te encontrou no final desta viagem espiritual, pois tu és o planeta marte e ele é apenas um pontinho viajando, um asteroide. Mas que importa? O que valeu mesmo foi a viagem, o sonho, a esperança e a alegria dele ver-te. Obrigado por este milagre.