sábado, 17 de março de 2018
sexta-feira, 9 de março de 2018
sábado, 3 de março de 2018
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018
A liberdade de expressão e a "mão invisível" do mercado
Sob
o ponto de vista do liberalismo, a liberdade é a ausência de
contenção, é o livre fluir
Lendo Stuart Mill encontramos a ideia da “mão invisível do mercado”.
Sob o ponto de vista do capitalismo concorrencial, a "mão invisível do mercado" dá os limites ao próprio mercado, sem impedir a liberdade dos indivíduos. Isso por que no mercado quando todos podem tudo, tendo um poder absoluto, acabam os agentes por se (auto)limitarem. Stuart Mill oferece um exemplo para o entendimento da mão invisível. Imaginemos que queremos comer pão no café da manhã. Para nos satisfazer, o padeiro pode fazer o pão do jeito que quiser e pôr o preço que quiser, pois é livre. O outro padeiro do bairro, também faz do jeito que quer seu pão, e livremente impõe seu preço. Entretanto, o segundo padeiro pode fazê-lo melhor e por um preço menor. Então, um padeiro será limitado pelo outro. Afinal, escolheríamos o pão de melhor qualidade pelo menor preço, ignorando a opção desvantajosa. A lei que rege essa situação é onipresente, implacável e invisível. Simplesmente essa lei existe e se impõe;
Queremos sempre o que é melhor e mais vantajoso e rejeitamos o contrário disso.
No contexto do (neo)liberalismo, como fica a liberdade de expressão? Estaria sujeita também a “mão invisível” da concorrência, os sujeitos que querem livremente se expressar?
Percebamos as seguintes questões sob o ponto de vista da “mão invisível”:
Cada cidadão pode livremente se expressar, sendo limitado apenas pela igual liberdade do outro? Numa sociedade ideal, onde cem por cento das pessoas são cem por cento livres para dizerem o que querem dizer; as pessoas poderiam escolher os melhores argumentos negando os piores? E isso da mesma forma como escolhemos os pães melhores e ignoramos os piores? Podemos discernir os argumentos bons e baratos dos ruins e caros? Seria possível, nessa sociedade ideal, “arruinar” (por não ter consumidores) os produtores de maus argumentos? Sempre a mesma resposta: não!
Numa sociedade utópica de pessoas cem por cento livres para se expressar, haverá o risco dos sujeitos escolherem os “melhores” argumentos somente segundo seus gostos pessoais. Pães e escolhas a gosto do freguês. Então, critérios como coerência, verossimilhança e cientificidade correriam o sério risco de serem preteridos. É um perigo sério. É bem mais fácil o gosto do dia a dia do que o gosto mais refinado. O refinamento exige reflexão, esforço, custo pessoal e intencionalidade clara.
Num mundo de liberdade de expressão absoluta, o alto preço para a qualidade dos argumentos é a reflexão e o cuidado no consumo das verdades ditas.
Na nossa sociedade que assiste o Big Brother e o discute com afinco; é possível a liberdade com qualidade para decidir/escolher as melhores opiniões? Não. A liberdade está viciada. Como o discurso apurado e denso não é palatável de imediato, provavelmente será preterido por discursos mais rasos e fáceis. Só é verdadeiramente livre a pessoa acostumada à reflexão profunda sobre temas complexos.
Há o risco de acreditar que ser livre para se expressar, é uma espécie de banalização do relativismo niilista.
Num ambiente hipotético de liberdade extrema, as pessoas tenderão (não é uma fatalidade, mas é tendência!) a aceitar as falas desairosas sobre seus desafetos e a rejeitá-las se forem sobre seus amores. Acrescente-se que corriqueiramente as pessoas escolhem o que já conhecem, saborearam e o que já gostam. Saborear gostos diferentes não é fácil. Experimentar sabores indigestos, pior ainda! É preciso esforço.
Portanto, a liberdade total de expressão é um paradoxo num ambiente de livre concorrência das falas.
Há muita oferta de expressões livres nas democracias. A oferta de ideias é tanta que não é possível aferir a qualidade. Se fosse possível, as melhores seriam preferidas e as demais, preteridas. Como não é possível, não funciona a “mão invisível do mercado”. É preciso algo “acima” dessa “mão”.
Podemos ainda imaginar a dificuldade de um consenso mínimo sobre o que é uma expressão de qualidade (boa/má). Sem consensos, escolhas pessoais sempre permanecessem. Sucesso do relativismo, fracasso nas escolhas.
No mundo real do neoliberalismo econômico, as sabotagens na livre concorrência são um fato. Não apenas um risco, mas uma realidade. Fraudes, ilegalidades de toda ordem, monopólios, oligopólios e manipulações fiscais. A concorrência sempre nasce viciada. O desejo de lucro e vantagens são irrefreáveis, de tal forma que invalidam a concorrência leal. Como estamos fazendo um paralelo entre a liberdade concorrencial no âmbito econômico e a "liberdade concorrencial" no direito de expressão, pode-se imaginar que os vícios em ambas as esferas são similares. As pessoas se expressam querendo sempre ganhar o jogo dos argumentos livres. Querem sobrepujar os demais, fazendo prevalecer (por qualquer meio) o que expressam sobre as demais expressões livres.
Então, é de suma importância a educação, o estímulo à reflexão democrática e a vivência da partilha fraterna. Estes elementos estão hierarquicamente acima do jogo da livre concorrência. Eles têm outra dimensão. São elementos de cunho ético; orientadores, portanto.
Posso afirmar que liberdade extrema sem orientação ética é cativeiro: ficamos presos em nós mesmos. A livre expressão sem contenções éticas, é uma forma de impedir a liberdade para se expressar. A liberdade pura, sem intenção fraterna, sem intenção de partilha, é egoística, é imperialista e é enganosa.
Liberdade de expressão, comunidade e fraternidade são elementos inseparáveis. Este tripé é em tudo diferente do liberalismo clássico e do neoliberalismo. Quanto mais ética é a comunidade que quer se comunicar, mais verdadeiramente livre é. Simples assim.
A livre concorrência absoluta, em qualquer âmbito, impede as liberdades! Paradoxal: são principalmente as limitações éticas que fomentam a fraternidade que possibilita a expressão na forma de diálogo. Por consequência, permitem que sejamos cada vez mais livres, mesmo que nunca em cem por cento.
domingo, 4 de fevereiro de 2018
O Assédio Moral no Trabalho
O atualmente chamado Assédio Moral no
trabalho está, aos poucos, sendo discutido não só nos tribunais, mas pela
sociedade. Cumpre dizer que é um fenômeno antigo. Surgiu com o advento das
fábricas e da figura do assalariado. Tornou-se possível o assédio moral, quando
se tornou também possível uma pessoa se sentir superior a outra na luta pela
sobrevivência. Superioridade artificial, consentida e autorizada pela sociedade
e pelo Direito. Inúmeras vezes, a própria vítima acredita ser natural os
maus-tratos e excessos sofridos na empresa. Mas a sociedade e o
Direito evoluem.
O assédio no ambiente laboral se
configura por ações ou omissões, intencionais ou não, que causem sofrimento
físico ou psicológico ao trabalhador. Para se configurar, é preciso que haja
alguma constância (regularidade) nessa prática hostil. O assediado sente o
ambiente de trabalho como um espaço que o intimida. Por não poder evitar, acaba
por sofrer danos morais, psicológicos ou de saúde. Um exemplo de intimidação
não intencional ocorre quando as pessoas trabalham com vendas. Elas podem ser
assediadas para que vendam mais. Este assédio não quer o sofrimento pessoal de
um trabalhador específico. Quer apenas o atingimento de metas. Apesar de ser um
“assédio impessoal”, merece igual repressão.
Hoje, como um mantra, todos exaltamos
repetidamente a importância do respeito à dignidade humana. Esta exaltação é
oriunda de um pensamento “politicamente correto”, no sentido de um modismo.
Digo modismo porque “falar é fácil, fazer é difícil”. E acrescento: no ambiente
competitivo laboral é mais difícil ainda!
O assédio moral é perverso, pois está
justificado no contexto da crença nacional na meritocracia. A tese é: os
melhores se esforçam (sempre) mais. Entretanto, a exigência anormal de
esforços, ou apenas a prática de fazer com o que o outro sofra e perca a
competição por postos na hierarquia; é um mal terrível. Seja o assédio
horizontal (entre iguais), seja vertical (entre superior e subordinado), é
sempre abominável.
Hoje não é mais possível ignorar que todo
o ser humano é um ser especial, único, com sua dignidade inviolável. Como
consequência, quem pratica o assédio conscientemente, fará em surdina, de
maneira maliciosa. Reside aqui a dificuldade de fazer provas.
A Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948) no artigo XXII nos ensina que: Todo homem tem direito ao
trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de
trabalho e à proteção contra o desemprego. Ensina
também que todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração
justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma
existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se
necessário, outros meios de proteção social.
É a história tentando justificar a
necessidade de uma mudança real de conduta nos ambientes de trabalho.
Mais que o ensinamento da DUDH,
atualmente temos como obrigação constitucional o respeito e o cuidado com
a dignidade humana e os valores sociais do trabalho (CF, art. 1°, III
e IV). Podemos acrescentar o art. 6º da nossa magna carta, quando enfatiza como
direitos sociais o trabalho e a segurança. E ainda, no seu artigo 7º - XXVI diz: seguro
contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a
indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
Os maus-tratos é, por similitude,
equiparado ao acidente de trabalho e, portanto, deve ser de igual forma
evitado. Convém ainda lembrar que o Decreto nº 1.254 de 29 de setembro de
1994, que promulga a Convenção nº 155, da Organização Internacional do
Trabalho, sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores e o Meio Ambiente de
Trabalho, afirma no art. 3º na alínea e: o termo "saúde",
com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecção ou de doenças,
mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão
diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho. Cabe ainda o
Art. 5º da nossa Constituição, que afirma no inciso V - é assegurado o direito
de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por
dano material, moral ou à imagem.
A forma de tratar e entender a relação
empregador/empregado, após a Revolução Industrial, mudou tanto que não pode
mais ser encarada como sendo a mesma. Embora a realidade desta mudança, é
possível encontrar amiúde, empregadores e chefias que tentam continuar no
século XVIII e XIX. Daí vem o Assédio Moral.
Contra esse pensamento antiquado, as leis
vêm alertando para os inúmeros cuidados com o trabalhador. Nesse sentido,
podemos elencar ainda a Consolidação das Leis do Trabalho no artigo art.483:
O empregado poderá considerar rescindido
o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços
superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou
alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou
por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
(...)
Impossível não citar os seguintes artigos
do CC:
Artigo 186. Aquele que, por
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187.Também comete ato ilícito o
titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato
ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
O dano a ser “reparado” é, na maioria das
vezes, moral. Portanto, imaterial. A reparação em pecúnia tem a pretensão de
atenuar, minorar as consequências da lesão espiritual sofrida (quando não
ocorrer lesão física, claro). Não há como antecipadamente prever o valor em
pecúnia, pois, como já foi dito, o dano, geralmente, ocorre à honra, à
intimidade, à imagem, à saúde, à própria dignidade da pessoa humana ou a sua
moral. Os valores da reparação não visam apenas a atender às necessidades da
vítima. Visam também educar “pelo bolso” os assediadores.
Para não perdemos o sentido histórico que
aqui damos, convém lembrar que o fundamento legal que sustenta o direito à
dignidade no trabalho, também se fundamenta na Bill of rights de
1689, na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, na
incisiva Encíclica Rerun Novarum de 1891, na Declaração Universal dos
Direitos Humanos (já citada) e na Convenção Americana dos Direitos Humanos de
1969.
Apesar de todo o atual conhecimento sobre
o tema, e dos esclarecimentos históricos sobre o respeito à dignidade do homem
laborativo, ainda há inúmeras ocorrências deste tipo de violência.
O terror psicológico imposto ao trabalhador,
no contexto atual de escassez de empregos, é insuportável a ele. A vida dele
realmente depende do seu trabalho. Aos olhos do Direito do Trabalho, tais
excessos são intoleráveis. Entretanto, o assédio no ambiente laboral está longe
de desaparecer. Perversamente, quanto mais o trabalho é necessário à
sobrevivência e quanto mais é escasso, muito mais o terrorismo psicológico
prospera. É a lei da oferta e da procura. Quanto maior a oferta de
trabalhadores, maior as exigências para eles se manterem na atividade
remunerada.
Se no Romantismo o mal do século era o
pessimismo suicida, apatia moral e melancolia difusa; talvez o assédio moral
seja o mal du siècle contemporâneo.
quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018
O nada saber nada quer nem nada pergunta
O homem
se caracteriza pelo existir consciente. Sendo corpo e mente, existir significa
permanecer internamente e se projetar no ambiente externo. Nossa pele é mera
membrana. Ela nos dá a ilusão de limitar o dentro e o fora de nossa
consciência. Tendemos naturalmente a sair do interior: é inevitável.
Uma das maneiras conscientes de se pôr para fora do corpo, é formular
perguntas. Toda pergunta leva o Eu para passear fora do corpo.
A
qualidade do perguntar (de pôr-se para fora) é diretamente proporcional a
história vivencial do sujeito que formula questões. O que vivemos orienta o que
queremos saber a mais. O que já sei determina a amplitude do perguntar.
Portanto, o que sabemos de antemão permite e (também) limita “o querer saber
mais”. Todo o perguntar tem uma pré-condição e uma pré-direção, ou seja,
uma orientação condicionada pela vivência do sujeito que propõe perguntas.
O nada
saber nada quer nem nada pergunta.
Dependendo das vivências que
temos, o perguntar tende ao infinito (em quantidade e qualidade). Em tese,
quanto mais eu sei, mais posso perguntar e entender a resposta. O inverso é
verdadeiro. Meus estudos (meus interesses e valores) se orientam na área das
ciências humanas. Então, pouco sei sobre física quântica. Por consequência, pergunto
quase nada sobre ela. E quando pergunto, um tanto das respostas não entendo.
Nossa vida intelectual (interna),
quanto mais se amplia, mais busca seus alimentos no exterior.
Pode
haver anomalias nesse processo de sair de si para buscar o externo. Isso
acontece quando o perguntar busca somente respostas que ratifiquem nosso
pré-conhecimento. Há a tentativa de perpetuá-lo, ignorando o que pode
contradizê-lo. Nesse caso, saímos de nós na esperança de voltarmos iguais.
Nossos
pré-conhecimentos alojam juízos. Estes são valorizados a ponto de orientar “o
querer saber mais”. Corremos o risco de ficarmos submissos
às informações já tidas como certas e inquestionáveis. Tanto o cientista quanto
a pessoa comum, estão sujeitas a este hipertrofismo dos pré-conhecimentos
valorizados.
Podemos
avaliar nosso interior na tentativa de conhece-lo melhor. Talvez até prepara-lo
para sua próxima investida mais livre no mundo exterior. Para isso, é imperioso
ao nosso Eu perguntar pelas perguntas, pelas suas pré-orientações.
O
perguntar interno (autoquestionamento) é interessante. Algumas dicas de
reflexões possíveis:
Por que
pergunto o que pergunto?
Por
que quero inspecionar isso e não aquilo?
Perguntar
o que pergunto me traz coisas novas?
Questionar
a direção das nossas perguntas nos leva ao pré-saber que as determina. O
processo tem duas mãos: o que sei determina a pergunta, a pergunta indica o que
sei. Sou tanto mais livre para aprender, quanto mais tenho consciência do que
internamente me prende.
As
perguntas que acrescentam e as que nos contradizem, são as melhores sempre.
Num
drástico resumo: as pessoas devem saber pelo menos um pouco para perguntarem
bastante. Perguntando bastante saberão muito. Sabendo muito, perguntarão
mais...
O
que difere o homem filosófico do homem do senso comum? Sua capacidade de
perguntar sobre suas perguntas ampliando a consciência.
quarta-feira, 31 de janeiro de 2018
As dificuldades sobre o socialismo – John Stuart Mill (1806 – 1873)
Pretendo fazer uma resenha crítica da parte
intitulada As dificuldades do socialismo,
da obra Capítulos sobre o socialismo,
de autoria do John Stuart Mill. Como metodologia, vou atentar primeiro para os
fatos negativos em relação ao socialismo/comunismo. Logo após, apresentarei os
contrapontos. Tentarei dispor as posições de Mill de forma a equilibra-las
neste texto, como numa balança: desfavoráveis de um lado, favoráveis de outro. Tendo
o mesmo “peso”, se anulam. A balança imaginária ficará equilibrada. Farei
observações na tentativa de ampliar a compreensão, sem interferir no equilíbrio
proposto.
John Stuart Mill viveu num tempo de agitação de
ideias em relação a economia e ao “tamanho” do Estado. Podemos compreendê-lo
como um liberal, favorável a uma economia de mercado. Entretanto, percebia a
situação desfavorável em que viviam os trabalhadores. Compreendeu que havia um
problema na distribuição do capital. No capitalismo, a distribuição das suas
benesses não ocorria de uma forma justa. Mas não aceitava as ideias
revolucionários dos comunistas, pois o perigo da violência e do caos superava
as expectativas de sucesso a curto prazo. Desejava uma economia socializada e
solidária a ser construída com o passar do tempo sem a necessidade da eliminação
do mercado.
Primeiro prato da
balança.
Seja socialismo ou comunismo, há uma
dificuldade importante: sua implantação. Esta dificuldade está vinculada ao
costume das pessoas em relação a propriedade. Ninguém quererá facilmente,
deixar o que é seu em nome de uma ideia, de uma proposta que ainda não existe
de fato, que sequer foi testada. Portanto, tanto pior será a reação quanto mais
rápida for a implantação. O pior cenário é a implantação por uma revolução. Uma revolução levará a utilização da
violência. Passar da propriedade privada dos meios de produção à propriedade
coletiva, pode ser algo traumático. Segundo John Stuart Mill: “A primeira (forma de socialismo a ser
implantada lentamente) tem também a vantagem de poder ser implantada
progressivamente e demonstrar as suas habilidades mediante experimentação. Pode
ser experimentada inicialmente numa população selecionada e estendida a outras
na medida em que o permitam sua educação e sua cultura. (...) (01)
Não menos importante, é a dificuldade em
encontrar, num ambiente comunista ou socialista, indivíduos dispostos a gerir
os negócios. Afinal, o dirigente assumiria enorme responsabilidade, entretanto,
teria uma remuneração por seus esforços muito similar ou igual aos demais
trabalhadores. A moralidade atual, embasada na competição e no mérito, impede
que os mais qualificados se apresentem como voluntários para a gerência das
associações coletivas. A gratificação de ganho maior para maior
responsabilidade, produtividade ou qualificação está ausente no socialismo. Os
interesses pessoais não estariam contemplados e, portanto, não haveria
motivação suficiente para maior empenho individual. A educação familiar,
escolar ou social (capitalistas) não são favoráveis ao desenvolvimento de
valores altruístas.
Mesmo que alguém se proponha a gerenciar a
produção num espaço socialista, seria bastante difícil tomar as decisões. Estas
ocorreriam de forma lenta e sofrível. O poder desta pessoa estaria limitado à
votação da decisão por uma assembleia de pessoas de poderes iguais. Buscar o
consenso entre pessoas em pé de igualdade, é muito difícil. Requer tempo,
paciência e experiência. Afirma Mill: “(...).
Evidentemente, sua autoridade seria resultado de eleição pela comunidade, pela
qual sua função pode a qualquer momento ser retirada deles; o que tornaria
necessária para eles, mesmo que não determinado pela constituição da
comunidade, a obtenção de consenso geral dessa comunidade antes de proceder a qualquer
alteração do modo estabelecido de conduzir o empreendimento. A dificuldade de
persuadir um corpo numeroso a mudar o modo costumeiro de trabalhar, mudança que
frequentemente perturba bastante, e o fato de o risco ser muito mais claro em
suas mentes do que as vantagens, ensejariam uma grande tendência a manter as coisas
como sempre foram. ” (02). São tantas as dificuldades que seria muito mais
vantajoso ao trabalhador, rejeitar as posições de comando. As administrações
privadas têm, nesse sentido, muito mais facilidades e vantagens sobre as
administrações coletivas.
O fato de cada trabalhar ganhar o mesmo ou ter contraprestação
similar aos demais, não é algo justo e causará bastante desconforto. Pessoas
mais fortes receberão o mesmo quinhão que os mais fracos (que produziram menos).
O mesmo acontecerá com o profissional mais qualificado e o menos qualificado. A
igualdade não é menos complexa. Numa comunidade, exigir trabalhos iguais para
trabalhadores desiguais é problema sério. Segundo o autor: (...) Mas, além disso, ainda é um padrão muito
imperfeito de justiça exigir a mesma quantidade de trabalho de todos. As
pessoas têm capacidades desiguais para o trabalho, tanto mentais como físicos,
e o que pode ser tarefa leve para um é uma carga insuportável para o outro.
(...) (03). Sabendo desta dificuldade, os egoístas e preguiçosos, tenderão
a tirar proveito disso; trabalhando menos que os outros na esperança de sua
retribuição ser igual.
Fica evidente que, para uma convivência
saudável na coletividade, é exigido alto grau de consciência da importância dos
valores morais que permitam o agir em prol do grupo. A educação assume,
portanto, um papel de relevância nesse sentido. O problema está na questão de
como serão ensinados os filhos, pois é uma questão muito valorizada pelos pais.
Caso alguns destes não desejem o tipo de educação oferecido pela comunidade,
não terão outra escolha. Não é fácil aceitar a maioria quando somos
discordantes dela. O problema da liberdade individual não fica resolvido. Nas
palavras de Mill: “Está aqui uma das mais
frutíferas causas de discórdia em qualquer associação. Todos que tivessem
opinião ou preferência formada com relação à educação que desejariam para seus
próprios filhos, teriam de se valer de sua chance de obtê-la com base na
influência que pudessem exercer sobre a decisão conjunta da comunidade” (4). Usar
de influência nada mais é que uma corrupção do ideal socialista. Seria uma
forma de prevalecer o interesse privado sobre o coletivo, além de corromper a
autoridade encarregada.
A preocupação em agir de acordo com os
interesses coletivos, não é algo que possa ser aceito facilmente. Ora, a
liberdade privada e os interesses familiares são invadidos pelos interesses da
coletividade. Não será possível mais agir como indivíduo. As ações pessoais
serão limitadas pelas ações permitidas pela maioria. A renúncia pessoal em nome
do social é um problema enorme, um empecilho que não pode ser menosprezado. É o
predomínio da autoridade pública em detrimento da consciência individual. Literalmente,
o autor afirma: (...). Em todas as
sociedades, o constrangimento da individualidade pela maioria já é um mal
grande e crescente; ele seria ainda maior sob o comunismo, a menos que ofereça
aos indivíduos o poder de estabelecer limites a ele pela opção de pertencer a
uma comunidade de pessoas com mentalidade semelhante à sua. ” (05)
Até este momento, mostramos apenas o prato da
balança em relação ao aspecto negativo do socialismo ou do comunismo; apontados
pelo filósofo Mill. Agora, vamos trabalhar o outro prato da balança. Acrescentando
os aspectos positivos, pretendemos igualar os “pesos” de ambos os lados,
equilibrando a balança. Continuaremos utilizando, por óbvio, o mesmo autor na mesma obra.
Segundo prato da
balança
Mill afirma que a implantação abrupta do
comunismo acarretará o fracasso da tentativa. Entretanto, será possível tal
implantação se ela fosse cautelosa. No socialismo, através de experiências sucessivas
em pequenas escalas, a população perceberá a viabilidade e as vantagens de tal
sistema. Também, os gestores das associações e cooperativas, com seus erros e
acertos, aprenderão a melhor forma de trazer à realidade as ideias socialistas.
Portanto, é inegável que a implantação do modelo socialista é viável e
vantajosa, mas não pode se realizar rapidamente sob pena de haver caos e
derramamento de sangue. A progressiva democratização da gestão dos meios de
produção, irá desenvolver a consciência dos trabalhadores. O desenvolvimento de
uma consciência social, de uma visão coletiva, é fundamental, e isso não
acontece de forma rápida. É preciso boa caminhada para aprender a viver a
liberdade socialista, principalmente para pessoas acostumadas à sujeição
oriunda da competição capitalista.
No ambiente atual da competição e dos ganhos
individuais, o trabalhador só se esforça e se qualifica na medida e proporção
das vantagens pessoais que percebe. A esperança de mais ganhos e ascensão
profissional é impulso muito forte para a produção crescente deste trabalhador.
Mas, há outros valores possíveis, como a honra ou a percepção que o trabalho de
cada um é bom para a comunidade, que os frutos do trabalho são para si, mas
também para os demais. Tais valores, são em muito superiores aos interesses egoístas.
Há motivos eticamente superiores ao ganho individual. A educação habitual não
enfoca os valores mais elevados. Uma mudança educacional é muito importante. É
imperioso dar mais importância aos interesses coletivos, ao que é bom para a
comunidade. Aos poucos, lentamente, é possível ensinar que o trabalho coletivo
é muito mais importante e produtivo que o trabalho somente para crescimento
individual. Quando trabalhamos para a melhoria das condições de todos, e
inclusive para nós próprios, o impulso pessoal será muito mais efetivo. Fica
claro que, assim motivado, o trabalhador assumirá qualquer das funções nas
cooperativas, até as de gerência. E isso por motivos mais nobres que os ganhos
pessoais. Nessas cooperativas, os proletários têm voz e se submetem, por
consequência, às suas próprias determinações (a hierarquia é abrandada). O
ambiente é democrático e produtivo. De certa forma, todos comandam e são
comandados.
A democracia na gerência das cooperativas e
associações, tem seu preço. As decisões precisam ser deliberadas e votadas, o
que as torna mais complexas. Mas, não necessariamente a complexidade é ruim.
Percebamos que numa cooperativa socialista, todos os membros estão motivados
por uma moral coletiva, e todos entendem do trabalho. Portanto, colocarão na
gerência o melhor deles. Seus votos serão de qualidade nas decisões, pois todos
são especialistas no assunto, e têm a convicção que são bem gerenciados, afinal,
estes especialistas escolheram a sua gerência. Diz Mill: “Contra isso (a dificuldade das votações), deve se colocar que a escolha
feita por pessoas que têm interesse direto no sucesso do empreendimento,
conhecimento prático e oportunidade de julgamento pode-se supor que em média
resulte em gerentes mais capazes do que os azares do nascimento que hoje
determinam quem será o proprietário do capital” (...) (06). Outro fator
para querer ser gestor, será o desprazer de não sê-lo e ser comandado por
alguém menos preparado. E mais: “mas, em
compensação, deve-se afirmar que sob o comunismo o sentimento geral da
comunidade, composta de companheiros sob cujos olhos cada pessoa trabalha,
seria certamente favorável ao trabalho bom e duro, e desfavorável à preguiça,
ao descaso e ao desperdício” (07) Esse espaço cooperativo levará às pessoas
a encontrarem a liberdade e a independência, isso de forma responsável em
relação aos companheiros; sem violência ou coação. Isto é o mais perto que
podemos chegar de uma justiça social.
Pessoas diferentes recebendo igual
contraprestação à sua dedicação. Pessoas fracas sendo exigidas como se fossem
fortes. Essas questões dadas ao bom gestor, são logo equacionadas. Caso mantenhamos
nossa atual mentalidade, ou seja, sermos propensos a trabalharmos somente em
proveito próprio, o ideal de uma justiça distributiva na cooperativa
socialista, é inviável. Mas, nas palavras de Mill: “Estes inconvenientes pouco seriam sentidos, pelo menos durante algum tempo,
em comunidades compostas de pessoas escolhidas, sinceramente desejosas do
sucesso da empresa; mas planos para a regeneração da sociedade têm de
considerar os seres humanos médios, e não apenas aqueles, mas o grande resíduo
das pessoas muito abaixo da média em virtudes pessoais e sociais”. (08) A
medida que os trabalhadores forem exercitando um alto padrão ético e
intelectual, possíveis injustiças serão minimizadas. O fato de não existir uma
justiça cem por cento eficaz, não inviabiliza a visão socialista. Também
importa salientar, que a todos pertencem os meios de produção e a divisão do
trabalho. Que o produto deste trabalho, será um ato público conforme regras
anteriormente estabelecidas (e aceitas) pela comunidade. Algum desequilíbrio
será resolvido ou mantido pela própria comunidade.
Mill salienta, sempre que possível, a
importância da experiência de uma ética social, ou seja, dos valores sociais. A
educação é um dos principais instrumentos. Mas, quem decide quais valores a
serem ensinados? E os discordantes? Uma dica já foi dada no parágrafo anterior.
As regras são discutias e previamente elencadas. Cada pessoa falará livremente
de suas discordâncias. Portanto, cidadãos iguais discorreriam sobre seus ideais.
Mesmo sendo impossível a unanimidade, o consenso (mesmo não absoluto) traria a
concórdia e aceitação crítica. O diálogo livre entre iguais, convence da
importância de um acordo a ser seguido. Em uma comunidade bem constituída,
todos são ganhadores com o sucesso das outras pessoas; o mesmo vale para a
discussão sobre a educação.
A prevalência do social sobre o individual, de
fato, interfere nas vidas privadas. Então é possível dizer que o espaço
individual se dissolve no coletivo? Evidentemente que não. Mill é um filósofo
muito preocupado com a liberdade. A consciência individual aparece e brilha nas
discussões sobre o espaço público e no espaço público. O sujeito crítico,
livre, num ambiente de iguais, portanto, democrático, expõe sua visão
particular e a submete às demais visões. Cada indivíduo não se deixa invadir,
mas se convence do que é melhor para todos. Aceita livremente o que foi
decidido, pois sabe que ninguém tem má fé e todos querem o bem da comunidade. Mill
reconhece que, no socialismo ou no comunismo, não há uma concórdia celestial e
plena. A realidade é sempre perturbada, pois as individualidades não se perdem.
Evidentemente que estas discórdias não são as mesmas das sociedades
capitalistas. Elas continuam a existir; mesmo que sejam em função da reputação,
reconhecimento ou poder pessoal. Nunca deixaremos de ser humanos e, por
consequência, sujeitos conflitantes. É saudável que haja posições conflitantes,
pois, o conflito é da natureza da democracia, mas principalmente, da natureza
humana. As pessoas nunca deixarão de pensarem por elas mesmas.
01) Capítulos sobre o socialismo. John Stuart
Mill. 1ª edição, São Paulo, Editora Fundação
Abramo. 2001. Página 91
02) Idem. Página 96.
03) Idem. Página 100
04) Idem. Página 102
05) Idem. Página 103.
06) Idem. Página 96
07) Idem. Página 98.
08) Idem. Página 101
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“Vontade de mat@r alguém todo mundo já teve”
Ao ouvir esta afirmação malévola, quase gritei: Eu nunca quis matar ninguém! Ao ouvir esta infâmia, esta ofensa à humanidade do...
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Nascido em 1900, em Frankfurt, Alemanha, Erich Fromm estudou psicologia e sociologia. Doutorou-se em Filosofia em Munique e recebeu sól...
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A questão proposta pelo Filme Idiocracia é a seguinte: um mundo onde a falta de inteligência é a regra e a mediocridade intelectual é o ...
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Jogos de linguagem em Wittgenstein [1] Neste estudo falaremos apenas da segunda fase de Wittgenstein, pois entendemos como mais re...