terça-feira, 10 de julho de 2012

Certo X errado

Prof. Amilcar Bernardi 

Ao ouvir o comentário de uma mãe que falava sobre o número de acertos na prova do seu filho, pensei fortemente na palavra “certo”; por que a senhora valorizava positivamente os “certos” na avaliação e, coerentemente, valorizava negativamente os erros. Mas podemos ficar saboreando a palavra “certo”. Como sinônimo aparecem na minha mente: indubitável, regular, evidente, algo fixado com antecedência, algo exato. Fiquei impressionado com o que significava estar “certo”. O que seria então o antônimo disso? Vamos pensar: dubitável, desregrado, inexato, desvio de um padrão anterior. Também me impressionei com o peso psicológico e social que o erro tem. Dá até medo.

Lembrei-me de uma pergunta que fiz a um aluno que eu atendia como psicopedagogo. Perguntei ao adolescente: quem errava mais, o aluno ou o cientista? Evidentemente que ele afirmou que o aluno. Respondeu com enfado, pois para ele, a resposta era óbvia demais! Seguindo minha conversa, questionei: quantas vezes errou o cientista que procura a cura do câncer? Lembra que ainda não temos a cura em cem por cento dos casos! O jovem ficou espantado. Refletiu e disse que provavelmente, o cientista esta errando muito, pois o dia em que “acertasse”, essa doença terrível seria curada em todos os casos. Repeti então a pergunta:  quem erra mais? O rapaz com quem eu falava ficou em dúvida, pois no mínimo, ambos, o aluno e o cientista erravam muito. Um grande avanço nessa conversa foi o rapaz ter conseguido questionar o valor do erro e o próprio conceito do erro.

Se, conforme o primeiro parágrafo, o certo é o indubitável, o regular, o evidente, o que é fixado com antecedência, eu, como educador, prefiro o erro. Errar, sob este ponto de vista, é muito mais divertido, criativo e mais afeito a hipóteses. Estar certo, portanto previsível, além de ser impossível na vida, é uma chatice só. Estar certo é encontrar o fim da história, o ponto final, a morte provavelmente. Se estar certo é encontrar a exatidão porque encontrou o que já estava determinado, Einstein errou feio. Afinal, aquilo que ele falou para nós, nunca será encontrado/aferido. Pois não estava determinado antes, não cabe no conceito de “certo”, de exato; não há parâmetros para aferir. Adoro o sucesso e a inteligência, mas tenho certeza que passam longe de estar sempre certo.

Um poema bem legal é um poema errado. Sim, porque desconcerta quem o lê e também porque não tem nenhum modelo para que possamos aferir seu afastamento do correto. Uma piada só é boa quando erra, ou seja, pensamos no desfecho “x” e o resultado é muito mais (ou muito menos) que “y”. Só assim podemos rir.  Os artistas são sujeitos estranhos, diferentes, desregrados e inexatos. São sujeitos errados por essência. O verdadeiro cientista é um errador: procura o novo e as hipóteses, procura até o inquantificável (como a física quântica) e o inverossímil
» Grafia no Brasil: inverossímil. .

Ops! Eu queria falar da mãe que comentava a prova. Eu diria a ela para conversar com a professora ou professor. Crianças que acertam são tão interessantes quanto as que erram. Tenho certeza que a professora ou professor, vai sinalizar que o erro é uma hipótese, é um jeito bem interessante de entender o problema. Errar é posicionar-se também, é expressar algo importante. Eu adoro o erro criativo, aquele erro que me faz (re)pensar e a sorrir! É bastante provável que essa mãe tão dedicada, perceba que errar ou acertar não importa. O que importa é aprender a querer aprender mais e mais. Pena que alguém inventou a reprovação. Creio que talvez Isaac Newton  reprovasse Albert Einsten. E nós professores, reprovamos quem?

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Ensino Religioso, o queremos?

Prof. Amilcar Bernardi


 

Estava num grupo de pessoas conhecedoras do tema educação. Informalmente discutíamos as mazelas que esta área sofre. O assunto pendeu naturalmente para a disciplina de Ensino Religioso nas escolas confessionais, e se havia a necessidade de tal disciplina, afinal o Estado é laico. Fiquei ouvindo as avaliações e devo dizer que eram de alto nível.

 

Repentinamente, alguém do grupo lembrou que minha formação acadêmica é na Filosofia. Então perguntaram minha opinião “filosófica”. Confesso que não estava à vontade, pois tinha certeza que eu desagradaria os argumentadores da mesa. A fala unânime era que a liberdade de credo e a liberdade para não ter credo algum deveriam prevalecer. Devido a essa prevalência, o Ensino Religioso deveria desaparecer ou ser uma espécie de estudo da cultura religiosa optativa. Afinal, entendiam os meus amigos, o Estado é laico e, portanto, a educação necessariamente seria laica também. Foi lembrado que um aluno agnóstico, ateu, cristão ou budista, não poderia ser constrangido na sua consciência de nenhuma forma.  Portanto, o Ensino Religioso por fundamentar-se em uma religião específica em escola confessional, deveria ser abolido.  Na melhor das hipóteses, poderia ser substituído por alguma disciplina “das humanidades”!

 

Os olhares voltaram-se para mim. Imaginavam que, sendo eu sempre a favor das liberdades, concordaria com eles, mas, para espanto de todos, eu discordei. Afirmei que, em tese, o Ensino Religioso deveria manter-se nas escolas (todas) e, notadamente, nas confessionais tendo como inspiração a mística de uma religião. Evidentemente, a “inspiração na mística” não significa catecismo puro e excludente dos demais credos! Recebi uma enxurrada de questionamentos, críticas e olhares piedosos que previam uma evidente falta de argumentos de minha parte.  Tive que falar das minhas razões e vou enumerá-las.

 

O argumento da liberdade é muito importante. Eu diria de suma importância. Porém, desconhecer algo não faz de mim alguém mais livre. Talvez me faça um ignorante, uma pessoa inconsciente de mais uma possibilidade de escolha. Deixar os jovens sem acesso ao transcendente do tipo que tratamos aqui, é jogá-los na ignorância de que milhões de pessoas experimentam isso (a espiritualidade) e não são extremistas religiosos.  A liberdade só acontece quando conhecemos as opções, quando temos consciência delas. Portanto, ignorar a vivência da espiritualidade nas crianças e jovens, não permitirá reflexões sobre ela. Sem reflexões, por menores que sejam, reduz-se a liberdade de escolha. Conhecer para poder escolher e criticar.

 

Claro que existe a possibilidade de as famílias assumirem em suas casas a vivência religiosa de acordo com sua espiritualidade específica. Entretanto, vejamos que sem o intercâmbio de informações e sem a sensibilização para outras formas de crer, poderíamos estar gestando a incompreensão entre as mais variadas expressões religiosas. Cada família só falaria de suas experiências, excluindo as demais possibilidades. Conviver na diferença (religiosa) é viver com respeito às diferenças. Convive-se com as diferenças no ambiente escolar. 


Lembremos que a disciplina de Ensino Religioso não é catecismo.   Não é ensinar uma religião, mas falar/trocar de vivências de espiritualidades.

 

Inclusive, temos que refletir sobre as escolas confessionais. Estas são escolhidas justamente por que falam da espiritualidade. Estas instituições colocam em sua publicidade quem são e o que pensam: abertamente, verdadeiramente. Ora, seria estranho impedir a escolha das famílias àquilo que entendem como melhor para seus filhos.  Evidentemente sempre levando em conta que, mesmo nas instituições confessionais, não é aceitável o catecismo disfarçado de disciplina escolar.  A disciplina de Ensino Religioso não pode ensinar religião, mas apenas proporcionar a reflexão sobre o tema. Eis o limite epistemológico desta disciplina.

 

Estamos numa época em que é cada vez mais necessário defendermos a liberdade da imprensa, os direitos das minorias, dos encarcerados, dos homossexuais, dos excluídos e, para resumir, a defesa dos direitos humanos. Especialmente neste período de desumanização do humano, eu incentivo todos os discursos que falam do amor e da paz, inclusive nas escolas!


Insisto: o Ensino Religioso não é catecismo nem pode ensinar uma religião. Ele é o espaço do convívio fraterno e da reflexão sobre a espiritualidade humana.

 

Se flexibilizarmos esta disciplina, as escolas para reduzir o custo de manter os profissionais para ministra-la, vão eliminá-la. Eliminarão não só a disciplina, mas o tema tão importante como este: a espiritualidade.

 

sábado, 12 de maio de 2012

Ninguém pede licença, somos como flashes

 Prof. Amilcar Bernardi



Comunicar é um ato invasivo. Imagina a pessoa absorta em seus pensamentos e alguém chama a sua atenção de alguma forma. A outra pessoa ao conseguir a atenção, penetrou rapidamente na cognição do sujeito antes distraído. A informação não pede licença. Quebra a vidraça dos olhos e entra, força a entrada pelos tímpanos ou pelo tato perturbando os neurônios, fazendo-se presença na nossa mente. Nunca os sons, as cores, os sabores ou os aromas pedem licença para “falarem” com nossa consciência. As pessoas agem de forma semelhante, surgem no nosso campo de percepção sem pedir licença. A comunicação é algo obrigatório/irreprimível nas vidas dos humanos.

Pensando por aí, é fácil imaginar que nem toda a informação é bem-vinda, porém, vem igual! O som que vem da porta dizendo que alguém esta a bater, o vibrar do celular “gritando” na reunião que uma alma quer se comunicar com a gente. Não conseguimos desviar a atenção daquele visual inadequado para o ambiente formal, a imagem de um acidente que tentamos não olhar, mas que se oferece despudoradamente aos nossos olhos! Podemos com certeza dizer que muitas coisas forçam a comunicação com a gente. Eu insisto na palavra comunicação porque nós respondemos (voluntária ou involuntariamente) a estes estímulos que tanto queremos evitar! Então nos comunicamos sim!

Quando vou palestrar e estou fixado no discurso verbal, veículo da minha comunicação com a plateia, esqueço que ao arrumar-me, escolher mecanicamente a gravata e o terno, nova linguagem (visual) esta se estabelecendo. Minha imagem, com certeza, também vai comunicar algo ao público. E aquele que não se preocupa com a aparência? Comunica sua despreocupação quando escolhe roupas que parecem ser vestidas ao acaso. Não dá para ser insípido, inodoro e incolor, pois somos gente. Os espaços para os comunicantes inexperientes de si mesmo está ficando cada vez menor. Sinto a necessidade de refletirmos sobre como somos informação e agimos como se não fôssemos!

Cada um de nós é uma informação que não pede licença para atingir a consciência dos outros. Aparecemos para os neurônios alheios e pronto. O outro que saiba o que fazer conosco! Surgimos sempre como flashes, assim como os outros surgem para nós. Em cada calçada, em cada emprego, em todos os momentos pessoas surgem comunicando coisas, sensações e sentimentos. Ninguém pede licença para ninguém. Cada um que se vire como pode na comunicação/aparição que faz de si mesmo! E o outro que se vire também com o que fará com o seu surgimento instantâneo nas consciências alheias!

terça-feira, 8 de maio de 2012

O funk é feminista?

                       Prof. Amilcar bernardi 

Acabei de ler um artigo intitulado “O funk é feminista”, na revista Superinteressante (Maio de 2012, edição 304). Como diz o título, o funk seria feminista porque brada pela liberdade sexual das mulheres, além de quebrar o padrão de beleza socialmente admirado nos dias de hoje, mulheres magras e loiras. Após ler o texto da Profa Doutora Carla Rodrigues, confesso, fiquei a pensar sobre o assunto.

O Funk é um movimento musical, porém, como bem mostra o texto, tem preponderantemente um conteúdo sexual explícito.  Fico mentalizando todas as imagens que veem à minha imaginação sobre esse tema. Claro que imagens marcadas pela mídia. Na minha mente aparecem sempre mulheres dançando/rebolando com roupas mínimas. É provável que eu esteja falando uma coisa óbvia, pois o funk e mulheres desejáveis são inseparáveis. Puxo da minha memória midiática as letras das músicas apresentadas por este movimento. Percebo que também estas composições falam da sensualidade da mulher, dos desejos sexuais consumados e, na grande maioria das vezes, a rima é pobre, o palavreado é rude, também não é incomum palavrões. Pelo menos é o que vejo, leio e ouço através das mídias, notadamente as televisivas. E não tenho culpa de não querer comprar Cds desta natureza e estar minimamente conectado à TV. Quem se expõe a esta ou aquela mídia, fez uma opção e não pode reclamar de ser percebido através da mídia escolhida.

Se eu fosse mulher, odiaria o texto opinativo da revista Superinteressante. Como homem, odeio igualmente. O funk não é feminista, é um ultraje à mulher. Aproximar o ideal libertário feminino de um viés apenas, o sexual, é minimizar a questão e empobrecê-la. Este tipo de movimento não é uma expressão política das mulheres. É sim o resultado de uma política, uma política excludente de uma grande parcela da sociedade brasileira.  Se o ritmo funk expressasse uma mudança qualitativa ampla, aí sim, seria algo a ser respeitado. Porém, dizer que a expressão no funk do desejo sexual através de imagens e letras caricaturais do universo da mulher, é uma das expressões do feminismo, é uma bobagem.  O feminismo é muito maior que este tipo de liberdade. Tão maior que o funk desaparece (se apequena) no contexto da luta da mulher para ser protagonista da sua história.

As moças funkeiras são vítimas da exclusão escolar, da exploração sexual e vendem seu produto “artístico” notadamente para os homens. Excluídas de outras vivências culturais usam seu corpo, o sexo e seu vocabulário (qualitativamente e quantitativamente empobrecido) na ilusão de que provocarão mudanças. Sonham em mudarem não a sociedade, mas suas vidas através do dinheiro dos seus shows. O que até é possível. Porém, o preço a pagar é a manutenção de inúmeras outras mulheres na condição de excluídas de uma vida escolarizada, menos sexualizada e de salários mais dignos. O funk não é, nem nunca será, uma expressão de um ideal feminista.

Livro Planeta dos macacos de 1963