sábado, 28 de abril de 2012

Trabalho, vida e legítima defesa

                      Amilcar Bernardi



Há uma distinção um tanto óbvia, entre trabalho e emprego. Quando falamos em trabalho, incluímos todas as atividades humanas que pretendam transformar a natureza. É o esforço proposital que tem como meio as capacidades físicas ou intelectuais da pessoa. Por outro lado quando falamos em emprego, o sentido é mais restrito. A pessoa está empregada quando está a serviço de outro. Tradicionalmente e de forma dicotômica, esta distinção baseia-se no fato de que alguém tem os meios de produção e outros são um meio de produção.

A ideia de emprego é historicamente posterior à capacidade humana de trabalho. Os séculos de convivência entre trabalho e emprego quase que fundiram os dois conceitos. Essa amálgama conceitual “normalizou” e normatizou a convivência entre ambos. Porém, a coisa foi além a ponto de alguém que trabalha, mas não tem emprego, ser visto como uma exceção tornando-se uma figura no mínimo estranhável. Esquece-se que raramente alguém é desempregado por desejo próprio, como opção consciente de vida.  A questão complica-se ainda mais: com o avanço civilizatório, o vinculo empregatício tornou-se obrigatório para a manutenção da vida de um número crescente de pessoas.  Poucos (em relação à absoluta maioria) conseguem sobreviver sem emprego, apenas de seu próprio trabalho. Artesãos, costureiras, intelectuais, escritores e etc. cada vez menos sobrevivem sem algum tipo de vínculo remuneratório.

Quem não tem dinheiro morre ou tende a morrer. Quem não tem emprego não tem (ou tende a não ter) dinheiro em quantidade suficiente para viver. Seguindo esta lógica capitalista, como a grande maioria da população não consegue sobreviver com seu trabalho próprio e precisa vincular-se aos empregadores, então a vida é para poucos. Os discursos tentam dourar esta pílula indigesta. Penso que todas as questões que envolvem a vida humana são de primeira importância.

É legitima defesa reagir a alguém que nos ameasse de morte, quando o Estado está ausente ou impedido de nos defender. Quando a sociedade, sob a égide do Estado, não emprega seus cidadãos, ou seja, limita (ou elimina) sua qualidade de vida, esta mesma sociedade ameaça de morte uma quantidade incrível de pessoas. Portanto, toda a reação delas a isso é (ou tende a ser) legítima defesa.

domingo, 22 de abril de 2012

A Filosofia e a qualidade de vida

Prof. Amilcar Bernardi



Quando vamos à academia de musculação malhar, não importa com o que vamos nos exercitar. Importante é a própria atividade muscular, sua qualidade e eficácia. Os aparelhos são apenas meios.

Manter a capacidade de aprender e refletir é algo semelhante. O que mais importa é a atividade intelectual que os diversos saberes impõe à mente. Claro que, no sentido moral, é fundamental o conteúdo do que aprendemos. Mas para o desenvolvimento da reflexão, o que é fundamental é a atividade intelectual (ela é a finalidade).

Por esse viés podemos responder a questão: por que ensinar Filosofia nas escolas? Devemos ensinar porque o filosofar é uma excelente atividade para desenvolver a capacidade de aprender. A Filosofia passa a ser nas escolas, um meio (e não um fim em si mesmo) para o desenvolvimento intelectual.

Outro aspecto importante: o estudo das correntes filosóficas tem como efeito prático o disciplinamento dos desejos juvenis. Estudar os grandes pensadores que tanto falam sobre a virtude, a razão, a política e sobre os motivos das ações humanas, leva o aprendiz a melhor gerenciar seu querer.

Pensar é um refletir sobre ideias. A Filosofia alimenta as ideias para um pensamento mais qualificado. O saber filosófico retira o aluno do centro do seu mundinho. Ela o faz imergir no contexto, na realidade. O adolescente entra em contato com outras verdades tão possíveis quanto as suas e, não raro, mais coerentes e complexas.

Ensinar Filosofia é reconhecer que a vida é um problema sem solução, portanto, é a complexidade da vida que fascina. Filosofar é reconhecer que viver (bem viver) é pensar (bem pensar). O jovem precisa saber que sua qualidade de vida é dependente da reflexão sobre o que aprendeu, ou melhor, da sua capacidade (sempre ampliada) de refletir.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Lendo inúmeras "pérolas" nas redes sociais, publico novamente...

                      A erudição é uma boa opção para os cibernautas
                                                                                                                                            Prof. Amilcar Bernardi
 

Um mouse e um PC conectado leva o adolescente ao mundo sem sair do conforto do seu quarto. A infinidade de informações apresenta-se como o horizonte, uma promessa sempre à frente, inalcançável em plenitude. Horizontal também pode ser entendido como ausência de profundidade, não verticalidade. O internauta afoito ganha em horizontalidade, perde em profundidade. É fato que não é possível aprofundar tudo o que a internet oferece em termos de informações.

A erudição pode ser uma boa escolha para os cibernautas. Afinal, nunca as pessoas tiveram tanto acesso às informações, nem nunca o acervo cultural foi tão amplo. Porém, tudo está muito raso, tão superficial que uma pessoa plugada, lincada a tudo, não pode ser chamada de erudita. Este paradoxo chega ser constrangedor.

Ter acesso a tudo que é produzido pela mente humana, não faz de mim um erudito. A amplitude do acesso pode impedir o foco em algo. Afinal, focar pressupõe algum critério de seleção. Hoje, cada critério elaborado é quebrado por uma tecnologia nova que amplia o leque de opções.  A maioria das pessoas está vagando sem rumo pelo ciberespaço, da mesma forma que uma pessoa do interior na Avenida Paulista observa os enormes prédios.  É um olhar sem critérios para ver.

Uso o termo erudição como uma antítese do que normalmente as pessoas fazem no ciberespaço, pela questão histórica que envolve a palavra. Quando penso em erudição, lembro-me das pessoas de séculos atrás, que liam muito, exercitavam a memória, gastavam horas absorvendo conhecimentos para expô-los com maestria. Os que não tinham tal erudição, ironizavam as pessoas que estudavam apenas para mostrar sabedoria decorada! No Brasil de outrora, poucos se dedicavam a falar bonito, a encantar ouvintes! Estes poucos eram os eruditos, os que estudavam numa concepção estética: era bonito falar, pensar e aparentar conhecimento! Por isso a crença de que os eruditos sabiam pouco (profundidade) e buscavam apenas a beleza da expressão. E hoje? Será que além de perdemos profundidade, também perdemos o senso estético da expressão?

Sou um esteta não por opção. Creio que a quantidade de livros que li retiram a minha liberdade de escolher ser feio ao expressar-me. Portanto, sou um erudito.  Adoro falar bem, pensar bem. Leio e estudo muito para fazer bonito. É lindo saber, refletir, argumentar e falar. Uma modelo profissional, escolhe muito bem suas roupas para as fotos. Pode ser muito linda fisicamente, porém, a roupa bem escolhida, a maquiagem adequada fazem a diferença. Quando eu vou falar/escrever, visto minhas idéias com as palavras mais bonitas que posso escolher. Quando vou dizer o que quero, também quero causar prazer estético. Não basta ser inteligente, esperto e ter bom conteúdo, a forma conta muito. Seria hipócrita se dissesse o contrário!

Ao internauta fica esta minha preocupação: ter acesso a tudo faz do sujeito plugado um erudito? Saber muito pouco de muita coisa faz da pessoa plugada uma pessoa que aprende e se expressa de forma bonita? Hoje obtemos informações, na maioria das vezes, rasas de conteúdo, para que? Qual sentido da obtenção de tantas informações? O esquecimento da busca pelo belo faz muita diferença. Ao cidadão comum do ciberespaço, deixo estas perguntas.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Lembranças de um bipolar

Prof. Amilcar Bernardi


Meus amigos de quatorze anos mal pensavam sobre o futuro. Para ser mais específico, pouquíssimo se falava das profissões possíveis para sonhos adolescentes.  Alguém falava em ser médico, outro falava em ser piloto de avião e talvez alguém já influenciado pela família, imaginava-se advogado.  Ficávamos na frente de minha casa, nas noites de verão, falando mil coisas que somadas eram o seguinte: gurias, colégio e gurias.  Época muito boa, de poucas preocupações.
No meu quarto eu era bem diferente. Lembro que eu tinha uma antiga caneta nanquim e queria escrever como os antigos escreviam, com letra enfeitada e em folhas amareladas pelo tempo. Tentei muito ter letra redondinha, fininha com tinta preta.  Também queria uma máquina de escrever que fosse de antiquário. Imaginava uma bem grande, pesada, com teclas bem horizontais, redondas e ruidosas.  Na madrugada eu apagava a luz para ver as estrelas e desejava muito ter um telescópio.  Nem pedi tal instrumento ótico, meus pais não dariam por ser caro e exótico para minha realidade.
Na solidão do meu quarto quando eu imaginava o futuro, não pensava em medicina ou direito. Nem pensava em faculdade.  Eu lia as biografias de escritores, lia livros de poesia e romances. Acreditava que se no século dezenove jovens que liam muito podiam virar escritor muito cedo, porque eu não podia? Se Castro Alves quase nasceu escrevendo, porque eu não podia? Se ele antes de ir para a faculdade já fazia poemas fantásticos, porque comigo não seria igual? 
Seguindo a lógica de que um sujeito jovem no século dezenove podia tornar-se um grande escritor, lendo muito e trabalhando cedo, meu primeiro emprego foi num jornal. Fui um vigia que lia muito no emprego e vivia namorando a redação. Mas não deu certo. Não me tornei um grande escritor.
Quando frequentava o Ensino Médio, apaixonei-me por literatura. Minha mãe deixava comprar muitos livros. Li bastante.  No colégio não me distinguia de ninguém. Era um piá igual a todos. Mas no meu quarto eu já tinha uma máquina de escrever antiga e não tinha telescópio. Porém, já tinha uma letra enfeitada e minha estante já estava repleta de livros de poesias. Nesse período minha gagueira já estava sob controle. Mas continuava tímido. Passava mais tempo apaixonado que namorando. Apaixonava-me pelas gurias mais bonitas, com certeza as que nem me enxergavam!
No Ensino Médio eu me sentia um bipolar, um sujeito com duas personalidades. Para os amigos eu era um cara absolutamente previsível, sem graça até.  Porém, no meu quarto, sozinho, transformava-me! Teclava como louco na máquina antiga, escrevia com a caneta nanquim muitos poemas.  Teve um tempo, eu já estava na Universidade, acometido de extremo delírio, li Rui Barbosa, seus discursos.  Minha bipolaridade fez com que eu nem fosse notado por ninguém, afinal, meu lado escritor só aflorava na solidão do meu quarto.
Hoje, adulto e homem sério, o paradoxo acontece. Estou no meu escritório sozinho. A janela está aberta e vejo as estrelas. A solidão faz-me companhia. Escrevo num moderno computador. Eu ainda não tenho, mas meu filho já tem um telescópio.  Minha estante está repleta de livros.  Já tive na vida minhas Eugênias (Eugênia Câmara foi o grande amor de Castro Alves). Já não sou vigia de um jornal, nem sou médico ou advogado. Porém aquele guri adolescente hoje voltou à vida. Na solidão do meu escritório o piá voltou a sonhar em ser um grande escritor. Um sonho que com certeza me manterá um adolescente de quatorze anos para sempre.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Descrença absoluta

Prof. Amilcar Bernardi


A sociedade está carente de valores. Aqueles valores que agregam, que trazem confiança para as pessoas. Tirar vantagem sempre (que é um valor também) trás desvantagens sempre (perdoem o trocadilho). Quanto maior a vantagem que tenho sobre o outro, maior será a desconfiança que se estabelece. Sujeitos desconfiados são violentadores e violentados, pois foi retirados deles a capacidade de não temer o próximo.

O elogio desenfreado à racionalidade é preocupante. Penso que a confiança é algo irracional. Está mais próxima da fé na bondade do outro do que na capacidade de calcular o mal que o próximo pode nos causar. Penso que a racionalidade faz com que eu desconfie primeiro. Depois, como exceção à regra, eu estendo a mão solicitamente ao outro. A razão pondo o cálculo acima da crença (irrefletida) na bondade alheia, faz com que a confiança seja exceção e não a regra.

A desconfiança (racional, refletida) virou epidemia. O medo de ser lesado e o desejo de lesar esta desestruturando os vínculos sociais. O número de leis cresce enormemente e cada vez são mais duras. Como resultado, passam a ser uma arma nas mãos dos mais “espertos”. Estes “espertos” as usam em favor próprio. Corremos o risco de o emaranhado de leis causarem ainda mais desconfiança nos seus usuários. Os cidadãos temem a lei, pois ela pode voltar-se contra eles mesmos. Porém, ela logo vira poderoso gládio quando os favorecem. Nenhuma lei pode ser justa ou causar harmonia na sociedade, quando os valores estão adoentados. Todo o valor que diminui a qualidade de vida dos cidadãos é doente.

A descrença avança. A razão empobrecida pelo cálculo egoísta/hedonista avança. Quando falo em descrença e falta de fé, não necessariamente refiro-me a apelos religiosos. A falta de fé na capacidade do homem cidadão ser bom, mata a cidadania do homem. Podemos também afirmar o seguinte: a crença na mesquinhez absoluta do homem, causa a descrença absoluta na cidadania.  Aquilo em que acreditamos ou que desacreditamos é que in/viabiliza a coesão social. Vejo que estamos cada vez menos coesos. Não penso que as cidades desaparecerão, que epidemias dizimarão milhões de pessoas. Apenas entendo que os laços que nos manterão nas cidades serão cada vez mais precários e penosos. Pertencer à sociedade será um ônus quase impossível de suportar.

Quando a ausência de fé no outro acontece, as sociedades buscam alternativas para sobreviverem na convivência.  A fé no dinheiro e tudo que ele significa parece ser uma alternativa bem boa. Mas é apenas aparência. Nada pode comprar a confiança. A confiança é um valor não quantificável. Até podemos comprar segurança, mas nunca confiança. Com certeza quanto mais compro segurança, é porque mais desconfiado estou.  Nada pode substituir a confiança no outro baseado nos valores do amor e do respeito. Digo isso porque sei disso. E sei porque sinto isso. Porque é um fato inquestionável. Sinto isso todos os dias; no supermercado, no estacionamento, nas aulas que dou. A confiança que tenho na absoluta maioria dos meus alunos, por exemplo, é em tudo diferente do salário que recebo.

Sei que inúmeras pessoas já atingiram a descrença absoluta, o desvalor absoluto. Porém estas nada mais podem contar para nós. Refiro-me aos suicidas. Eles são um bom exemplo para refletirmos sobre a desilusão absoluta.  Fico também imaginando se a humanidade um dia chegará a esse nível, a descrença absoluta no outro. Aí sim, o mundo acabará e não será por um cataclismo planetário. Será um cataclismo na fé do homem no homem e, portanto, sua morte autoimposta e absurda.




quarta-feira, 14 de março de 2012

O plantador de árvores e o de rosas.

Prof. Amilcar Bernardi 
Podemos imaginar uma pessoa que planta árvores para derrubá-las e vendê-las.  Sua intenção não é diretamente o cuidado com a planta.  Seu objetivo é o crescimento rápido para vender o mais rápido possível. Este plantador de árvores não deseja a árvore e sim a sua venda, a sua eliminação em troca de dinheiro que, por sua vez, comprará mais árvores para mais venda.
Também podemos imaginar uma pessoa que planta flores ornamentais. Alguém que não as venda. Que quer que sejam belas e saudáveis.  Quanto mais investe nelas, mais belas elas ficam. Quanto mais flores crescem, mais flores ele tem. Quando alguém pede alguma rosa, o plantador de rosas olha desconfiado.  Só dará uma rosa ser for por um bom motivo.
O plantador de árvores vive para o futuro. O presente para ele só existe na espera da futura venda. Este plantador não se interessa pelo organismo vivo que está se desenvolvendo, nada quer saber dele além daquilo que pode aumentar a produtividade. Esta pessoa é externa a vida do que planta. A morte (corte) da árvore é mais importante que a vida dela.
O plantador de flores com o perfil aqui apresentado, vive no presente. Quer a vida e a beleza da rosa. Cada dia é um cuidado especial. Não as vai vender. Não interessa o valor da planta no mercado (o mercado é algo exterior a relação dele com as rosas). O que interessa é a beleza das flores. Uma beleza que faz o plantador feliz. Mais feliz quanto mais vivaz for a planta. É provável que a morte de suas rosas o faça sofrer. Talvez até morrer. Podemos dizer que as plantas ornamentais do exemplo, respondem ao seu cuidador. A linguagem delas é a beleza. A pessoa que cuida sente-se recompensado pelo seu trabalho, pela resposta que recebe. Podemos dizer que se “comunicam”. As rosas são o espelho do trabalho do cuidador. Um elogio a elas também elogia por “espelhamento” o plantador.
O plantador de árvores não se espelha na beleza das árvores. Ele sente-se recompensado pelo valor que delas advém e que o capacita a comprar mais coisas. Sequer o dinheiro das vendas pode satisfazer esta pessoa. O que o satisfaz é compra de produtos e o status social que isso dá. Com certeza o plantador de árvores não quer cuidar delas. Se pudesse, teria muitos empregados que isso fariam. Esta pessoa gosta mais do que obtém da plantação do que o prazer de cuidar das árvores. O tempo presente, como já foi dito, quase não existe: ele quer o futuro. O futuro abate das árvores. Ele deseja o extermínio do que cuidou e plantou.
Quando um aluno pergunta o que é mesmo estudar, eu conto essa história.  Digo que estudar é como o cuidador de rosas. Quem estuda vive no presente. Sente e se orgulha do que faz. Quando eu estudo em casa “presentifico” o que foi dado na aula. Trago para o aqui e agora da minha consciência o que estudei na aula.  Quem verdadeiramente entendeu o que é estudar, planta seus estudos para ver quão belo isso é. Não irá vender o que aprendeu e pouco se importa com o que os outros pensam. Cuidar de rosas e estudar é um ato solitário.  Estudar é “hojeficar” o já visto nas aulas. Sempre é assim: eu aprendo agora. Sempre é agora para quem está em aprendizagem. Não há tempo futuro ou tempo passado! Cada segundo que passa é um segundo presente. Eu aprendo a cada segundo. Quando tenho o insight da compreensão do que eu não compreendia, o tempo parou presentificando o tempo psicológico por milésimos de segundos.
Quando eu ouço alguém dizendo que devemos estudar para ter um futuro melhor, lembro-me do plantador de árvores. Eu sinto que quando falamos em verdadeiramente aprender/estudar, falamos de rosas. Rosas que valem por si mesmas. Que são plantadas para o prazer imediato de produzir vida. O prazer de plantar flores, como no exemplo anterior, é imediato, atemporal, sempre presente.
Não podemos estudar profundamente se somos plantadores de árvores, se estudamos para nos descartarmos logo do que produzimos na colheita das avaliações. Não é possível aprender se queremos apenas ganhar algo no futuro no mercado de trabalho. Aprender é para hoje. Sempre é para hoje.


sábado, 3 de março de 2012

Ser ou não ser...

Prof. Amilcar Bernardi

Estava num encontro de professores após uma breve fala com eles. No final, uma colega perguntou-me a queima roupa: Professor, o senhor é filósofo ou somente dá aulas? Fiquei sem resposta imediata. Preferi escrevê-la. Isso porque a pergunta deixou-me perplexo, pois é muito complexa. É maior do que eu posso responder.
A professora partiu do princípio de que sei o que sou, se sou isso ou aquilo. Confesso que estou longe de saber definir-me. Passei a refletir sobre quem somos. A imagem que surgiu em minha mente foi a de um ramalhete de flores coloridas. Não estou querendo ser poético. Eu acho que as pessoas são assim, buquês de flores. Quero dizer que ninguém é isso ou aquilo, somos um conjunto de “issos” e “aquilos”: como é um ramalhete. Se separarmos todas as flores, excluímos a ideia de ramalhete e falamos de cada flor. Então, somos muitas coisas e se separarmos cada uma, morreremos, pois somos conjuntos de coisas e não um somatório apenas de detalhes. Se algo é de nós retirado, perdemos nossa humanidade complexa.
Quando penso o que sou, vejo um conjunto infinito de contextos e relações.  Não posso dizer que sou a flor do centro do ramalhete, ou a mais bonita, ou ainda a que está mais a direita. Sou todas as flores que me fazem. A pergunta da professora sacudiu-me. Quero crer que ela via em mim uma faceta do conjunto de facetas que sou e, ao questionar-me, obrigava-me a escolher alguma flor de mim e afirma-la como sendo o conjunto, o que sou.  Para aclarar mais: caso eu afirmasse que sou filósofo, eu teria escolhido as flores da filosofia, ignorado as demais, e as escolhidas seriam apresentadas como um cartão de identificação. Porém, como posso escolher o que apresentar de mim? Se eu escolhesse, retiraria das demais pessoas a liberdade (e a responsabilidade) de escolherem que flores de mim querem apreciar.
Afinal, sou ou não sou filósofo? Ora, como vou saber? Essa resposta não pertence a mim. Pertence a quem escolhe do meu ramalhete as flores da filosofia. Mesmo que eu tivesse todas as garantias institucionais que sou um filósofo, quem vai confirmar é quem lê o que escrevo, quem ouve minha fala. É a história que decide. Melhor dizendo, são as pessoas que decidem quem eu sou na história. Insisto que se sou ou não filósofo, é uma pergunta cuja resposta não cabe a mim. Não tenho essa responsabilidade, nem tenho o poder de decretar se sou ou não.  No ramalhete que sou tem muitas flores de estudos, outras tantas das escritas que faço. Também têm flores infantis e bobas. Quem pode dizer de uma pessoa que ela é essa flor ou aquela, escolhendo no ramalhete as flores que mais chamou sua atenção? Dá para perceber a responsabilidade disso, escolher o que a pessoa é?
Após estas reflexões, vou deixar a professora que me questionou em dúvida. Na verdade, vou dividir com ela a dúvida que também tenho.

“Vontade de mat@r alguém todo mundo já teve”

          Ao ouvir esta afirmação malévola, quase gritei:  Eu nunca quis matar ninguém! Ao ouvir esta infâmia, esta ofensa à humanidade do...