Publiquei um vídeo no meu canal com este título. Um colega disse que
gostou. Então me intimou a fazer um artigo. Demorou uns dias, acabei aceitando.
Assim como no vídeo, vou iniciar indicando o que quero dizer com esta expressão milenar: Filosofia. São tantas as definições que vou apenas caracterizar os aspectos que entendo como essenciais.
Vamos lá.
A filosofia é uma postura. Postura não natural, que vem pelo esforço e pelo hábito. Vem pela rotina de estudar tudo que é possível estudar. Alguém questionará: É obvio. Todos os saberes exigem estudo. Não só na Filosofia. Estudar não é algo só da Filosofia!
Prossigo
então.
Vou aprimorar mais um pouco. A
postura a que me refiro é a de quem está desconfiado (a desconfiança como
método). Inclusive desconfiado do que estuda. A Filosofia é incomodativa. Quem
não incomoda por ser curioso de tudo, é apenas um estudioso e só. A Filosofia é
mais. É a postura de quem vê algo pela
primeira vez, mesmo que este algo seja visto diariamente. Como assim?
Exemplifico.
Quando Isaac Newton foi atingido por uma maçã na cabeça, ele viu mais do
que uma fruta que inúmeras vezes já caiu na cabeça de alguém. Ele espantou-se
mesmo sendo um fato rotineiro, corriqueiro. Agiu mentalmente como se fosse a
primeira vez que uma maçã cai. E espantado, pensou que não podia ser algo tão
banal assim as coisas caírem sempre para baixo. Pensou ainda: que coisas
pesadas doíam mais na cabeça do que coisas leves. Espantava-se com o óbvio. Ele
repensou o que parecia ser simples.
Daí então veio a complexa teoria da gravidade. Ele poderia apenas xingar
a fruta e pronto. A postura de espanto fez toda a diferença. Quem não se
espanta não filosofa. Só isso? Tem mais, pois precisamos apontar para a
Filosofia e não para a Física do exemplo do Newton.
Percebamos que nossa consciência, nosso cérebro, nossa alma estão dentro
do crâneo. Ora, só percebemos o que está fora de nós através dos sentidos
(cinco janelas para o exterior). E estes estão ligados ao cérebro (ligado a nós,
portanto) por longos fios (os neurônios). Pois bem, tudo que está fora de nós
(do nosso corpo), recebemos por vias indiretas (pelos sentidos). E tudo que é
abstrato como os conceitos, antes de existirem em nós, vieram por palavras “de
fora”, ditas por outras pessoas. Então, como saber que tudo isso é verdadeiro,
se estamos encarcerados dentro do corpo?
Para ajudar nessa questão (filosófica), os gregos usavam o termo
alethéia (desvelar). Com isso eles pensavam que a verdade precisava ser
desvelada, que sempre ela estava submersa nos enganos, nas opiniões e nos
erros. Por isso, o filósofo é aquele que desvela a realidade. Os filósofos
desconfiam de tudo, perguntam por tudo, se aprofundam em tudo. Afinal, tudo
está velado, pois fora de nós.
Agora podemos dizer que não basta o espanto (thaumádzen). É preciso
também o desvelamento (alethéia).
As coisas diárias estão aí, jogadas. Mas o fato de estarem aí a olhos
vistos, não fazem delas coisas conhecidas para o filosofar. É preciso tomar um
susto com o habitual para depois explicar o óbvio. Como fez Newton com a maçã.
Concluo que a postura do filósofo, aprendida pelo hábito de desconfiar e
pelo estudo, se baseia no espanto e no desvelamento. Acrescento que desvelar é conceituar
o que foi desvelado, é argumentar, é provar que a reflexão sobre o objeto em
estudo faz sentido para os envolvidos.
Lembrando que vivemos afogados no mundo da informação. Nós, solitários
dentro da nossa cabeça, somos expostos às mais diversas novidades. Diariamente,
a todo momento. Tudo sem profundidade, preso ao nível do não refletido. A
partir do espanto com estas informações, buscamos desvelar seus segredos e
passamos a outro nível: o nível do conhecimento. Desvelar o óbvio, avançar para
o conhecimento, perguntar o que fazer com este conhecimento para qualificar a
vida humana: esta é a postura filosófica. E quando esse processo termina?
Nunca!
Pobrezinho do filósofo!
Ufa! Agora podemos ir para ensino da Filosofia na escola. Eu
creio que nós professores não ensinamos a filosofia propriamente. É preciso
algo a mais do que transferir o conhecimento filosófico.
O professor filosofa ao vivo na sala de aula.
Os estudantes vendo o exemplo, tenderão a fazer o mesmo. Ao filosofar a
história da filosofia, os aprendizes tenderão a ter a mesma atitude. Claro, nem
todos. Mas será que ensinamos na escola para que todos se tornem filósofos?
Claro que não! O professor está ali para fazer com que os estudantes
experimentem a atitude filosófica. Se conseguir que os estudantes tenham esta experiencia,
já terá feito sua parte.
Nem sempre o professor de Filosofia é entendido no filosofar em sala de
aula.
Ora, até Sócrates não foi entendido no seu tempo. Ainda bem que o
professor não será condenado à morte como foi Sócrates. No máximo enfrentará
um(a) coordenador(a) a questioná-lo. Ou ainda enfrentará alguns pais que não
entenderão o processo do filosofar.
Mas, tudo bem, faz parte.
Para desapegar-se das obviedades do dia a dia, o filósofo em sala de
aula tem suas ferramentas. Assim como o escultor, o pintor, o inventor e o
escritor têm. Quais são? São cinco. Todas bem complexas. São duas perguntas
ativas e três ações.
1)
O que é? (Conceituação)
2)
Por que é? (As razões, argumentos.
Contextualizado na lógica)
3)
Socializar. (compartilhar o aprendizado na cooperação)
4)
Testar. (Junto com a comunidade aprendente,
aplicar aos contextos sociais, políticos, econômicos e científicos. Aplica-se à
realidade)
5)
O que se manteve válido até aqui, é base para
novo desvelamento (alethéia).
Tu estás pensando que é muito complexo para os adolescentes? Concordo.
Entretanto, ver o professor utilizando-se destas ferramentas, é fundamental
para incentivar os estudantes. Eles vão utilizar estas ferramentas também.
Alguns de forma simplória. Outros serão hábeis. Não importa. O que realmente é
importante é que eles se admirem com tais ferramentas. Que eles percebam que é
possível utilizá-las. Serão mais livres, pois após conhecê-las, poderão
escolher continuar usando-as ou não.
Pior é aquele(a) que nunca terá a oportunidade de usar tais ferramentas!
Imaginemos nossos jovens tão pouco afeitos a leitura. Imaginemos quão
inexperientes na arte da argumentação e da justificação racional. Não só os
jovens, mas muitos adultos também. Pois bem, agora imaginemos novamente: nas
salas de aulas (cooperativas aprendentes) todos eles se esforçando para se
espantarem e desvelarem o mundo. E mais, testando suas capacidades
argumentativas. Imaginemos estes aprendizes lendo alguns livros para melhorar
sua postura intelectual frente ao mundo.
Então, ser professor de filosofia na escola é crer no imaginado neste
último parágrafo. Não só crer, mas enfrentar a realidade diária dos estudantes.
Realidade tão desfavorável à reflexão.
Que venha o(a) professor(a) filosofar em sala de aula! Sem a filosofia
ficaremos dentro de nós, ilhados num mar de informações. Presos dentro de nós.
Tão presos que acreditamos na mídia contemporânea que diz que não precisamos de
ninguém, que nossa opinião vale mais que a opinião dos outros. Aos ilhados só
resta a solidão de viver consigo mesmos, acreditando que estão em boa companhia!
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