terça-feira, 30 de setembro de 2025

Ao mundo da (des)informação sugiro a Filosofia na escola. Versão artigo

 


                                                                       Prof. Amilcar Bernardi

 

Publiquei um vídeo no meu canal com este título. Um colega disse que gostou. Então me intimou a fazer um artigo. Demorou uns dias, acabei aceitando.

Assim como no vídeo, vou iniciar indicando o que quero dizer com esta expressão milenar: Filosofia. São tantas as definições que vou apenas caracterizar os aspectos que entendo como essenciais.

Vamos lá.

A filosofia é uma postura. Postura não natural, que vem pelo esforço e pelo hábito. Vem pela rotina de estudar tudo que é possível estudar. Alguém questionará: É obvio. Todos os saberes exigem estudo. Não só na Filosofia.  Estudar não é algo só da Filosofia! 

    Prossigo então.

 Vou aprimorar mais um pouco. A postura a que me refiro é a de quem está desconfiado (a desconfiança como método). Inclusive desconfiado do que estuda. A Filosofia é incomodativa. Quem não incomoda por ser curioso de tudo, é apenas um estudioso e só. A Filosofia é mais.  É a postura de quem vê algo pela primeira vez, mesmo que este algo seja visto diariamente. Como assim?

Exemplifico.

Quando Isaac Newton foi atingido por uma maçã na cabeça, ele viu mais do que uma fruta que inúmeras vezes já caiu na cabeça de alguém. Ele espantou-se mesmo sendo um fato rotineiro, corriqueiro. Agiu mentalmente como se fosse a primeira vez que uma maçã cai. E espantado, pensou que não podia ser algo tão banal assim as coisas caírem sempre para baixo. Pensou ainda: que coisas pesadas doíam mais na cabeça do que coisas leves. Espantava-se com o óbvio. Ele repensou o que parecia ser simples.

Daí então veio a complexa teoria da gravidade. Ele poderia apenas xingar a fruta e pronto. A postura de espanto fez toda a diferença. Quem não se espanta não filosofa. Só isso? Tem mais, pois precisamos apontar para a Filosofia e não para a Física do exemplo do Newton.

Percebamos que nossa consciência, nosso cérebro, nossa alma estão dentro do crâneo. Ora, só percebemos o que está fora de nós através dos sentidos (cinco janelas para o exterior). E estes estão ligados ao cérebro (ligado a nós, portanto) por longos fios (os neurônios). Pois bem, tudo que está fora de nós (do nosso corpo), recebemos por vias indiretas (pelos sentidos). E tudo que é abstrato como os conceitos, antes de existirem em nós, vieram por palavras “de fora”, ditas por outras pessoas. Então, como saber que tudo isso é verdadeiro, se estamos encarcerados dentro do corpo? 

Para ajudar nessa questão (filosófica), os gregos usavam o termo alethéia (desvelar). Com isso eles pensavam que a verdade precisava ser desvelada, que sempre ela estava submersa nos enganos, nas opiniões e nos erros. Por isso, o filósofo é aquele que desvela a realidade. Os filósofos desconfiam de tudo, perguntam por tudo, se aprofundam em tudo. Afinal, tudo está velado, pois fora de nós.

Agora podemos dizer que não basta o espanto (thaumádzen). É preciso também o desvelamento (alethéia).

As coisas diárias estão aí, jogadas. Mas o fato de estarem aí a olhos vistos, não fazem delas coisas conhecidas para o filosofar. É preciso tomar um susto com o habitual para depois explicar o óbvio. Como fez Newton com a maçã.

Concluo que a postura do filósofo, aprendida pelo hábito de desconfiar e pelo estudo, se baseia no espanto e no desvelamento. Acrescento que desvelar é conceituar o que foi desvelado, é argumentar, é provar que a reflexão sobre o objeto em estudo faz sentido para os envolvidos.

Lembrando que vivemos afogados no mundo da informação. Nós, solitários dentro da nossa cabeça, somos expostos às mais diversas novidades. Diariamente, a todo momento. Tudo sem profundidade, preso ao nível do não refletido. A partir do espanto com estas informações, buscamos desvelar seus segredos e passamos a outro nível: o nível do conhecimento. Desvelar o óbvio, avançar para o conhecimento, perguntar o que fazer com este conhecimento para qualificar a vida humana: esta é a postura filosófica. E quando esse processo termina? Nunca!

Pobrezinho do filósofo!

Ufa! Agora podemos ir para ensino da Filosofia na escola. Eu creio que nós professores não ensinamos a filosofia propriamente. É preciso algo a mais do que transferir o conhecimento filosófico.

O professor filosofa ao vivo na sala de aula.

Os estudantes vendo o exemplo, tenderão a fazer o mesmo. Ao filosofar a história da filosofia, os aprendizes tenderão a ter a mesma atitude. Claro, nem todos. Mas será que ensinamos na escola para que todos se tornem filósofos? Claro que não! O professor está ali para fazer com que os estudantes experimentem a atitude filosófica. Se conseguir que os estudantes tenham esta experiencia, já terá feito sua parte.

Nem sempre o professor de Filosofia é entendido no filosofar em sala de aula.

Ora, até Sócrates não foi entendido no seu tempo. Ainda bem que o professor não será condenado à morte como foi Sócrates. No máximo enfrentará um(a) coordenador(a) a questioná-lo. Ou ainda enfrentará alguns pais que não entenderão o processo do filosofar.

Mas, tudo bem, faz parte.

Para desapegar-se das obviedades do dia a dia, o filósofo em sala de aula tem suas ferramentas. Assim como o escultor, o pintor, o inventor e o escritor têm. Quais são? São cinco. Todas bem complexas. São duas perguntas ativas e três ações.

1)         O que é? (Conceituação)

2)         Por que é? (As razões, argumentos. Contextualizado na lógica)

3)         Socializar. (compartilhar o aprendizado na cooperação)

4)         Testar. (Junto com a comunidade aprendente, aplicar aos contextos sociais, políticos, econômicos e científicos. Aplica-se à realidade)

5)         O que se manteve válido até aqui, é base para novo desvelamento (alethéia).

Tu estás pensando que é muito complexo para os adolescentes? Concordo. Entretanto, ver o professor utilizando-se destas ferramentas, é fundamental para incentivar os estudantes. Eles vão utilizar estas ferramentas também. Alguns de forma simplória. Outros serão hábeis. Não importa. O que realmente é importante é que eles se admirem com tais ferramentas. Que eles percebam que é possível utilizá-las. Serão mais livres, pois após conhecê-las, poderão escolher continuar usando-as ou não.

Pior é aquele(a) que nunca terá a oportunidade de usar tais ferramentas!

Imaginemos nossos jovens tão pouco afeitos a leitura. Imaginemos quão inexperientes na arte da argumentação e da justificação racional. Não só os jovens, mas muitos adultos também. Pois bem, agora imaginemos novamente: nas salas de aulas (cooperativas aprendentes) todos eles se esforçando para se espantarem e desvelarem o mundo. E mais, testando suas capacidades argumentativas. Imaginemos estes aprendizes lendo alguns livros para melhorar sua postura intelectual frente ao mundo.

Então, ser professor de filosofia na escola é crer no imaginado neste último parágrafo. Não só crer, mas enfrentar a realidade diária dos estudantes. Realidade tão desfavorável à reflexão.

Que venha o(a) professor(a) filosofar em sala de aula! Sem a filosofia ficaremos dentro de nós, ilhados num mar de informações. Presos dentro de nós. Tão presos que acreditamos na mídia contemporânea que diz que não precisamos de ninguém, que nossa opinião vale mais que a opinião dos outros. Aos ilhados só resta a solidão de viver consigo mesmos, acreditando que estão em boa companhia!

domingo, 7 de setembro de 2025

Entre ilogidades, melancias e bandeiras americanas no dia sete de setembro.

 


Após assistir as imagens das manifestações nada patrióticas do sete de setembro, chocado, resolvi imediatamente escrever este texto. Vamos por partes para entender o meu assombro.

O fascismo nunca foi amante da lógica e da coerência em seus discursos. Por leituras acadêmicas e psicologicamente neutras, de maneira tranquila entendi o porquê da necessidade da ilógica fascista. Ora, para manter o líder e convencer os liderados, vale tudo. A ilógica discursiva oscila entre o amoralismo dos indiferentes e a imoralidade dos ativistas fascistas. O fascista ilógico pode pregar a justiça do povo massacrando a população. Tranquilamente pode falar de justiça em tribunais viciados. Entretanto, a estética fascista é (ou era!) bem coerente: sempre arrogante, masculina/homofóbica, empoderada e violenta. Entretanto o fascismo brasileiro rompeu totalmente com qualquer coerência, seja nas falas, seja na aparência. Vou explicar.

O fascismo pátrio arroga para si o exclusivo e verdadeiro amor à pátria. Diz amar nosso país e seus símbolos. O pátrio extremista se veste de verde e amarelo e afirma: nossa bandeira jamais será vermelha. Não são, de maneira nenhuma, melancias (verdes por fora, vermelhas por dentro). As melancias são o perfeito exemplo dos vermelhos comunistas, que se vestem de patriotas, mas que traem a nação em surdina. Os comunistas são traidores covardes da pátria!

Segundo os extremistas nacionais, o amor fascista patriótico não é explicável. Sente-se e pronto. É como quando alguém ama outro alguém de forma repentina. Cai-se enamorado! Não há explicação. Por isso, não há que procurar explicações científicas para o amor patriótico. A ciência macula este amor quando expõe este sentimento ao microscópio da sociologia. O patriótico extremista não se explica, ele é e pronto. O genuíno fascista odeia livros e a ciência. Afinal, estão inexplicavelmente enamorados da pátria!

Mas até para o extremista brasileiro há um limite para sua ilógica mental! No dia sete de setembro, entre nossos fascistas, a bandeira verde e amarela oscilava graciosamente em forte abraço com a bandeira vermelha: a americana! A postura visual máscula do fascista nacional estava no auge! Majestosamente admirava seu novo amante! O vermelho trumpista! Como disse o ex-líder nacional mega hétero: “I love you Trump!” Exaltados, os amantes das loucuras do líder americano, saudavam a bandeira vermelha. Mas não só isso, gozavam a expectativa de que seu amor estrangeiro logo massacre economicamente o Brasil. Na verdade, gostariam mesmo de uma invasão estadunidense! 

Aqui está a ilógica fatal!

Agora, caberá aos fascistas nacionais arranjar uma explicação (i)lógica para tal amor pelo inimigo econômico do nosso país! Haja argumentos insanos! Haja imaginação execrável para ajustar sua conduta traiçoeira ao verdadeiro patriotismo e ao amor à pátria genuíno.

Confesso: repugnou-me! Afinal, não estou apenas estudando em livros sobre as ilógicas fatais dos extremados. Estou vendo diariamente os fatos ocorrendo. Parentes, conhecidos e ex-amigos estão por aí envoltos em verde e amarelo nacionais, mas também vestem orgulhosamente o vermelho estadunidense.

Como explicar a algum incauto viajante alienígena tais contradições? Melhor nem explicar e manda-lo embora logo. Afinal, os fascistas poderiam ama-lo, traírem a Terra e acabariam por ostentarem a bandeira de seu planeta para poderem desfilar com ela.

 

O professor e o saber da História nas redes sociais.

 

A História como fatos vívidos num tempo que já passou, já não existe mais. Há vestígios, documentos, depoimentos e fragmentos. De certa forma, vivemos presos no presente pesquisando o passado para poder planejar o futuro. Portanto, somos eternos observadores ativos do passado. Na contemporaneidade, interpõe-se entre os fatos mais uma camada que pode impedir a visão clara do que foi e do que é. As redes sociais podem “nublar” nossa visão. Entretanto, também podem ser utilizadas a nosso favor quando nos conectam trazendo novas informações, tendo o potencial de irmanar internautas em busca da clareza e do conhecimento. Há quem utilize as redes sociais para criar “neblina” e confundir horizontes. Mas também há pesquisadores, jornalistas e até cidadãos comuns que fazem de tudo para bem utilizar esta tecnologia, ou seja, para melhorar as vivências cognitivas das pessoas. Cabe ao profissional da História, utilizar esta fantástica tecnologia, dominando-a e pondo este saber a favor dos estudantes. Caso o professor não entre neste campo de batalha virtual, deixará seus pupilos sozinhos, numa batalha desigual no mundo virtual.

Os humanos produzem história inexoravelmente, só por existirem. Mas, o historiador se esforça tecnicamente para organizar os fatos, dar sentido a eles, fazer com que todos tenham acesso a este fazer humano diuturno e de produção inexorável. O historiador conectando-se, simplificando seus saberes e compreensões para ser entendido, aliado às redes, estará ajudando a sociedade. Ajudando a sociedade a compreender seus contextos e a compreender-se como enredada num mundo complexo, historicamente não linear.

O trabalho do historiador não pode mais resumir-se ao âmbito das salas de aulas ou dos espaços acadêmicos físicos. Afinal, se de um lado precisamos ampliar as oportunidades de trabalho para este profissional, por outro lado, as universidades e os locais típicos para o estudo, já não comportam o tamanho e a complexidade da sociedade. Portanto, as redes sociais de acesso amplo, como projeto de futuro, poderiam ser uma gigante sala de aula. Um enorme lugar virtual para pensar os contextos históricos que nos impelem a agir como agimos. As redes fatualmente já existem com seu bem e com o seu mal. Dominá-las e fazer com que ajam a favor da sociedade é mais um desafio. Também é um desafio acadêmico.

Tenho um canal no YouTube (@prof.amilcarbernardi). Esta experiência me fez perceber as vantagens das redes. A linguagem é mais ágil, é crítica, ajuda a (re)interpetar os eventos. Mais que livros e simples leitura, quem apresenta o conteúdo, apresenta-se também, ou seja, mostra empolgação, humaniza o saber, engaja, energiza quem o assiste. Impõe movimento à reflexão, interliga os fatos e os torna mais inteligíveis, mesmo a quem não esteja por ofício interessado.

Por outro lado, há perigos. A vida virtual é espelho da vida real, física, humana, sensorial. Ou seja: se há embustes na vida diária, haverá na vida virtual. Podemos ser vítimas ou vitimar alguém. Afinal, podemos informar algo equivocamente sendo vítimas de nós mesmos, envaidecidos com nossos saberes. Há as pessoas de má fé, buscando sensacionalismo, vivendo disso. Também há bandidos pelos caminhos virtuais, assaltando os caminheiros “internéticos” com notícias falsas em proveito próprio. O professor de história, ou todos os profissionais que querem divulgar o saber, devem primeiro acautelarem-se e, posteriormente, ensinar os estudantes a acautelarem-se.

É preciso cuidar dos iniciantes. Eles podem se perder ou cair em armadilhas. No mundo virtual há tanta informação que é possível não saber mais distinguir a falsa da cientificamente testada. Relembrando: em todos os caminhos há bandoleiros violentos em busca de vítimas descuidadas.

As redes sociais tem também a característica de questionar, pela sua simples existência, os conceitos de “verdade”, mas, principalmente, o conceito de ensinar e de aprender.

As plurilinguagem das redes, as contradições inevitáveis dos pensamentos, a energia on-line dos profissionais conectados (um testemunho do que acreditam) são elementos fundamentais para uma visão crítica e renovada do ensinar/aprender/ socializar o conhecimento da História. Brigar com as tecnologias e com o desapreço pela leitura dos jovens, não “fazem” História; mas usar a tecnologia a nosso favor fará toda a diferença.

 

 

Diálogo segundo Paulo Freire. Bem-vindo!