sábado, 9 de setembro de 2023

Se meu corpo fosse uma casa? Confesso.

 

          

 E se meu corpo fosse uma casa?

Eu moraria dentro, confortavelmente. Afinal, já estou acostumado com o ambiente.

Teria contato com o exterior através das janelas. Elas seriam meus olhos e ouvidos. De olhos/janelas abertos, tudo veria e ouviria. Do contrário, nenhum contato com o exterior. Talvez, mesmo com as pálpebras /venezianas fechadas, algumas sensações de fora viriam pelas paredes da minha pele.

Dentro de mim, na minha casa/corpo, seria tudo bem simples, mas pouco organizado.

Meu interior teria poucos quartos e muitas gavetas. Cheias de coisas guardadas desorganizadamente. Como se fossem documentos especiais, mas sem ordem alfabética, nem com datas definidas. Quanto ao grau de importância? Todos de mesmo valor. Todos os itens especialíssimos de igual preciosidade. Raros, irrepetíveis: únicos. Não identificados, como organizá-los se são de igual importância e preciosidade? Impossível!

Vários itens estariam temporariamente perdidos. Não esquecidos. Pois, se tudo não é identificado, perde-se facilmente. Apesar da sua inolvidável importância.

Receberia poucas visitas. Meu interior não seria muito confortável. Não teria poltronas largas para visitantes. Não teria a riqueza que outros interiores tem por aí. Mas tenho certeza que seria uma visita interessante. Como uma visita a uma biblioteca. Evidentemente que uma biblioteca só é interessante para alguns. Admito. Meu interior seria interessante somente para alguns. Para os amantes de bibliotecas. Lembrem que meus itens interiores não teriam organização: seria uma biblioteca bem maluca e interessante... eu acredito.

E se meu corpo fosse uma casa...

Teria nas paredes muitos quadros com fotos. Das pessoas que admiro. Muitas admiro pelas obras que li, escritas por elas.

As pessoas que amei, continuo a admirá-las. Também estariam lá, penduradas nas minhas paredes internas. Sem ordenamento. Todas têm igual valor. Meu amor adolescente pode estar ao lado da foto do Paulo Freire. Platão ao lado da foto da minha amada e bela professora de química do Ensino Médio. Tudo igual. Afinal, a casa é minha, os valores são meus.

Dentro de mim faço o que quero.

Raras foram as pessoas que gostaram da minha casa. Geralmente acham que ela tem informações demais. Uma espécie de poluição visual. É tudo misturado. Casa peça é um monte de informações. Sem lugar para sentar confortavelmente.

Acho que nada nesse interior imaginário convidaria à longa permanência.

Orgulho-me de estar sempre aprendendo e vivenciando coisas novas. Então surgem novos quadros nas paredes do meu interior.

A todo momento novos itens importantes são incorporados ao imóvel/corpo.

Para ficar bem à vontade na minha casa inteior, é preciso gostar mais de visitar os itens disponíveis do que gostar do conforto.

Não sou um imóvel confortável, confesso.

Como eu sei das limitações do meu lar interior, já nem convido mais ninguém para me visitar. A solidão interna convida a reflexão. Então, continuo estudando e adquirindo itens novos. Adoro colocar novidades dentro de mim. Como já disse, tudo misturado, sem datas nem ordem de valores.

Nos dias de ventania, abriria bem minhas janelas. O vento viria e trocaria tudo de lugar. Ele desarrumaria as poucas coisas dentro de mim que gostaria de dar uma ordem. E tudo ficaria mais legal assim. Tudo renovado. E se quisesse encontrar algo em mim, precisaria revirar tudo de novo. E tudo em mim é novo quando é revirado. É lindo revirar, rever, repensar, redizer, refazer. Ser crítico é isso, é “re”, “re” e “re”.  “Re” significa experienciar o novo no já vivido.  Só assim dá para fazer coisas diferentes. Dá para entender?

Se meu corpo fosse uma casa.

Pouca gente ficaria por muito tempo. Tudo é muito confuso. Mas para quem gostasse, seria um bom lugar para se morar. Seria um lugar humilde e interessante.  Não interessantes para todos. Para poucos. Para aqueles que gostam da desordem, de um lugar onde tudo se move e sempre há itens novos.

Se meu corpo fosse uma casa... com certeza não haveria mais ninguém além de mim. Confesso.

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