Recebi pela manhã de um amigo virtual, num contexto de provocação intelectual, um artigo que retrata a fala de um comediante famoso. Este comediante não aceita as limitações do politicamente correto. O artigo refere-se ao comediante inglês Rowan Sebastian Atkinson (ou o Mr. Bean da tão conhecida série cômica).
Observemos o título da referida entrevista: Mr. Bean detona o politicamente correto: 'Toda piada tem uma vítima'. Segundo a entrevista publicada em 21/06/2022 pelo site UOL, assinada por Luciano Guaraldo, o comediante se insurge contra o politicamente correto. Como diz o título, ele acredita que sempre haverá uma vítima na arena da comédia, alguém será ridcularizado. No restante do texto, o piadista esclarece que tanto faz se a vítima é membro da realeza britânica ou uma pessoa humilde. Quanto mais uma sociedade permite a piada, tanto mais esta sociedade é livre, insinua o artigo. Este é o pensamento do Rowan (Mr Bean).
E porque recebi provocativamente esta reportagem do ano passado? A pessoa que enviou queria comprovar que não era só ela que defendia a ilegalidade/imoralidade da justiça (Tribunal de Justiça de São Paulo), quando retirou do You Tube o “show” do Léo Lins.
Ora, nem precisava enviar o artigo para confirmar que muitas pessoas pensam como o meu “amigo”!
Qual a justificativa para o banimento do “show”? Coisa pouca. Apenas a pessoa fazia “piadas” sobre a escravidão, idosos, minorias, autistas, crianças com hidrocefalia e demais pessoas deficientes.
O cidadão Léo sentindo-se vitimado, recorre aos tribunais afirmando haver censura. Provavelmente, não quererá que os julgadores façam piada disso. Afinal, julgar e rir não combina. Salvo se o julgador for um comediante e a vítima não puder se defender imediatamente, claro.
Apesar dos parágrafos anteriores, não quero criticar diretamente o Mr. Bean ou o Senhor Léo. Claro que eles são o pano de fundo do que escrevo. O que pretendo mesmo é refletir sobre a piada violenta/discriminatória. Para isso vou usar a conceituação do humorista inglês. Vou usá-la somente porque ele teve a coragem de dizer claramente o que entende por piada. Ao falar sobre conceito dela, ele usa expressões duras como vítimar, ofender e ridicularizar. Defende que estes elementos são essenciais para fazer a “graça”. Para não deixar dúvidas sobre a sua “democrática” visão, defende vitimar, ofender e ridicularizar não só a nobreza, mas até os mais humildes. Simples assim.
Já o comediante brasileiro não teve tal coragem, e apenas pediu liberdade de expressão.
Posso concluir, portanto, que para ambos os piadistas, podem ser vítimas tranquilamente os que sofrem limitações, os frágeis, os humildes, os escravizados e os maltrapilhos. Afinal, a piada escolhe qualquer pessoa! A piada é “cega”, não vê suas vítimas!
Claro, nesta visão “democrática”, também podem ser ridicularizados os ricos e os poderosos. Como se as consequências fossem as mesmas quando as vítimas são os hipossuficientes e os poderosos! Mas, quem se importa com isso? Com certeza não aqueles que pagam para assistir estes “shows”.
Não podemos esquecer que escrevo para responder à provocação de quem me enviou a reportagem!
Vamos analizar as palavras corajosas e reveladoras pronunciadas pelo inglês: vítimar e ofender (como parte do ato de fazer piada). Será que ele estava consciente do que disse? Eu creio que sim. Vamos entendê-las.
Vitimar se refere a causar dano a um sujeito passivo. É uma ação destrutiva, onde quem a sofre não consegue reagir a ponto de evitar totalmente a dor da violência. Acrescente-se que, no caso da piada, o sujeito passivo é ainda inocente! Nada fez contra seu algoz.
Seguindo o palavreado do nobre comediante estrangeiro: ofender. Parece que ele quis dizer que a piada precisa causar algum tipo de dano, agredir de alguma forma a vítima. Então, a piada seria uma forma de ferir o agredido sem responsabilização do agressor.
Concluo que, segundo esta definição de piada, ela seria uma ação covarde.
Ainda bem que o brasileiro não disse tudo isso. Apenas acredita sem expressar verbalmente. Apesar deste silêncio, percebo a concordância conceitual entre ambos os piadistas, pois o brasileiro aje em consonância com o conceito do seu colega inglês. Penso, portanto, que é possível compará-los/igualá-los ideologicamente.
Observemos o que diz a defesa do Léo. Qualquer limite à piada é uma censura. É preciso, urge portanto, liberar totalmente as falas engraçadas. Uma espécie de Habeas Corpus preventivo. Um luxo!
Eu decodifico esta defesa desta forma: liberar significa proteger o piadista e garantir a total exposição da pessoa que será agredida em praça pública.
Gostaria que a pessoa que enviou a reportagem para mim, após ler seriamente este escrito, tivesse a coragem do inglês e dissesse: Eu quero poder agredir e vitimar qualquer pessoa sem ser agredido ou vitimado. Eu quero, enquanto piadista, ficar acima da lei e das pessoas que vou agredir. Isso sim é que é liberdade!
Fico no aguardo da coragem.
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