terça-feira, 24 de junho de 2014

Lei das 12 tábuas

Prof. Amilcar Bernardi



A lei das doze tábuas é o início de toda uma evolução no direito romano.  Pela primeira vez surgia uma lei escrita, feita por homens, clara e uniforme. É evidente sua laicidade, generalidade e impessoalidade. Nelas havia a especial preocupação em proteger a propriedade privada e a agrícola, bem como zelar pela integridade física (e moral) dos cidadãos e da ordem da cidade. Tais preocupações estão presentes em nosso ordenamento jurídico.  Nossas leis republicanas ainda guardam esse fundamento clássico. Apesar do infanticídio permitido e das penas cruéis, há uma tentativa de obter-se a equidade entre os livres (lembrando que os escravos estavam alijados da justiça, eram coisas). No que tange ainda ao direito penal e sua rudeza, convém lembrar que os tempos também eram rudes.
Quanto a brutalidade das penas das doze tábuas, é provável que gerações futuras critiquem as penalidades atuais impostas aos transgressores da lei, ainda mais quando tiverem acesso às informações de como são nossos presídios e de como tratamos nossos apenados. Portanto, resguardadas as proporções históricas que nos separam, a lei das doze tábuas (suas preocupações) e sua rudeza ainda estão presentes no ordenamento jurídico atual.
A Constituição Federal de 1988 protege a propriedade. A magna carta reconhece às pessoas o direito de serem proprietárias de algo. Evidentemente a propriedade de algo não vedada em lei. A plenitude de gozo da posse, atualmente é abrandada quando é estipulada a função social dela. Isso quer dizer que ao dono não é dada a posse absoluta e sim que há uma relação com terceiros. O grupo social não poderá ser prejudicado em nome da propriedade. O Estado, inclusive, poderá intervir na propriedade privada e nas atividades econômicas para propiciar o bem estar coletivo, desde que obedeça aos limites constitucionais que amparam o interesse público e garantem os direitos individuais. O direito sempre se preocupou com a propriedade. Provavelmente o surgimento do direito está relacionado com a questão da propriedade. Os romanos também trataram desse assunto na tábua sexta, protegendo e limitando (usucapião) a propriedade. Ela não tinha uma finalidade social (como na Constituição de 1988), porém o usucapião já era reconhecido, ou seja, a posse continuada da terra poderia gerar sua propriedade. Portanto, zelando pela estabilidade e regulando possíveis conflitos, os romanos clausularam o direito ao usucapião. Em relação ao comércio de bens moveis, a regulamentação era clara. E mais, havendo litígio, já não era permitida a violência na resolução, mas é regulada a intervenção de um terceiro, o pretor. Outro avanço era a instituição de multas ao invés de somente penas corporais. Assim como no nosso atual Código Penal, a preocupação com a relação entre delito e pena já  mostrava-se relevante. Também preocupam-se os romanos clássicos com a segurança jurídica quando no item um das doze tábuas, é reconhecido o império da promessa, que tem força de lei. O tempo do direito, sua ligação com o futuro, é garantido.
A atual Constituição Federal adotou como princípio a igualdade de direitos, ou seja, que todo o cidadão tem direito a tratamento idêntico pela lei. As diferenças feitas de modo arbitrário estão expressamente vedadas e se houver alguma diferenciação, que seja para tornar a aplicação da lei mais justa. Os constituintes de 1988 queriam que os cidadãos gozassem de tratamento isonômico pela lei. Levando em consideração o contexto histórico da lei das 12 tábuas, inclusive existindo num ambiente de escravidão e guerras, cumpre salientar que o princípio citado em nossa constituição, estava já se apresentando no ambiente da Roma antiga. Vê-se na tábua nona o imperativo que impede privilégios previstos em lei. Ainda mais, é defeso fazer lei contra indivíduos. Hodiernamente, nossa lei máxima impõe o princípio da impessoalidade, expresso no artigo 5º, no seu caput.
O código civil brasileiro, sob a égide da Constituição Federal rege, entre outras coisas, a posse de bens. Para tanto, faz distinções entre boa e má fé, regula o tempo de uso do bem e suas consequências, as vontades nas trocas, enfim, pretende a organização harmônica das posses e o exercício justo da propriedade.  A esses temas, não foram omissas as doze tábuas.  Essas questões eram cuidadas com muita rigidez e, para os moldes do século XXI, as inobservâncias eram punidas com crueldade. Diferentemente da contemporaneidade, os castigos corporais eram previstos e vistos com naturalidade. Impúberes poderiam ser açoitados com varas e alguns crimes contra o patrimônio poderiam ser castigados com a morte. Exemplificando, trazemos a tábua sétima, onde ela legaliza o açoite do impúbere e o lançamento ao fogo de quem incendiar intencionalmente uma casa ou um monte de trigo. Também havia multas e percebe-se a intenção de equalizar a extensão do dano e a punição equivalente. Essa preocupação na dosimetria da pena ainda é assunto recorrente. Tanto quanto no código civil atual, fica patente a intenção dos criadores das doze tábuas, sua intenção de proibir os atos que prejudicassem os proprietários, não só protegendo a propriedade quanto punindo (ainda hoje é assim) quem atente contra a ordem estabelecida nesse sentido.
Desde a “invenção da propriedade privada” e, por consequência, a consolidação de leis que a defendessem, o homem passou a pensar na sua descendência. A mortalidade e a propriedade deveriam, no plano jurídico, ser contempladas. Portanto, a questão da herança é inseparável da defesa e manutenção jurídica da propriedade. No Brasil o direito a herança é considerado um direito fundamental, sacramentado no artigo 5º da magna carta. Evidentemente que não só nela, mas no Código Civil e no código de processo civil. Portanto, disciplinar a herança sempre foi de suma importância. São postas questões como quem são os herdeiros e sua legitimidade, ou qual a sucessão desses herdeiros no direito a usufruir da herança. O direito hereditário é muito complexo e fartamente ordenado nos documentos legais já citados. Evidentemente que os romanos clássicos também tiveram que superar esse problema e organizá-lo. A tábua quinta trata disso. Ela regimentava com tanta preocupação quanto é hoje, as disposições testamentárias do genitor (hoje, dos genitores) sobre seus bens ou sobre a tutela de seus filhos. Evidentemente há filtros legais hodiernos que modificam a normatização dessa tábua; mas em essência, mantêm-se o direito do possuidor de bens destinar sua herança (mesmo que de forma limitada). Inclusive o legislador romano atentou que os descendentes herdassem as dívidas também. Demonstrando perspicácia, esses legisladores previram até que se alguém for “louco ou pródigo” que não tenha livre acesso aos bens herdados.

Fica claro que as legislações ocidentais foram fortemente influenciadas pela história do direito romano. Mesmo que essa conclusão nada tenha de novidade, serve mais para aclarar essa influência, ficando mais nítidas as raízes históricas dos nossos ordenamentos jurídicos contemporâneos.

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