JEAN JACQUES ROUSSEAU
Prof. Amilcar Campos Bernardi
Rousseau nasceu em Genebra, a 28 de junho de 1712,
morre em 02 de julho de 1778. É nascido em Genebra, mas na França é que produz
suas grandes obras. Tem em seus escritos
um tema dominante: a relação entre a natureza e a sociedade, a moral fundada na
liberdade, primazia dos sentimentos sobre a razão, a teoria da bondade natural
do homem e a doutrina do contrato social. Foi um dos pensadores que mais se
aproximou dos anseios populares, pois defendia a soberania do povo. Espantoso para
a época foi Rousseau criticar o individualismo burguês antes da burguesia se
consolidasse no poder. Influenciou e foi influenciado pelo iluminismo. A
Revolução Francesa teve influência dos escritos de Rousseau.
Rousseau defende os valores oriundos da vida natural.
O estado de natureza é a garantia de dois princípios inalienáveis: a
liberdade e a igualdade; princípios esses violados com a formação da sociedade
civil e a instituição da propriedade. Tal violação é descrita por
Rousseau em seu Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade
entre os homens, de 1754. Ele vai
dizer que a sociedade civilizada é vil, corrupta e avara. Não critica toda a sociedade, mas aquela que
acorrenta o homem. Acredita que a liberdade que o selvagem desfrutava (em seu
estado de natureza) era o oposto dos liames sociais que hoje nos une (uma
sociedade artificial). Os homens renunciaram a seu estado de natureza através
de um pacto social. O pacto faz com que todos se submetam a uma vontade geral;
cada pessoa deve obediência apenas ao Estado. Essa obediência só é livre
enquanto o Estado representar a vontade geral. Somente o povo é fonte da
legitimidade do Estado. Ninguém está
submetido à vontade individual, o cidadão vai obedecer somente às leis que, por
sua vez, representam a vontade geral. A vontade geral não é a soma das vontades
particulares. “Se, quando o povo suficientemente informado delibera, não
tivessem os cidadãos nenhuma comunicação entre si, do grande número de pequenas
diferenças resultaria sempre a vontade geral e a deliberação seria sempre boa”.
Caso as pessoas se agrupassem em associações, haveria o risco de uma associação
crescer tanto que sua vontade dominaria, tornando-se então uma vontade
particular.
A civilização é vista por Rousseau como a responsável
pela degradação das exigências morais da natureza humana. Essa moral humana é
substituída por uma cultura intelectual. Em seu estado de natureza o homem tem
tudo. Tudo o que quer é a satisfação das suas necessidades básicas: alimento,
algum conforto contra as intempéries e sexo. As paixões que o move são o
querer, o desejar e o temer. A ignorância dos vícios e a tranqüilidade de seu
coração são condições favoráveis para o surgimento da virtude. Já a uniformidade
artificial de comportamento, imposta pela sociedade às pessoas, leva-os a
ignorar os deveres humanos e as necessidades naturais. Assim como a polidez e
as demais regras da etiqueta podem esconder o mais vil e impiedoso egoísmo, as
ciências e as artes, com todo o seu brilho exterior, freqüentemente seriam
somente máscaras da vaidade e do orgulho. É a civilização que provoca a
desigualdade entre aos homens, portanto, a desigualdade não é algo natural. A
vida do homem primitivo seria feliz porque ele sabe viver de acordo com suas
necessidades inatas. As necessidades impostas pelo sentimento de
autopreservação – que impele o selvagem a ações agressivas – são
contrabalançadas pelo inato sentimento de piedade que o impede de fazer mal aos
outros desnecessariamente. Evidente que Rousseau não quer o retorno do homem a
sua vida nas florestas. O autor quer salientar apenas a sensibilidade perdida
com o avanço da artificialidade da civilização. São os excessos civilizatórios que são
denunciados.
Assim como Hobbes e Locke, Rousseau procura resolver
a questão da legitimidade do poder fundado no contrato social. No entanto, sua
posição é, num aspecto, inovadora, na medida em que distingue os conceitos de
soberano e governo, atribuindo ao povo a soberania inalienável. Ele cria a
hipótese dos homens em estado de natureza, vivendo sadios, bons e felizes
enquanto cuidam de sua apropria sobrevivência. Isso até o momento em que é
criada a propriedade e uns passam a trabalhar para os outros, gerando
escravidão e miséria. O bom selvagem é feliz até o momento em que é introduzida
a desigualdade entre os homens, a diferenciação entre o rico e o pobre, o
poderoso e o fraco, o senhor e o escravo e a predominância da lei do mais
forte.
O homem natural é dotado de livre-arbítrio. A
corrupção começa com o início das sociedades civilizadas. A corrupção começa no momento em que surge a
propriedade privada. Para Rousseau o bem máximo é a liberdade. Todos nascemos
livres. Na medida em que a ela
renunciamos, renunciamos também a nossa humanidade. A liberdade é um
imperativo.
Rousseau sempre pretendeu ressaltar a mais profunda
humanidade do selvagem em relação ao homem civilizado. Mas, embora privado no estado social de
muitas vantagens da natureza, na sociedade o homem adquire outras: capacidade
de desenvolver-se mais rapidamente, ampliação dos horizontes intelectuais,
enobrecimento dos sentimentos e elevação total da alma. Se os abusos do estado
social civilizado não o colocassem abaixo da vida primitiva, o homem deveria
bendizer sem cessar o instante feliz que o arrancou para sempre da animalidade
e fez de um ser estúpido e limitado uma criatura inteligente. O propósito de
Rousseau é combater os abusos e não repudiar os mais altos valores humanos. Os
abusos ocorrem no culto ao refinamento, das mentiras convencionais, da ostentação
da inteligência e da cultura. O filósofo concebe dois tipos de desigualdades: uma natural ou
física, fruto da natureza. Essa
desigualdade pode ser de robustez, saúde ou de qualidades do espírito. A outra
desigualdade – moral ou política – vem pela convenção social e consentida pelos
homens. Como não é possível modificar o que é de natureza, resta denunciar as
desigualdades por convenção. Rousseau
faz essa denúncia no Discurso sobre a desigualdade. O “conserto” das discrepâncias da vida em
sociedade ocorrerão num novo Contrato . Nesse contrato a liberdade deve ser garantida. A obediência
ilegítima é aquela que tem como fundamento a força. Da força não podemos
extrair moralidade, o poder físico por si só é irracional. A liberdade natural está sempre ameaçada
pela força e pela dominação. Por esse motivo a liberdade natural é infensa à
coerção. É necessária uma nova liberdade,
a liberdade civil.
O contrato
social:
Rousseau
imagina a gênese das primeiras comunidades a reunião de pessoas para a
realização de algum trabalho. Talvez alguma tarefa que fosse impossível de ser
feita por um só. Talvez a defesa contra
algum animal. Essa união, tendo sucesso, proporcionou que se repetisse. Até que
formou hábito. O grande problema é que o refino cultural provocou a
desigualdade. Os mais hábeis ou fortes se sobressaíram dos demais. Então se
criou a propriedade, a inveja, o orgulho e a falsidade. Rousseau tinha uma
questão bastante crucial: o contrato deve garantir a segurança e o bem estar
das pessoas mantendo-os livres. Para isso afirma que a soberania política deve
manter-se no conjunto dos membros da comunidade. A vontade particular e
individual diz respeito a interesses particulares. Estes interesses devem
submeter-se ao interesse coletivo materializado no contrato social. O homem natural não tinha a consciência
daquilo que possuía, nem tampouco do que possuía o semelhante. Isso parece
fazer parte da idéia de que tudo era de todos. E, se tudo era de todos, o
egoísmo, a vaidade e a ambição eram sentimentos inexistentes. Mas não é a
propriedade em si o grande problema da civilização. A questão é a ambição em
querer ficar acima dos outros. Assim os homens produzem não mais para suprir
suas necessidades básicas, mas para lucrar à custa dos outros.
Diz Rousseau:
O verdadeiro
fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno,
lembro-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para
acreditá-lo.
O único fundamento possível para a construção e a
manutenção do poder político é o pacto social. Os contratos existentes são um
falso contrato, coloca os homens sobre grilhões. Numa espécie de dever ser, um
ideal, diz que o contrato social para ser legítimo, deve se originar do
consentimento necessariamente unânime.
Cada associado se aliena totalmente, ou seja, abdica sem reserva de toso
os seus direitos em favor da comunidade. Mas, como todos abdicam igualmente, na
verdade cada um nada perde, pois este ato de associação produz, em lugar da
pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e coletivo composto de
tantos membros quantos são os votos da assembléia e que, por esse mesmo ato,
ganha sua unidade, seu eu comum, sua vida e vontade. Ou seja, pelo pacto,
abdicamos de nossa liberdade, mas sendo nós mesmos partes integrantes e ativas
do todo social, ao obedecermos à lei, obedecemos a nós mesmos e, portanto,
continuamos livres. Assim o povo não
perde a soberania, pois não é criado um Estado separado dele mesmo. O Estado é
uma livre associação de pessoas reacionais. São elas que livremente resolvem
criar uma sociedade contratual. Será um contrato que obriga a todos, mas também
mantém a liberdade, pois foi legitimamente criado.
O soberano é para Rousseau o corpo
coletivo e expressa, através da lei, a vontade geral. A soberania é do povo,
manifestada pelo legislativo, e é inalienável. A democracia rousseauísta
considera que toda lei não ratificada pelo povo em pessoa é nula. O povo não
está submetido ao governo. Ao contrário, não há um superior, já que os
depositários do poder não são senhores do povo, mas seus oficiais, podendo ser
eleitos ou destituídos conforme a conveniência. Os magistrados que constituem o governo estão subordinados ao poder
de decisão do soberano e apenas executam as leis, devendo haver inclusive boa
rotatividade na ocupação dos cargos. Encontramos aqui a democracia direta ou
participativa, mantida por assembléias freqüentes de todos os cidadãos. Somente
o povo é fonte legítima da soberania do Estado.
Enquanto soberano, o povo é ativo e considerado
cidadão. Mas há também uma soberania passiva, assumida pelo povo enquanto
súdito. Então o mesmo homem, enquanto faz a lei é um cidadão e, enquanto a ela
obedece e se submete, é um súdito.
Importante lembrar que Rousseau trata a democracia de
maneira diferente dos demais contratualistas. Ele exige a participação
direta do povo no ato legislativo. A
forte crítica ao Estado representativo permite uma interpretação de Rousseau
como um crítico do liberalismo, teoria emergente em sua época. A crítica
refere-se ao Estado liberal, como uma instituição que surgiu para converter em
direito o que os burgueses já possuíam enquanto força, através da instituição
da propriedade privada.
A vontade
geral:
Rousseau imagina os homens originariamente isolados
em um estado de natureza. Daí surge historicamente o Estado como escravidão,
depois o despertar-se e o chocar-se dos egoísmos particulares. Este Estado
tirânico deverá ser substituído pelo Estado como liberdade, isto é, como
expressão da vontade geral, dos interesses comuns, humanos, universais. A fundamentação do Estado rousseauniano é a
vontade geral, que surge do conflito entre as vontades particulares dos
cidadãos. A tendência humana em defender os interesses privados acima da
vontade coletiva, faz com que a assembléia, enquanto um processo de decisão,
seja o espaço da destruição das vontades particulares em proveito do interesse
comum. A vontade geral é diversa da vontade de todos, como valor qualitativo é
diferente do valor quantitativo, como o povo é diverso da multidão. A soberania
política não compete ao soberano, mas a vontade geral, ao povo. O governante
não é o soberano, mas o representante da soberania popular. O soberano é o
povo, entendido como vontade geral. Ela é uma força superior ao indivíduo. É
uma obediência ao bem comum, portanto, é uma obediência livre, pois o individuo
está abrangido pela vontade coletiva. Assim o individuo passa a pertencer a um
corpo moral em obediência a uma lei que foi criada por ele mesmo. Assim agindo
os homens se guardam dos vícios e o leva em direção a virtude, a bondade
genuína que só existe na vontade geral. É papel da educação ensinar desde
criança a vontade geral aos cidadãos.
Para que a vontade geral seja genuína, no pacto
social, cada um dos indivíduos se entrega totalmente à comunidade. Como todos
se entregam, cada um nada perde. Nas palavras de Rousseau: cada um dando-se a
todos não se dá a ninguém. O individuo deu tudo que tinha, mas recebeu tudo o
que os outros tinham. E assim que recebeu, devolveu. O que de fato ganhou foi a
força de pertencer a um corpo político coeso e livre. A vida e a força desse
corpo são a união de seus membros. Por conseqüência, as leis seguidas pelo povo
são reflexo dessa vontade geral. E essa vontade que dá legitimidade a lei.
Assim será garantida o respeito ao interesse público. Uma vez estabelecida a vontade geral, está estabelecido o
verdadeiro Direito. A lei é o
povo que faz, ao mesmo tempo em que o próprio povo lhe é submetido. O Direito deve ter como meta a
utilidade pública e o bem-estar dos cidadãos. Isso difere da simples
democracia, onde a lei vem da vontade da maioria.
Ensina o Filósofo no Contrato Social, livro II, cap.
7:
Aquele que ousa
empreender a instituição de um povo deve se sentir com capacidade para, por
assim dizer, mudar a natureza humana, transformar cada indivíduo, que por si
mesmo é um todo completo e solitário, em parte de um todo maior, do qual de
certo modo deste individuo recebe sua vida e seu ser; alterar a constituição do
homem para fortificá-la; substituir a existência física e independente, que
todos nós recebemos da natureza, por uma existência participativa e moral. Em
uma palavra, é preciso que se destitua o homem de suas próprias forças para lhe
dar outras, não próprias, das quais não possa fazer uso sem socorro alheio.
A vontade
geral pode ser representada?
A vontade não pode ser representada. Não é possível a
representação da vontade de um cidadão para o outro. A vontade só será geral se
tiver a participação de todos os cidadãos.
A soberania só existe se for de todo um povo. Essa vontade declarada é
um ato de soberania e faz lei. O poder
ser transmitido, porém, não a vontade. Nas palavras de Rousseu alienar
significa dar ou vender. Nenhuma pessoa se dá ou se entrega gratuitamente. Só um louco faria isso e loucura não constitui
direito: Renunciar à liberdade é
renunciar à qualidade de homem.
O corpo político sé é sólido quando baseia-se na
vontade geral. Então, todos os cidadãos do Estado devem estar presentes nas
deliberações. Aqui Rousseau afirma algo semelhante a polis grega. A ausência nas deliberações enfraqueceria o
caráter da vontade geral. Segundo o filósofo o corpo político é composto de
tantos membros como a assembléia de votantes, o qual recebe deste mesmo ato sua
unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. Aqui todos precisam participar
sob o princípio da igualdade. Isso é importante porque o interesse de um
representante sempre é privado e não poderá expressar o que os outros têm a
dizer. Quando as questões públicas deixam de ser as principais preocupações dos
cidadãos, os interesses particulares se sobressaem arruinando o Estado.
Bibliografia:
Chalita,
Gabriel. Vivendo a Filosofia.São Paulo,
editora Atual.2004.
Marcondes,
Danilo. Iniciação à história da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro, editora Jorge Zahar. 2004.
Padovani,
Humberto. História da Filosofia São Paulo, editora Melhoramentos. 1967.
Rousseau,
Jean-Jaques. Do contrato social e Ensaio Sobre a Origem das Línguas. Coleção Os
pensadores, Volume 1. Editora Nova cultural, 1997.
Imagem: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMfe_rLE7k7sBMqPOw5OhyphenhyphenmTHb1kt-BWcLI0NNC8k0EZW7kBB1MZLpzubF_R4ovhRO-T9AoUDL1riSDPRN6jW7CTIZuiLfHC89V3BLQWq-GlLHZT2g0QLb5oDxO_d6qhcWbCYRw2McvBM/s1600/ROUSSEAU+(1).jpg (em 02/05/2014)
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