Achei que conhecia aquela floresta. Muitas vezes por ela andei e
acreditava conhecê-la. Coisa de gente jovem e inexperiente, confesso. Porém, ficou
a lição: nunca subestime os perigos da floresta. Sempre há surpresas e de cada
canto algum animal pode saltar e ferir.
Naquela floresta de palavras, as árvores de sílabas eram altas, quase
tapavam o sol. Era difícil guiar-se. Então eu me perdi. Cachoeiras verbais, enormes, saciaram minha
sede, mas o perigo de cair nelas, ser tragado e morrer sem saber nadar, era
enorme. Resolvi, para sair daquela selva
perigosa, seguir as águas do rio. Pareceu-me mais fácil. Mera ilusão! Concordâncias verbais nadavam perigosamente
naquelas águas. Mesmo eu ficando nas margens, elas olhavam-me a espera da queda
fatal. Era aterrador. Uivos das concordâncias nominais surgiam da selva densa.
Fiquei terrificado. Se caísse nas águas sem saber nadar, seria devorado ou
afogado. Se optasse por ficar às margens, poderia ser atacado a qualquer
segundo, pois não conhecia bem essas concordâncias verbais. Como seriam?
Talvez, pelo medo que sentia, fossem criaturas enormes a espera do meu erro.
Fatalmente eu iria morrer nos dentes delas.
Já era tarde. Ia anoitecer. Então pensei em fazer uma fogueira para assustar
as feras. Percebi que iria ficar a noite na floresta das palavras. Acalmei-me.
Respirei fundo. Era só fazer fogo. As feras e insetos fogem do fogo. Juntei galhos de dicionários já mortos pelo
tempo ou derrubados por tempestades gramaticais. Os ventos sempre derrubam das árvores
dicionários, galhos que são úteis aos perdidos. Juntei vários deles e fiz uma
estrutura para por fogo. Após as
chamas, fiquei mais aquecido. As trevas da noite estavam rapidamente tomando a
floresta. O medo era terrível. Eu ouvia
as acentuações gráficas rastejarem pelo mato. Se fossem venenosos eu estava
perdido! Era uma picada só e eu morreria sem ajuda. Tremi ao lembrar-me que nas
selvas não existem gramáticos para salvar os incautos perdidos! Era meu fim,
com certeza.
Ditongos voavam e picavam minha pele. Os hiatos eram os piores, pois
eram maiores. Qual repelente seria forte o suficiente para afastá-los? Nenhum!
Minha pele ardia, mas eu era jovem e podia suportar. Ao fundo da paisagem negra
da noite, tritongos rugiam. Creio que caçavam a noite, nem sei. Eu sabia que,
quando o dia amanhecesse, alguém viria salvar-me! Muitas pessoas sabiam que eu
adorava perambular pela selva de palavras. Com certeza eu seria salvo!
O frio era muito intenso. Ainda
bem que eu havia juntado alguns morfemas gostosos, eram frutinhas de aparência
horrorosa, mas após agente se acostumar, ficam aceitáveis ao paladar. Não podia
negar que os morfemas são úteis nessa floresta terrível! Vejam bem, é bom ter
cuidado. As desinências são frutinhas que podem provocar dor de barriga, e como
todos sabem, na mata a desidratação pode ser fatal! É preciso conhecer bem a floresta das palavras
para sobreviver. Por isso que a maioria das pessoas não sobrevivem nela.
O sono era tão intenso que amontoei adjetivos para travesseiros.
Pedaços de substantivos cobriam-me. Sem fome e um pouco aquecido, iria
sobreviver ao medo e aos animais perigosos. Com muita sorte os advérbios fatais
e preposições assassinas nem perceberiam que eu estava ali, indefeso. Eu sou um
sujeito de sorte, sempre fui. Já tinha sobrevivido muitas vezes naquela
floresta complexa e perigosa. Eu era forte, iria ficar vivo e contar para os
outros minha experiência!
Acordei ouvindo gritos! Haviam me encontrado! Quanta alegria! Eram
corajosos policiais da guarda sintática! Armados com períodos simples, estavam
seguros contra os terrores da selva. Finalmente estava feliz. Finalmente sairia
bem da minha aventura. Aprendi muito. Quando eu voltar, e sempre voltarei, estarei
mais preparado. Nenhum adjunto adnominal ou complemento verbal fará com que eu desista
da selva.
Ufa! Estou cansado. Mas
aguardem-me! Logo terei mais aventuras para contar.
Imagem: http://florestacomagil.blogspot.com.br/
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