terça-feira, 2 de novembro de 2021

O filósofo molambo

 


 

 

Ser diretor de escola é viver na imprevisibilidade. Um dia nunca é igual ao outro, sempre desafios diferentes. Minha escola é considerada a melhor da região. Escola altamente conservadora. O Ensino Médio é conhecido como aquele que sempre aprova seus alunos nos concursos das universidades mais concorridas. Escola cara e muito procurada. Uma beleza.

 

Mas onde há juventude, toda a surpresa é esperável.

 

Hoje o responsável pela portaria me interfonou avisando: Diretor, os alunos da turma 301 trouxeram um mendigo para a escola. Foram direto para a sala de aula com ele. Não houve como impedir.

 

Eu gelei!

 

Saí como um desesperado para a sala de aula. Minha gravata voa aos ares como uma biruta de aeroporto!

 

O que aprontaram agora? Já espero o pior. A porta está fechada. Abro. Sala vazia. Lembro que o professor de Filosofia costuma levar os alunos para o grande salão para apresentarem seus trabalhos. Logo aquele professor! A criatura é genial, mas há nele uma enorme dificuldade em ser um professor normal. Custa? É só dar as aulas e pronto. Sem surpresas!  A criatura hiperativa está sempre inovando. Na verdade, sempre leva seus alunos a quase cruzarem os limites das regras! Quase, quase... Um dia vai dar problemas! Será hoje?

 

Pensei: Agora sim, chega!  Vou pô-lo na rua! Isso só pode ser coisa da cabeça dele.

 

Entro pela porta dos fundos do salão. Lá fico calado e observando. Novamente a juventude dos alunos e a coragem do professor me surpreendem.

 

Lá está o mendigo, três alunos e o professor no palco. Na plateia as turmas de Ensino Médio e seus professores. Como não me avisaram?

 

O senhor paupérrimo está em pé atrás do púlpito. Ali é um local nobre onde os palestrantes se posicionam em dias especiais.

 

Os alunos do palco, naquele momento, estão apresentando o senhor maltrapilho aos demais. Solenemente falam do currículo do homem. A plateia está atenta. Um silêncio respeitoso!

 

Ao mendigo é oferecido água mineral. Conforme fiquei sabendo depois, água sem gás, a gosto do convidado.

 

Fico perplexo. Sento lá no fundo. Ouço a apresentação do pobre sujeito.

 

O nome do cidadão é Armando Genésio. Mais conhecido por O velho louco da praça ou Tio Diógenes da praça. Seu endereço? O aluno seriamente informa: banco central da praça central. Junto à velha e frondosa árvore de mais de cinquenta anos. O velho louco, melhor dizendo, o Senhor Genésio está sério, mas tranquilo. As roupas velhas, puídas, a barba enorme, mal cuidada e os cabelos desgrenhados tornam o cenário mais incomum do que seria esperado.

 

O segundo aluno, ao lado do nada ilustre convidado, continua a expor o currículo do palestrante. É algo mais ou menos assim: Senhor Armando Genésio, viúvo, sem família, formado, mestrado e doutorado em Filosofia. Desempregado por prazer, morador de rua há cinco anos. É um desconhecido e antigo militante na Filosofia.

 

Estava me recuperando ainda da surpresa quando vi inúmeros alunos aplaudirem. Enigma! Como isso? O conhecem? Todos estão tão confortáveis ali.

 

O terceiro aluno oferece ao convidado miserável outra água mineral. O senhor aceita com galhardia. O professor da turma se aproxima e aperta a mão do homem com um enorme sorriso. Agradece a presença do palestrante. O convidado, polidamente responde: O prazer é meu. Quando precisarem de mim, é só ir à praça e me chamarem. Não estando ocupado com minhas coisas, atendo imediatamente.

 

O microfone é ajustado à pequena altura da pessoa. Ele toma um gole daquela água e começa a falar. Já foi avisando: Podem me interromper e fazerem perguntas, assim como vocês sempre fazem lá na praça.


Como assim? Já se conhecem? Ai meu Deus! – Internamente eu estou gritando!

 

Genésio esclarece quem é aos que não o conhecem. Conta que já teve família. Morreram em um acidente. Só ele sobreviveu. Na mesma época foi demitido. Enlouqueceu. Sofreu. Desistiu. Desistiu de que? Da hierarquia. Do trabalho. Do tempo em minutos. Do ter. Optou pelo ser. Vive de que? Esmolas e doações em geral. Ganha muitos livros. De quem? Dos alunos da escola e de alguns professores.  Lê Filosofia claro, mas também história, geografia, sociologia, matemática e física. Tem muito tempo: o tempo maravilhoso do ócio. Fez e faz amigos. De professores a alunos. Do vendedor de livros usados, que empresta livros, ao Padre que fornece uma boa sopa quente. Junto com a sopa, vem a discussão sobre teologia e socialismo. O Padre é gente boa! – Conclui o filósofo indigente.

 

Após a breve preleção, o professor de Filosofia da escola pede ao palestrante que conte da sua relação com os alunos dos terceiros anos. O convidado pobríssimo sorri e conta mais coisas. Relata que ele fica junto à árvore da praça e os alunos o cercam. Então fala do cinismo, do estoicismo, do epicurismo, de política e da ideia do ócio na Grécia clássica.  Não raro faz alguns trabalhos escolares junto com os alunos. Riu e acrescentou: Faço junto com os alunos e não no lugar deles! Todos riem.

 

Novamente o professor de Filosofia intervém e pede ao senhor Genésio que conte como são estas conversas, lembrando que ele foi chamado justamente por que o tema da aula seria a escola peripatética.

 

Repentinamente uma jovem, demonstrando intimidade com Genésio, grita em gracejo: Fala aí Tio Diógenes! Todos riram novamente!

 

Não entendi!  Por que chamam o senhor Genésio de Diógenes? – Interroguei-me mentalmente.

 

O professor que também ria explica aos alunos que não entenderam a piada, àqueles que não têm contato com o mendigo na praça:  Diógenes foi uma espécie de mendigo que vivia nas ruas de Atenas, gente. Dizem até que sua casa era um barril. Ele entendia que a pobreza era uma espécie de riqueza, uma riqueza moral, uma virtude para poucos.  Acreditava que é preciso ter apenas o suficiente. Só quem tem o mínimo pode ser sujeito autônomo. Ter além do suficiente é luxúria, preocupação e insensatez.

 

O orador paupérrimo também acha graça.

 

Atendendo a solicitação do professor, fala da sua relação com os alunos da escola, escola tão cara e de tanto sucesso. Conta que simplesmente anda pela praça e vários alunos o seguem. No início zombavam dele. A cada zombaria respondia com um sorriso. Com o tempo e com a confiança, passaram conversar. Falam sobre a beleza de não depender de um trabalho. Sobre a liberdade de nada consumir. Discutem a liberdade de estar além (ou aquém?) da moral tradicional. Afirma que não cobra nada de ninguém.  Também ninguém cobra nada dele.  Dorme até quando quer. Usa sempre as mesmas roupas. Come quando tem fome e quando tem comida. Nunca parou de ensinar Filosofia. Ensina na praça. Mas no seu tempo, do seu jeito. Não ganha salário, nem dele precisa. Ganha admiração dos jovens, presentes, livros, esmolas e, não raro, abraços.  Vê a si mesmo como um revolucionário. Não consumir e não ser consumido é um golpe fatal no liberalismo econômico.

 

Ele se acha perigoso, pois ensina prostitutas, pobres, desocupados e alunos de escolas caras. Um perigo!

 

Sandro, o melhor aluno da escola, levanta e conta orgulhoso que considera o Tio Diógenes da praça um amigo. Aprende muito com ele. Com ele não é um aluno, mas um igual que troca ideias.  Dá livros novos para o Genésio, só para trocarem informações. Tudo informal e gostoso. Mas não pensem, diz Sandro, que o Tio da praça é uma figura fácil! Cobra fundamentos, argumentos e lógica para evitar sofismas e xinga duramente quem é preconceituoso. O Tio Diógenes da praça é uma espécie de Sócrates contemporâneo. Inúmeras vezes pergunta e confunde. Outras vezes, é um Aristóteles exigente e rigoroso. Além do mais, é um exemplo do que acredita: um misto de cínico, estoico e marxista com toques de Heráclito. Uma figuraça! Conclui o aluno.

 

Polidamente o palestrante agradece.  Inicia sua palestra. Explica a Grécia Clássica e a escola peripatética. Comenta os filósofos clássicos citados. Fala de Paulo Freire como um excelente pensador brasileiro. Audacioso, critica o professor da escola por não falar de Freire aos alunos. Explica a diferença entre a prisão das ideologias e as ideologias que libertam. Comenta o fenômeno político da escola sem partido. Conclui que é, a escola sem partido, reflexo de partidos que não frequentam as escolas.

 

Comenta orgulhoso sobre seu poder. Tem nada e por isso pode tudo. Ele não pode ser demitido nem contratado. Ele não tem dinheiro e por isso não paga multas. Ninguém o quer como candidato, mas ele pode votar em quem quiser. Não tem nada, não quer nada, por isso não tem inveja nem sonhos pomposos. Ninguém o ama, mas ama a todos que quiser amar.

 

Nesse momento a Cláudia, aluna da turma 302, grita rindo: Eu te amo!  Todos riem.

 

Continua a palestra o sorridente molambo filosofante.

 

Lá da praça, invisível para quase todos, posso ver de verdade as pessoas e suas hipocrisias. Só falo para quem me percebe, pois não quero forçar minha presença. Percebi que cada pessoa caminha de dentro de suas gaiolas. Só as pernas saem das grades. Então, por mais que andem, estão sempre no mesmo lugar, dentro da gaiola. Similares a tartarugas que carregam suas carapaças internamente inalteráveis.  Uma lástima.

 

Tranquilamente afirma que despreza os transeuntes apressados. São consumeristas como hábito, trabalhadores como maldição. Por outro lado, ama os jovens alunos. Ainda tem asas. As gaiolas são ainda frágeis. É fácil quebrá-las. Sim, orgulha-se dos dois apelidos que tem: o Velho maluco da praça e Tio Diógenes da praça.

 

Disse com um ar de introspecção: Inclusive entendo como possível a hipótese de estar sofrendo de alguma doença mental. Mas, não quero pensar nisso. Há tantas coisas republicanas para pensar, que pensar sobre minhas mazelas soa como egoísmo.

 

Maria Clara, uma menina do 2º ano, tímida e insegura, pergunta: Por que o senhor não volta a lecionar e a ganhar dinheiro? Não seria mais digno?

 

A aluna causa um certo constrangimento.

 

O homem impassível sequer pensou para reagir. Como Sócrates faria, enfrentou a pergunta da menina com outras. Questionou se nós sabíamos o conceito de dignidade. Maria não responde. Faz-se silêncio. Em socorro à aluna a professora de literatura arrisca timidamente:  Acredito que dignidade tenha relação com respeito, valor humano, nobreza...

 

Genésio agradece a resposta e redargui ainda com outra pergunta: Cara professora e gentil Maria, qual a relação direta entre emprego, valor humano e nobreza? Pensemos:  o “não trabalho” quando livremente escolhido é um desvalor humano e um ultraje? Ou é um ultraje forçar as pessoas ao trabalho? Por que devemos, sob pena de morte por fome, tornarmo-nos empregados? Lembremos que o conceito contemporâneo de trabalho, e o amor desenfreado por ele, só nasceu a partir do fim da idade média, início da moderna. Coisa recente. Portanto, não existiu desde sempre! Pessoas viviam bem sem trabalharem por uma remuneração! Pensando para frente: quando a tecnologia absorver a quase totalidade do trabalho humano, a discussão voltará a ser o ócio criativo. Portanto, o trabalho é o passado. O ócio é o futuro.

 

Alguns alunos riram e gritaram: É isso aí Tio Diógenes, incorpora Sócrates!

 

O professor de filosofia acrescenta: Maria Clara, nosso convidado trabalha sim, mas não em escola nem por uma remuneração.  Só se ensina em escolas? E só por dinheiro? Não se ensina nos sindicatos, nas aulas nas comunidades, nas associações e, no caso do Tio Diógenes, na praça? Ou tu entendes que só havendo remuneração há trabalho?

 

Tio Diógenes faz mais uma pergunta:  Querido professor, o que é uma escola? Se for um lugar para ensinar e aprender, um lugar de estímulo à cultura e de desenvolvimento cognitivo, minha praça é uma escola, uma escola pública, realmente pública!

 

Eu, diretor, fico assombrado. Percebo o rebuliço que um desempregado peripatético e cínico pode fazer.

 

Fico em dúvida. Demito o professor indisciplinado ou o elogio?

 

Penso mais um pouco e decido manter o contrato com o professor amalucado. Vou preparando meu espírito para as famílias conservadoras e moralmente retilíneas. Elas vão ligar para mim pedindo explicações. Creio que vou responder simples e direto para explicar aquelas falas: Contra fatos não há argumentos.

 

 

 

 

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Meu nome é Cepeefe

 

 

 

Para continuar anônimo, pois sou quase invisível para o mundo, vou adotar um nome fantasia, porém, muito realístico. Meu nome será, a partir destes acontecimentos abaixo narrados, Cepeefe.  Vou soletrar para quem não entendeu: CE-PE-EFE, ou CPF.

 

No correr desta narrativa, todos vão entender o porquê deste meu codinome.

 

Pois bem, vou contar minha desdita. Há seis meses fiquei desempregado. No dia fatídico, fiquei atônico com a notícia. Eu tinha minhas contas para pagar, um tratamento dentário em andamento. Nem sei o que dói mais, contas a pagar ou um tratamento de canal.

 

Tudo foi repentino. Eu estava trabalhando quando fui chamado ao RH da empresa. Coisa boa não era. Trabalhador sabe que notícia boa não vem dos “Recursos Humanos”. Se a coisa é boa, o chefe vem e conta. Se é ruim, o tenebroso RH é encarregado da missão.  Pois é, chegou a minha vez de ser chamado.

 

A gerente pediu para eu sentar à sua frente e foi contando para mim que os CNPJs, aparentemente tão fortes, são frágeis. Sucumbem facilmente às oscilações do mercado. Inúmeras vezes têm que cortar na própria pele, ou seja, mandar embora pessoas. É muito traumático, mas os CNPJs precisam sobreviver para continuarem multiplicando seu sucesso. CNPJs saudáveis produzem riquezas e empregos, fazem o país crescer. Na situação atual do país, infelizmente, era o momento de despedir pessoas para manter a saúde financeira do CNPJ meu empregador. A coisa estava feia para todos, não era maldade – conclui ela. Agora era minha vez de contribuir para o sucesso do meu empregador. Eu teria que ir embora, ficaria desempregado.

 

Fiquei chocado! Pedi para falar imediatamente com o senhor Ceenepejota, pessoa de saúde tão delicada, como me explicara tão gentilmente a gerente. Queria dizer a ele que eu precisava para sobreviver daquele emprego, que meu dente doía e o tratamento era mais caro que meu salário do mês. Sim, eu entendia que pessoas eram frágeis e precisavam de ajuda.  Eu estava adoentado na boca, pois doía meu dente. Ficaria adoentado na barriga, sem meu minguado salário para comprar comida. Com certeza o senhor Ceenepejota (que nome estranho, não?) não sabia da minha situação. Ele tinha família como eu tinha, também pagava suas contas. Ele sabia que sem fonte de renda não é possível sobreviver.

 

A gerente sorriu quase rindo ao me contar que CNPJ não é nome de gente, que quer dizer Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica. Então perguntei: Pessoa que não é pessoa? Sim, ela disse. É uma pessoa jurídica, criada por lei, inventada, mas que ao interagir com as coisas ela modifica a realidade. Disse também que eu era, além de mim mesmo, um CPF. Ou seja, eu fazia parte de um Cadastro de Pessoa Física. Era um cadastro de onze dígitos que me identificavam. Entretanto, ao contrário do CNPJ, eu era real e ele não.

 

Concluí que aquele senhor que não existe de fato pode mudar o que de fato existe. Também percebi que pode o CNPJ (inexistente) decidir a vida do CPF (que é bem vivo e existente). O inexistente modifica o existente. Pode isso?

 

Fiquei tão curioso que esqueci por momentos da minha situação. Indaguei mais sobre este senhor fantasma. Essa criatura parece mais uma assombração. Quis saber onde mora, como se sustenta, como faz para viver. A moça foi logo dizendo como quem fala para uma criança de cinco anos, que o CNPJ que me demitia mora ali mesmo na empresa. Mas, também vive em outros lugares, onde tem filiais. Ele vive do trabalho das pessoas, dos empregados. Quanto mais os empregados geram lucro, mais forte ele é. Se está forte, não manda pessoas embora.

 

Caramba! A ficha caiu! O fantasma terrível vive das pessoas! Quanto mais elas o servem, mais forte ele fica. E se não servem bem a ele, manda-as embora. Primeiro suga. Depois, acabado o suco, chuta para fora. Isso não é coisa de vampiro? Nem falei, pois vá que esse vampiro Ceenepejota ouça e me castigue! Quase rezei um Pai nosso na frente da gerente.

 

Tentei resumir para a moça do RH o que eu havia entendido. Disse mais ou menos o seguinte. Eu, Cepeefe, que vivo de verdade e que sofro com minha dor dente, devo servir sempre mais e melhor ao senhor Ceenepejota. Servir a ele, que não vive, que é inventado, que não sofre, que vive da vida dos CPFs.

 

Desta vez a moça riu do que eu falava. Acho que de nervosa. Chamou um colega para continuar a conversa comigo e se afastou.

 

O rapaz foi logo dizendo que a situação era parecida com o que eu disse, mas não era bem assim. Inclusive, aconselhou-me a não dizer as coisas daquela forma. Seria muito difícil encontrar novo emprego se eu falasse assim. Então pensei: Acho que não entendi bem o que ela disse.

 

Moço, só para eu entender melhor.  Eu devo obedecer quem vive da minha vida? Devo aceitar que quem depende dela, mande-me embora quando quiser? Eu tenho que obedecer ao senhor Ceenepejota que não existe? Não é coisa de gente besta acreditar em fantasmas? Não é coisa de gente aloucada obedecer a invencionices? Por que eu, que a partir de agora me chamo Cepeefe, tenho que continuar com minha dor de dente e correr o risco de passar fome, só para agradar a uma miragem?

 

O rapaz explicou que eu não podia me chamar de Cepeefe. Que existem incontáveis CPFs. Eu era apenas mais um entre tantos que estavam neste cadastro! Eu era insignificante. O que valia mesmo eram os CNPJs. Eles mandam no mundo.

 

Entendi que faço parte da família Cepeefe. Que somos muitos. Que apesar de sermos muitos, valemos quase nada.

 

Comparados a nós Cepeefes, a família Ceenepejota é muito pequena. São criaturas que, mesmo imaginárias, se alimentam da maioria. Talvez por isso minha mente continuava a questionar: Por que obedecemos? A minha família é maior e sustenta esta outra família, a dos Ceenepejota!

 

O moço de terno e gravata ficou um tanto nervoso ao me ouvir. Perguntou se eu agora era um revolucionário. Respondi imediatamente que não!

 

Resmunguei baixinho para ele não ouvir: Não há como brigar com o que não existe. Talvez numa sessão espírita e só nela! Para resolver a pendenga, é só não acreditar mais nessa invenção. Sem brigas.

 

Em voz alta apenas disse que eu tinha dor de dente e medo de não ter o que comer.

 

O rapaz olhou para mim de uma forma estranha. Como se devesse decidir se eu estava sendo sincero ou não.

 

Suspirou e trouxe um papel. Nem pensei duas vezes para assinar, pois não gosto de brigas. Fui logo escrevendo no lugar do meu nome: Cepeefe.

 

O moço quase surtou. Ficou uma fera. Ofendeu-me até. Disse que eu era um bobalhão malandro.

 

Eu calmamente fiz então minha última pergunta: Moço, tu és de qual família? Ele, furioso gritou outra pergunta: Que família seu abobado?

 

Humildemente insisti: O senhor é da família Ceenepejota ou da família Cepeefe? Se for da Cepeefe, o senhor é meu irmão ou parente. Parentes se ajudam, não é? Um dia vai chegar a sua vez, não é?

 

Ele ficou calado e saiu da sala. Eu sorri como se tivesse ganho uma batalha.

Pauta dos costumes. Vamos falar sobre ela?