sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

A angústia, o medo e a liberdade: jogo da manipulação.

 


 

A política nacional por volta de 2015 iniciou uma viagem por águas intranquilas. As concepções mais conservadoras na política (ou da antipolítica) optaram pela disputa acirrada e crescentemente agressiva.  Foi abandonada a opção pela tranquilidade, pelo diálogo e pelo consenso. Contrariamente optou-se pela discórdia, pela divisão e pela desconfiança.

 

A ponderação racional caiu em desuso.

 

Inúmeros cidadãos optaram pela dissolução das possíveis respostas apaziguadoras. Mesmo as oriundas das ciências, dos diálogos, enfim, da política como a arte da resolução de conflitos. Neste ambiente deliberadamente belicoso, oscilamos entre a angústia e o medo.

 

O conflito e o consequente acirramento têm seu ápice nos gritos pela dissolução do parlamento e do judiciário, objetivando o desfazimento da ordem estatal. Surge o imbróglio: sair do Estado seria a solução para manter o Estado. Matá-lo na crença da sua ressurreição santificada.

 

A maioria destes cidadãos não estão conscientes do que fazem. Estão possuídos por força estranha, destruidora e autodestrutiva. Quase como nos filmes de possessão demoníaca.

 

Quem domina estas pessoas?

 

Não é novidade dominar e manter a dominação do povo através do medo. O medo é uma emoção que nos leva a fugir ou a atacar. É reativa, pois é a posteriori. Surge a ameaça e revidamos. É possível que apenas creiamos (uma ilusão talvez!) que a ameaça está na esquina próxima, e agredimos o primeiro coitado que surgir dali.

 

O medo é real para quem o sente, apesar de ser inúmeras vezes infundado.

 

Não é possível dizermos que há um medo moralmente aceitável e outro não. Medo é medo e pronto.

 

A aposta no terror ao comunismo, é exemplo clássico do medo deliberado. As classes médias são as vítimas preferenciais. Sempre caem nesta historinha e não aprendem. Quando o medo se expande saem às ruas bradando palavras de ordem. Bem pouco tempo atrás este inimigo, o comunismo barra pesada, objetivamente se apresentou na forma de médicos. Os médicos cubanos. Eles foram defenestrados da nossa saúde pública.

 

É fato, o medo real ou ficto é um fator de controle social.

 

Mas nem tudo é tão agudo como é o medo. Há nuanças imprecisas que também nos manipulam. Observemos outro exemplo bem atual. Há assalariados que morrem de medo da taxação sobre as grandes fortunas, como já aconteceu na Argentina. As classes médias acreditam em duas premissas altamente imprecisas. A primeira premissa: tal imposto recairá em seus salários. Confundem seus salários com as grandes fortunas. É risível, concordo. A segunda premissa: a taxação ocorrerá em breve. Amanhã, talvez. Sem discussões pela sociedade e no Congresso. Sequer haverá limites. Algo como: amanhã todos os valores imagináveis serão taxados em noventa por cento. Estas premissas imprecisas geram angústia.

 

A angústia é mais eficiente que o medo, pois é lentamente perniciosa.  É um sentimento que se baseia não no hoje. Se baseia na expectativa de algo ruim que ainda não existe, mas que está se iniciando. Ficamos angustiados a priori. A angústia é uma expectativa imprecisa. E por ser imprecisa, é uma tensão que nos oprime em função de uma apreensão/ameaça difusa.  Vamos exemplificar com algo atual. Percebamos a atual mania de crer em teorias da conspiração. Ela tem caráter impreciso, disseminado e global. Enorme angústia gerada pelo que poderá vir.

 

Algumas pessoas de algum lugar, mancomunados com não sei quem e super financiados por dinheiro espúrio de alguém em algum lugar do mundo, vão disseminar a cristofobia planetária.  Então cristãos e não cristãos, deístas e ateus se angustiam: quem será a próxima vítima de alguma perseguição mundial? Eis a ameaça difusa.

 

 A angústia sempre é maior daquilo que nos angustia. Ela é sempre desproporcional. A melhor solução para nos livrarmos da angústia é nos mantermos às claras.

 

Temos que evitar quem aposta em forças obscuras, quem não se explica bem, quem é enigmático e pouco compreensível.

 

O obscuro e enigmático extremista ensina que o diálogo é enganação e mentira. Nunca dirá que o diálogo é importante. Não pode incentivar a discussão, pois ela esclareceria sua obscuridade trazendo-a à luz do dia.

 

A luz dissolve o que é obscuro!

 

O apocalíptico extremista dirá que é melhor pedir intervenção militar. Ensinará que o golpe é melhor do que o voto, do que as assembleias públicas, os plebiscitos e os referendos. O extremista proclamará que assim teremos menos angústia e mais ação. Claro que serão os outros (e não o povo) que agirão. Quanta facilidade quando terceirizamos a vida pública!

 

É fato, a angústia disseminada por ser sombria e fantasmagórica, e´ outro fator de controle social.

 

Ainda outro elemento de controle: a liberdade.

 

Apontarei outro elemento que compõe a tríade da manipulação dos extremistas. Falaremos da liberdade, aquela liberdade que nos limita.

 

A liberdade é muito mais que nos livrarmos da opressão, do comunismo, dos médicos cubanos, das grades e das coisas similares. Ela é bem mais sutil do que acreditam os extremistas.

 

O extremista não percebe as sutilezas nem lê o que é complexo.

 

Segundo o filósofo Kant, a liberdade se fundamenta na autonomia. Com isso quero dizer que a pessoa é livre quando ela se dá suas próprias regras. Evidentemente que balizadas pela razão e, através dela, a pessoa age de acordo com as leis morais. Por consequência, não segue ninguém além dela própria. Vê-se que a liberdade é bem mais que escapar de grilhões. Ela é principalmente ter a plena consciência e o poder de escolha entre as opções possíveis para quem escolhe.

 

Quem é livre, escolhe autonomamente. Quem não é livre já tem tudo (pré)escolhido e pronto. É como ir a um jantar com pratos já determinados. Não há como escolher outros. Por outro lado, o convidado não é responsável pela qualidade do que é servido.

 

Percebamos que hoje há infinitas escolhas a fazer. Desde produtos para comprarmos a religiões para seguir. Há tudo para todos os gostos. Há ideologias prontas e ideologias que negam as ideologias. Há mais opções que tempo para escolher. A internet informa tudo e tanto que desinforma e tonteia. Cada vez mais é preciso estudar, refletir e ser precavido para escolher bem. E isso leva tempo, preparo e esforço pessoal. 

 

 

As ideologias extremistas adoram a (hiper)liberdade de escolha.

 

Por quê? Vamos desenvolvendo nossa tese. A angustia de não saber o melhor a escolher, junto com o cansativo trabalho da preparação para bem escolher, angustia muito. É desprazeroso. Para piorar, as ideologias extremadas desprezam a ciência (a mais confiável base para as escolhas). Por consequência, as escolhas tendem a se basearem no vácuo do achismo e na ancestralidade da busca de prazeres sensoriais. E Deus, o sabedor de tudo? O extremista perguntará: qual deus? Só há o deus dele. Nos alertará para os falsos profetas!

 

A extrema direita desconfia de tudo que não seja ela mesma. E quando destrói toda a confiança que embasaria as escolhas dos sujeitos livres, ela mesma se coloca como a única opção. Ou seja, não há mais o que escolher, pois só há uma escolha verdadeira!

 

Chega de liberdade de escolha, o extremista diz! A liberdade angustia e cansa. O cidadão de bem deve confiar em quem sabe o que é melhor. Bom mesmo é a verdade já pronta. É como o prato pronto do pequeno restaurante. É farto e sacia. A pessoa chega e não escolhe nada além do já posto. Sem angústias, sem surpresas. Alguém já preparou tudo, já pensou em tudo.

 

Aqui está a falsa liberdade: sem base alguma não há como bem escolher. Há apenas um vácuo. Então estamos livres para abdicarmos da nossa autonomia. Aceitamos um líder que nos guiará e nos determinará.

 

Os extremados solucionam o problema das escolhas múltiplas que exigem tanto esforço. Escolhem pelas pessoas.

 

Agora já posso afirmar que as ideologias extremadas precisam do medo, da angústia e da (pseudo)liberdade para controlarem politicamente os cidadãos.

 

O cidadão aprendeu a desconfiar de tudo. Também aprendeu a confiar apenas nas notícias que versam sobre ameaças iminentes (que amedrontam) ou futuras (que angustiam). Geralmente são apenas invencionices. Os cidadãos então esperam uma solução rápida, pois o desconforto é crescente.

 

Um salvador da pátria é cada vez mais bem-vindo.

 

Destruída toda a confiança e maximizada artificialmente a liberdade, a própria desconfiança foi valorada como confiável!

 

O medo mais a angústia, mais a falsa liberdade. Eis a fórmula do caos.

 

Para resolver o medo e a angústia, surge o líder forte, verdadeiro, grosseiro e tosco. Entretanto, incorruptível e sabe o que é melhor para o povo assustado. Como bônus o mito já vem ungido por religiosos conservadores ao máximo. Eles dizem: Basta ter fé e seguir os líderes.

 

A crença no mito traz novamente a segurança. O povo não precisa mais escolher e lutar. Já tem quem faça isso: o terceirizado, o mito que tudo resolve.

 

E agora, o que fazer?

 

É preciso sair deste círculo de desconfiança, de ódio e de violência política. Para isso, urge ouvirmos as forças sociais que querem reorganizar, que querem retomar a confiança na política e que comuniquem esperança. É preciso retomar o contato com as comunidades que sofrem, com os trabalhadores, com os humildes, com os líderes populares e com as universidades.

 

Confiantes, apaziguados, esperançosos e fraternos, tornaremos a figura do mito algo inútil.

 

Como vimos o caos é favorável à extrema direita que quer nos dominar. Na contrapartida, a esperança favorece as ideologias da fraternidade, da cooperação, da igualdade social e da autonomia para agir dos cidadãos. 

 

É preciso retomar a confiança na humanidade e na civilidade.

 

Para os verdadeiramente livres e fraternos não será difícil escolher o melhor caminho a tomar. Até porque só há uma única bifurcação: ou somos conduzidos ou somos condutores da vida política. Não há uma terceira via.

 

Sem angústia, sem medo e verdadeiramente livres: Cheque mate no jogo da manipulação.

 

 

 

 


domingo, 31 de janeiro de 2021

Descartes, a mulher de Cesar, janelas, STF e a (im)parcialidade de Moro.

 



 

Vou basear-me no pensamento do filósofo Francês René Descartes.  Vou pegar emprestado o ceticismo metodológico dele no intuito de aclarar este texto.

 

Imaginemos que estamos presos dentro de uma casa totalmente vedada.

 

Nesta situação de absoluto isolamento, o que poderíamos ter aprendido com o ambiente externo se tivéssemos nascido dentro desta casa hermeticamente fechada, isolada? Provavelmente não sobreviveríamos, pois não poderíamos aprender nada. No máximo, aprenderíamos a nos esgueirar pelos cômodos vazios com suas paredes lisas e descoloridas.

 

Seria tão bom abrir as janelas!

 

Caso algum ser de fora abrisse as janelas, tudo seria diferente! Apesar de continuarmos presos nesta casa, aprenderíamos muitas coisas através das aberturas luminares. Entretanto, provavelmente esqueceríamos de nos perguntar se as janelas trazem fidedignamente a realidade do lado de fora. Afinal, os vidros podem ser turvos, embaçados ou coloridos. Não há como ver de fora o que está acontecendo nas aberturas da casa.

 

E se estas janelas forem telas de alta tecnologia passando imagens falsas? Como saber?

 

Descartes imagina que nossa mente está presa dentro de nosso corpo. E nossas janelas (retomando a alusão à casa) são nossos olhos, ouvidos, nosso tato e nosso olfato. Nossa alma cria seu mundo interno com as informações que vem daí. Descartes pergunta: os cinco sentidos são realmente confiáveis? Trazem a verdade para dentro do nosso corpo informando adequadamente nossa mente?

 

Percebamos que os sentidos são os provedores biológicos que alimentam nosso hardware e  software (nosso cérebro e nossa mente). Por não percebermos este fato, confiamos cegamente nos provedores.

 

Coisa de filósofo maluco, não? Nem tanto! Vamos atualizar para ampliar o que refletimos até aqui.

 

 

Minha rotina diária se resume a meu bairro e a alguns trajetos na minha cidade. Converso geralmente com as mesmas pessoas. Minha segunda feira é similar a sexta feira. Algumas coisas mudam, mas a rotina dificilmente é quebrada. Imagino que a maioria das pessoas são assim. 

 

Pois bem, nossa rotina é nossa casa fechada. Então, alguém abre nossas janelas para o mundo. Quais são elas?

 

São tantas que, por não podermos olhar todas, escolhemos algumas para acreditar. As janelas para fora da nossa rotina podem ser nossos canais de televisão e do YouTube preferidos, nossos amigos do Face Book e twitter. Escolhemos, mas somos escolhidos também!  Somos desejados pelos robôs, pelas publicidades e programas grotescos, porém, engraçados. É como se as janelas da casa brigassem pela nossa atenção. Querem que vejamos a vida por elas e nelas nos pautemos.  

 

A aparência do mundo dos fatos nos é apresentada. A aparência é muito importante. É ela que dá credibilidade à janela escolhida.

 


             E falando em aparência e em credibilidade...

 

 

Já dizia Júlio Cesar: Á mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta. Percebem a sutileza? De nada adianta ser honesta sem parecer ser! As janelas só nos dão acesso ao “parecer”! 

 

 

Se Pedro é honesto, mas sua imagem sugere (aquela que passa pelas nossas janelas) desonestidade? Pedro vai se f*! Vai ser desonesto e pronto. Não há o que fazer. E como não questionamos as janelas com suas nuanças, ficamos presos às imagens e vivemos com elas. 

 

Mas só vivemos de imagens! Lembram? Posso provar.

 

Como ir à Brasília acompanhar as sessões do STF se tenho que ir trabalhar amanhã? E se estou em Brasília, como acompanhar uma decisão no TRF 4? Impossível! Caberá às instituições saberem se portar frente as janelas por onde todos as veem! Deverão serem claras aos olhares. Deverão ser confiáveis e aparentar ser de maneira indissociável!

 

Conclui-se: à justiça brasileira não basta ser justa, tem que parecer ser justa. Ser e parecer ser num abraço fraterno inseparável. Mais que no caso da esposa de Cesar.

 

A única maneira de as janelas mostrarem fidedignamente o que de fato acontece nos bastidores da justiça, é ela escancarar seus procedimentos, seus meandros. Isto de maneira que as sombras ou as interpretações sejam mínimas. As pessoas precisam, mesmo encarceradas nas suas rotinas, entender facilmente o que acontece. E este entendimento consolidará a confiança na probidade do judiciário. Ou seja, também é função do judiciário se apresentar luminarmente ao seu público. Apresentar-se antes que alguma janela capture o sentido, reinterprete e faça as pessoas descrerem na instituição.

 

São poucas as pessoas que desconfiam de quem produz as informações. Raros desconfiam das janelas que iluminam suas almas. A maioria se alimenta mentalmente do que se apresenta imediatamente à alma.

 

Caso o judiciário não seja claro evitando decisões contraditórias ou esdrúxulas, nada palatáveis, as pessoas vão desacredita na sua probidade. A instituição cederá espaço para a imaginação e para a interpretação das mídias.

 

Na penumbra a mulher de Cesar até poderá ser honesta, mas parecerá não ser. 

 

As mídias vão se encarregar de preencher as sombras com suas luzes coloridas. Se o judiciário interpreta a lei obscuramente, as mídias vão interpretar o judiciário com a mesma liberdade.

 

Logo o STF terá que se pronunciar sobre a (im)parcialidade de moro. O STF não há que inventar coisas. Nem interpretar de forma obscura. Terá que observar claramente as provas e claramente apresentar a conclusão para as janelas que estarão escancaradas. 

 

Há uma nação inteira a espera de ver o que vai acontecer.

 

Ministros do STF, lembrem. As pessoas só sabem o que lhes chega à mente pelas janelas das mídias. As janelas podem (e tentarão)  deturpar a visão das paisagens externas.

 

Ministros, lembrem também de Cesar. Sejam probos e pareçam ser probos. Simples assim.

 


 

Pauta dos costumes. Vamos falar sobre ela?