quarta-feira, 28 de novembro de 2018

A prisão é preventiva? A liberdade é exceção?








A liberdade é inata (incriada), vital, imprevista e ilimitada temporalmente. Contrario sensu, uma liberdade chamada de provisória não existe na realidade. Se é provisória, é um benefício ficto, um construto jurídico.  



Totalmente diferente da liberdade humana, o encarceramento é criado, previsto e é limitado no tempo. Para o crescente número de adeptos ao encarceramento generalizado, estas verdades são estranhas e indesejáveis. Para estes, é difícil aceitar que a liberdade é ampla e vitalícia, e que toda a prisão é excepcional e limitada. 



A ilusão do punitivismo tupiniquim se alicerça no desejo do encarceramento como regra, e que se prolongue até a morte do encarcerado. Baseia-se no desejo de que as liberdades sejam provisórias e excepcionais. Uma inversão da lógica civilizatória e da Constituição pátria. 



Parcelas da sociedade querem primeiro prender (determinadas) pessoas. Depois, se assim o desejarem, soltá-las.



Inaceitável crer que inúmeras pessoas são vistas como se (ainda) estivessem livres, apenas para aguardarem o reconhecimento da necessidade social de suas prisões. Mesmo aquelas parcelas da população empobrecidas e marginalizadas: elas não estão em liberdade provisória. Não estão apenas aguardando o momento do encarceramento.  As regiões conflagradas e perigosas são tão livres quanto qualquer outra. Em todos os lugares, insisto, a liberdade é a regra: não é provisória nem excepcional!



Segundo as (os) fofoqueiras (os) de plantão: “fulano (a) está livre só por que ainda não cometeu crime! É só uma questão de tempo! Mas as autoridades vão esperar ele machucar alguém para agir? Incompetentes! Aff!!!” Essa fofoca representa o pensamento dos que acreditam no encarceramento como regra para determinadas comunidades. Algumas pessoas sussurram que, para alguns sujeitos, nem seria preciso cometer crimes para serem punidos maximamente. Os ideólogos do encarceramento quase afirmam que a punição prévia seria boa, pois preventiva.  Ou seja, para alguns corpos e para alguns comportamentos, é permitida apenas uma liberdade provisória (até que cometam o crime tão esperado/desejado).



Entretanto, não é permitido esquecer que o Estado e seus aparatos repressivos existem para garantir a liberdade. Ele só existe para que continuemos livres, o mais livre que for possível.  Sociedades que querem um Estado Pittbull treinado para agredir, é um conjunto de pessoas doentes.  A culpa do Pittbull agressivo é sempre do dono. A culpa de um Estado que não soluciona as questões sociais, mas prende muito, é sempre da sociedade.



Trancafiar e esquecer. Colocar na masmorra e criar fossos em volta. Afastar. Eis o ideal dos adeptos do encarceramento. Querem invisibilizar as pessoas nas prisões. Tentam uma pena de morte por esquecimento. Obviamente não é possível nem é saudável!



Sujeitos livres não podem ser esquecidos. A liberdade não pode ser esquecida.



As pessoas livres nas ruas exalam suas mazelas, é natural. Os conflitos gritam as diferenças sociais. Assim deve ser.  Na verdade, os que desejam encarcerar pessoas, aspiram mais ao encarceramento da discussão sobre os conflitos sociais, do que barrar a violência.  Pelo tempo que prendemos mais do que ajudamos as pessoas, os conflitos continuarão, a violência se manterá, a liberdade será exceção e a prisão a regra.


sábado, 24 de novembro de 2018

O filme Idiocracia. Uma crítica política


A questão proposta pelo Filme Idiocracia é a seguinte: um mundo onde a falta de inteligência é a regra e a mediocridade intelectual é o máximo da inteligência disponível. Um mundo onde a única informação vem pelos canais abertos de televisão. Uma realidade onde o maior prazer possível é o sexo e o maior poder é o de comprar coisas.       

      Nesse mundo hipotético, a política é a arte de gerir imbecis. Nem os gestores são capazes de fugir da sina criada por eles mesmos e pela sociedade: também os gestores políticos são idiotas. A máxima romana “pão e circo” é elevada ao seu máximo acelerando a imbecilização coletiva. Idiotizar o povo tem como efeito colateral criar administradores imbecis. Ora, não há como destruir o conhecimento sem destruir os seus destruidores.          

      Uma reformulação do sistema construído no futuro começa a se estabelecer quando uma pessoa comum, mediana e simplória para os padrões atuais, passa a ser considerada a pessoa mais inteligente do mundo. Eis a sátira que não nos faz rir, mas nos assusta. 
      

      Não estou pensando o termo idiota no sentido dado pelo dicionário.


      Idiota: Que ou a pessoa que é pouco inteligente ou não tem bom-senso; pateta, parvo(a), estupido(a); imbecil. (Grande dicionário Sacconi. Editora Nova geração.)    

      
      Prefiro no contexto do Professor Mário Sérgio Cortella no seu livro Política para não ser um idiota. O professor nos fala sobre este adjetivo afirmando que da Grécia clássica até agora, acabou invertido o conceito original de idiota. Antes, a expressão idiótes (em grego), queria apontar a pessoa que só vive a vida privada, que recusa a vida política. 

           

      Portanto, é evidente que o substantivo política que utilizo, não se refere apenas a busca e a manutenção do poder no Estado.

          

      Quando uso a expressão política, com certeza me afasto do senso comum. Afasto-me do entendimento que a política é o desejo egoísta travestido de interesse público. Muito, muito menos estou falado de partidos políticos. Na Grécia clássica, a política era entendida como as ações proveitosas à cidade-estado (a polis). Todas as pessoas deviam se entregar às questões políticas. Isto era considerado bom e belo. Gerir a cidade era um problema que deveria ser para todos e não para alguns. Afinal, a cidade era de todos e todos eram responsáveis por ela. A democracia sobrevivia às diferenças de opiniões, às críticas e até à coexistência com escravos. Esse é o contexto que dou a expressão política.

           
                No filme a falta de inteligência, o desejo sexual irrefreado e o desmedido consumo, reduziu a sociedade a indivíduos egoístas, apolíticos (idiótes) e emburrecidos. A liberdade para pensar desaparece num ambiente livre para a satisfação corporal e inóspito para a reflexão. Uma vida para o consumo inviabiliza a capacidade de reflexão e de fazer política. Nesse contexto discutir a cidade, a cultura e a ética não é possível. Nessa sociedade imaginada, as pessoas são seus instintos (a eles se limitam): a autopreservação, o sexo, a alimentação e a fuga da dor. Ora, por consequência, aproximam-se da vida animal. Não refletem, apenas ruminam o que recebem numa busca monótona da satisfação corporal.  São semoventes conduzidos por alimárias.  Lembrando Platão, esse mundo idiotizado é possível por que as pessoas vivem apenas para seus sentidos, limitados pelo mundo material (em oposição ao mundo ideal). Afastando-se do mundo das ideias, permanecem no erro e na ignorância. Animais e idiotas (no sentido grego) vivem apenas para o prazer.
    
     

      A capacidade para sermos racionais é inata. Entretanto, é construída também. O homem por esforço próprio pode se imbecilizar. O homem pode decidir investir na satisfação de seus desejos e pronto. Então, o risco de entregar-se à preguiça intelectual é grande. O risco de não desenvolver a racionalidade também é grande. Todos nascemos para sermos inteligentes, mas nem todos podem ou querem desenvolver essa capacidade.  Dá muito trabalho! É exaustivo! Desenvolver nossa inteligência é um ato político. Sair da mediocridade é um ato disruptivo.

     

      Conheci o filósofo e padre Achylle Alexio Rubin. Falei com ele uma vez e encantei-me. Então, acabei comprando o Livro dele, Minha pequena filósofa. Minha pequena filosofia.  No capítulo 7 do livro citado, o padre define a inteligência no contexto da aprendizagem:

            

      "A inteligência nos liberta, ainda que relativamente, dos condicionamentos da materialidade. Não somos como os animais que, desde sempre e para sempre, constroem os seus ninhos da mesma forma, emitem as mesmas vozes, abrigam-se do mesmo jeito, buscam o necessário para sua sobrevivência com os mesmos hábitos.

      Nós, pelo contrário, usamos através dos tempos, de uma simbologia variadíssima para nos expressar e nos comunicar. As línguas e dialetos são quase infinitos, os estilos arquitetônicos, literários, poéticos e musicais surgem com variadíssimas formas de expressão. A dança e o balé são riquíssimos em movimentos criativos”. *

           

      Na (pseudo)democracia vista no filme, não há espaço para a criação, para a linguagem variada e para compreensão do outro. Muito menos para a política. Compreender e fazer política: dois temas que exigem desenvolvimento intelectual, moral e ético. No mundo hipotético do filme, o consumo supera a empatia e a alegria em conviver. Sem convivência desejada e refletida, não há política. Sem política, não há motivos para sermos humanos. Basta consumir, transar e sobreviver sempre mais um pouquinho.    



     



       ·                Rubin, Achylle Alexio. Minha pequena filósofa. Minha pequena filosofia. Santa Maria. Editora Palotti. 2001. Página 38



     



     



     










Pauta dos costumes. Vamos falar sobre ela?