sábado, 18 de maio de 2024
domingo, 12 de maio de 2024
domingo, 5 de maio de 2024
quarta-feira, 1 de maio de 2024
O descanso do professor que não aconteceu.
Visitando a chácara de amigos, o professor descansa. Chácara pequena, bem no interior do Estado. Distante oitenta quilômetros da pequena cidade. O professor sorri ao imaginar que não há escola por perto, sossego garantido. Mas, já na primeira manhã, vê o guri ordenhando a vaquinha no curral.
Aproxima-se
do piá e é recebido com um imenso sorriso. De imediato o jovenzinho
cumprimenta: Bom dia tio! O professor, também muito jovem, cumprimenta.
Enquanto trabalha, o guri pergunta:
- É verdade que tu “é” professor, tio?
O
jovem e inexperiente mestre afirma que sim. A criança conta que já está no colégio. Mas que
não aprendeu a escrever ainda. Não sabe escrever como a professora quer.
Vai ao
colégio de carroça, adora o almoço de lá, e volta. Mas, disse o pequeno orgulhosamente,
aprendeu a copiar as palavras. Ele olha o quadro negro com a palavra escrita e
pronto, copia que dá gosto! É como se tirasse uma foto. Quase sempre não troca
as letras. Mas, nem sempre dá certo. Contou que uma vez a professora mostrou a
figura de um homem fardado e armado na cintura. Aí, ele copiou a palavra soldado
que identificava o desenho. Quando teve que lê-la em voz alta, leu: polícia!
Ora, concluiu o piá, se o desenho parecia de polícia, como estaria escrito
soldado? Só podia ser polícia! As coisas, segundo ele, são iguais as palavras.
É como se as coisas tivessem rótulo. Pedra se escreve “pedra” porque é pedra. Água se
escreve “água” porque é água. Então, questionou o guri, como polícia ia ser “soldado”?
Maldade da professora!!!!!! Os coleguinhas riram. Então, já não vai mais ao
colégio com gosto.
O
jovem professor ficou triste. A hipótese tão comum feita pela criança não havia
sido compreendida pela professora.
Uma
criança sofrendo por não decodificar/contextualizar os sinais escritos. Escrevia/copiava
os símbolos gráficos, mas não os simbolizava! Uma lástima.
O
professor pergunta ao guri:
- Qual
palavra que tu mais sabes copiar e que sempre tu acertas?
Rapidamente
o guri falou, sem pensar:
-
Casa.
- Que
bom, parabéns. E o que tu gostas que tem na tua casa?
-
Comida que a mãe faz. Hum... O celular com joguinhos. E o meu cavalo.
- Tu
tens um cavalo?
-
Tenho. É bem grandão.
-
Maravilha. Então, em CAsa tu tens um CAavalo.
- Ô
Tio... por que tu “ta” falando assim?
- Ouve
bem amiguinho... casa e cavalo. O que tem de igual?
-
Nada! Casa é coisa, cavalo é bicho.
-
Ouve, ouve e ouve novamente. CAsa, CAvalo.
- Ah!
Os dois começam com “ca”. (referia-se ao som “ca”)
-
Então meu amiguinho, se tu fosses “copiar” a palavra cavalo, quais seriam as
primeiras letras da tua cópia?
-O
guri pensa, repensa e diz timidamente:
- “Ca”?
-
Muito bom, mas quais letras fazem este “CA”?
A
criança escreve no chão o “C” e o “A”. E olha para seu orientador com carinha
de medo de ter errado.
O
professor exulta e diz à criança:
-
Parabéns, já sabes escrever um pedaço da palavra cavalo! Também um pedaço da
palavra casa. Só falta tu CAsares! – Ri.
-
Verdade tio? Então, tudo que tem “ca” começa com “c” e “a”?
O
professor percebe a mudança de hipótese. Palavras já não são o nome das coisas
como se fossem rótulos, mas suas representações sonoras!
Pensa
consigo mesmo: como é bela estas transformações. A boniteza de ensinar é isso!
-
Tenta tu mesmo, piá! Experimenta se o que tu disseste é verdade. Diz as
palavras e eu confirmo. Cavalo e casa já não valem mais!
Agora
é uma espécie de jogo divertido e exploratório. Já sem medo vai dizendo:
- Carro?
- Sim.
- Cachorro?
- Sim.
- Cascalho?
-
Sim!!!
- E
como escrevo o resto do meu cavalo?
-
Vamos ver... Já copiaste alguma palavra que comece com “va”? Como VAssoura?
- Sim.
Sei bem desenhar a palavra VAca.
- Está
bem. Então escreve no chão a palavra vaca...
Rapidamente
o piá escreveu com um graveto.
-
Agora, deixa eu ver... copia abaixo só o “v” e o “a”. Muito bem. Agora põe
atrás do “VA” de vaca o “CA” de casa. Como ficou?
-
Ficou estranho... Falta algo.... O
cavalo é grande, a palavra “tá” muito pequena!
O
professor riu com a criança. Nova hipótese falha. A palavra é do tamanho da
coisa que ela aponta!
- Vamos
lá. Diz agora os sons... Lembra, o “CA” de casa e o “VA” de
vaca...
-
Ca...Va... Cava... – falta o “lo” tio!
-
Beleza! Então, é só colocar o “L” e o “O”. CAVALO.
-
Então tio, quando eu falo, cada som tem uma letra?
O
professor está feliz: nova hipótese!
- Viu
meu amigo? Não é tão difícil escrever. Não é para copiar palavras. Copiar é
mais difícil que ouvir e escrever os sons.
-
Posso contar isso para minha professora, tio?
-
Claro que sim. Conta para ela que as palavras mais conhecidas são mais fáceis
que as desconhecidas. Diz para ela que sempre o piá já sabe alguma coisa.
Então, é só juntar as palavras conhecidas com o que o guri já sabe... aí fica bem
mais fácil.
- Meu
nome é JOão. Já sei escrever meu nome. Meu pai se chama JOarez.
Posso escrever o nome dele parecido como o meu? JO de João e JO de
Joarez?
-
Claro! Vai tentando!
- Tio,
quer me ensinar mais coisas?
Esta é
a história de um descanso que não aconteceu. Estudar Paulo Freire tem seu
preço: a eterna amorosidade e afetividade por todos que querem aprender.
sábado, 27 de abril de 2024
sábado, 20 de abril de 2024
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