Um bando de egoístas juntos tem conseguido, sem
transcender ao egoísmo, fundar corporações religiosas e outras mais
voltadas à exploração pura e simples da fé do outro e de sua capacidade para o
trabalho e a entrega. (Marcia Tilburi.
Delírio do poder) – Grifo meu
Se vamos usar como mote a expressão egocentrismo, é
necessário primeiro reparar no seu conceito e nuances.
Uma boa perspectiva para compreender o egocentrismo é
partir da convicção de que o egocêntrico vive uma ilusão: a de que ele é ou
merecer ser o centro das atenções. Em uma criança de dois até, talvez, seis
anos é aceitável. É uma questão biológica, maturacional do cérebro humano. Até
que organicamente chega o momento em que a psiquê percebe que não é o centro de
muitas coisas. No máximo e por algum tempo, da sua família. Logo percebe que é
apenas mais um humano entre outros tantos.
Caso o sujeito permaneça focado em si mesmo e deste ponto
trace as referências para submeter o mundo a ele mesmo, radicalizará sua
dificuldade em se colocar no lugar do outro. A vivência com outras pessoas deve
forçar este desfoque de si. Não ocorrendo, a visão de mundo deste sujeito egocentrado
sofrerá sérias anomalias.
As pessoas que não conseguem pensar o social saindo de si
mesmas, que não conseguem se pôr no contexto de ser uma pessoa igual a tantas
outras, permitem a si mesmas defender o racismo, a morte de alguém (mesmo que
considerado bandido) e a competição social pela sobrevivência.
Somente sujeitos que se acham de alguma forma especiais, e
especialmente merecedores das benesses sociais, conseguem defender o
capitalismo neoliberal, onde o capital é reservado para alguns. E, claramente,
o defensor destes itens relacionados, se considera parte destes “alguns”. Nunca
se sente uma pessoa comum. Ele credita ser merecedor das
benesses do capital.
Os demais, caso não tenham algum privilégio é por que não são merecedores. Simples assim.
Os demais, caso não tenham algum privilégio é por que não são merecedores. Simples assim.
Estes “alguns” sempre tentam se sobressair, mesmo entre
eles mesmos. Percebem-se como merecedores natos de serem tratados como melhores.
Uma espécie de atavismo seletivo. Entretanto, sofrem de uma maldição egocêntrica: mesmo filiados a um grupo que represente seus
interesses, querem sempre ser os especiais entre os especiais.
Daí sentem muita inveja, são melindrosos (e agressivos),
arrogantes e espetaculosos. Espetaculosos por que exaltam seus atributos,
posses, amizades ilustres e sua riqueza (verdadeira ou imaginária- lembremos a
figura caricata do “pobre de direita”).
A inserção do indivíduo egocêntrico na plêiade de amigos
egocentrados sempre é difícil e, provavelmente, impossível em plenitude. São
egocêntricos entre egocêntricos: repelem-se mutuamente. São como imãs que
deveriam se ligar, mas cada sujeito é polo igual aos demais sujeitos. E polos
iguais se repelem.
São da extrema direita por que se acham extremos. Ou seja,
se percebem como diferentes das demais pessoas. Mesmo entre seus iguais
ideológicos, continuam se sentindo mais merecedores que os outros. Como todos se
medem por seus egocentrismos, o jogo de permanecer no grupo é duro, muito duro.
Percebam que se todos se sentem merecedores do máximo de
benesses, não haverá máximas benesses suficientes para todos. Haverá uma
disputa eterna, um jogo excludente sempre em execução. Que nome poderíamos dar
a este jogo? Quem pode mais, chora menos.
É a lógica da meritocracia entre aqueles que acreditam
terem mais méritos que os demais.
E por que se mantém juntos? Ora, primeiro por que seus
interesses são similares. Associados tudo fica mais fácil, afinal, sabem que
são minoria no contexto social brasileiro. Não que serem minoria seja um
problema para estes egocêntricos. Ao contrário: o desejo de serem únicos e
especiais os fazem orgulhos de serem poucos. Em segundo lugar por que sem os outros
egocêntricos, não haveria com quem demonstrarem suas qualidades especiais.
Seria como jogar o jogo de ser melhor que o outro, sem ter oponentes
para ratificar a excepcionalidade do vencedor.
O problema fundamental não se resolve: Como cada
egocêntrico vê o mundo através de suas próprias aspirações e desejos, não há
mundo suficiente para o grupo destes indivíduos.
Quero dizer, parafraseando a Professora Tilburi, que os
egocêntricos se unem e até cooperam entre si. Mas, nenhum abre mão de ser mais
e fazer os outros serem menos. Por isto esta reunião é uma reunião paranoica.
Sentam-se uns ao lado dos outros. Sempre próximos e visíveis entre si não por
que se sintam iguais, mas por que temem serem enganados uns pelos outros. Cada
um é um enganador e possível enganado.
Nada estranhável: é um grupo de sujeitos em que cada um se
percebe como mais inteligente que o outro, mais astuto e mais perigoso que seus
companheiros.
Até na periculosidade vale a meritocracia: que vença o mais
perigoso.
Não há fraternidade ou simpatia neste grupo. Há interesses
a serem defendidos. Convivem, toleram-se. Ritualizados se cumprimentam e
sorriem. Nos bolsos gravadores de voz. Nos celulares as provas dos conluios.
Cada um é o centro de tudo e tudo é centralizado nos interesses individuais.
Portanto, egocêntricos também se reúnem e colaboram entre
si. Mas de maneira paranoica.
Vemos esta realidade não só nas altas esferas do governo
Federal. Também percebemos o mesmo comportamento nos seguidores e apoiadores destes
poderosos da extrema-direita.
Todos se ajudam e se apoiam. Cada um acreditando que está
apoiando e ajudando a si mesmo.
Falo de fatos. Basta acompanharmos as peripécias do presidente, dos
ministros de governo e seus apoiadores no Congresso. E caso o leitor conheça
grupos de “amigos” da extrema-direita que acreditam fazer parte de uma elite, perceberá as mesmas característica aqui
descritas.