sábado, 29 de agosto de 2020

Elite: alguns egocêntricos se unem por algum tempo. Por algum tempo!




Um bando de egoístas juntos tem conseguido, sem transcender ao egoísmo, fundar corporações religiosas e outras mais voltadas à exploração pura e simples da fé do outro e de sua capacidade para o trabalho e a entrega.    (Marcia Tilburi. Delírio do poder) – Grifo meu

Se vamos usar como mote a expressão egocentrismo, é necessário primeiro reparar no seu conceito e nuances. 

Uma boa perspectiva para compreender o egocentrismo é partir da convicção de que o egocêntrico vive uma ilusão: a de que ele é ou merecer ser o centro das atenções. Em uma criança de dois até, talvez, seis anos é aceitável. É uma questão biológica, maturacional do cérebro humano. Até que organicamente chega o momento em que a psiquê percebe que não é o centro de muitas coisas. No máximo e por algum tempo, da sua família. Logo percebe que é apenas mais um humano entre outros tantos.

Caso o sujeito permaneça focado em si mesmo e deste ponto trace as referências para submeter o mundo a ele mesmo, radicalizará sua dificuldade em se colocar no lugar do outro. A vivência com outras pessoas deve forçar este desfoque de si. Não ocorrendo, a visão de mundo deste sujeito egocentrado sofrerá sérias anomalias. 

As pessoas que não conseguem pensar o social saindo de si mesmas, que não conseguem se pôr no contexto de ser uma pessoa igual a tantas outras, permitem a si mesmas defender o racismo, a morte de alguém (mesmo que considerado bandido) e a competição social pela sobrevivência.

Somente sujeitos que se acham de alguma forma especiais, e especialmente merecedores das benesses sociais, conseguem defender o capitalismo neoliberal, onde o capital é reservado para alguns. E, claramente, o defensor destes itens relacionados, se considera parte destes “alguns”. Nunca se sente uma pessoa comum. Ele credita ser merecedor das benesses do capital. 

Os demais, caso não tenham algum privilégio é por que não são merecedores.  Simples assim.

Estes “alguns” sempre tentam se sobressair, mesmo entre eles mesmos. Percebem-se como merecedores natos de serem tratados como melhores. Uma espécie de atavismo seletivo. Entretanto, sofrem de uma maldição egocêntrica:  mesmo filiados a um grupo que represente seus interesses, querem sempre ser os especiais entre os especiais.

Daí sentem muita inveja, são melindrosos (e agressivos), arrogantes e espetaculosos. Espetaculosos por que exaltam seus atributos, posses, amizades ilustres e sua riqueza (verdadeira ou imaginária- lembremos a figura caricata do “pobre de direita”).

A inserção do indivíduo egocêntrico na plêiade de amigos egocentrados sempre é difícil e, provavelmente, impossível em plenitude. São egocêntricos entre egocêntricos: repelem-se mutuamente. São como imãs que deveriam se ligar, mas cada sujeito é polo igual aos demais sujeitos. E polos iguais se repelem.

São da extrema direita por que se acham extremos. Ou seja, se percebem como diferentes das demais pessoas. Mesmo entre seus iguais ideológicos, continuam se sentindo mais merecedores que os outros. Como todos se medem por seus egocentrismos, o jogo de permanecer no grupo é duro, muito duro.

Percebam que se todos se sentem merecedores do máximo de benesses, não haverá máximas benesses suficientes para todos. Haverá uma disputa eterna, um jogo excludente sempre em execução. Que nome poderíamos dar a este jogo? Quem pode mais, chora menos.

É a lógica da meritocracia entre aqueles que acreditam terem mais méritos que os demais.

E por que se mantém juntos? Ora, primeiro por que seus interesses são similares. Associados tudo fica mais fácil, afinal, sabem que são minoria no contexto social brasileiro. Não que serem minoria seja um problema para estes egocêntricos. Ao contrário: o desejo de serem únicos e especiais os fazem orgulhos de serem poucos. Em segundo lugar por que sem os outros egocêntricos, não haveria com quem demonstrarem suas qualidades especiais.

Seria como jogar o jogo de ser melhor que o outro, sem ter oponentes para ratificar a excepcionalidade do vencedor.

O problema fundamental não se resolve: Como cada egocêntrico vê o mundo através de suas próprias aspirações e desejos, não há mundo suficiente para o grupo destes indivíduos.

Quero dizer, parafraseando a Professora Tilburi, que os egocêntricos se unem e até cooperam entre si. Mas, nenhum abre mão de ser mais e fazer os outros serem menos. Por isto esta reunião é uma reunião paranoica. Sentam-se uns ao lado dos outros. Sempre próximos e visíveis entre si não por que se sintam iguais, mas por que temem serem enganados uns pelos outros. Cada um é um enganador e possível enganado.

Nada estranhável: é um grupo de sujeitos em que cada um se percebe como mais inteligente que o outro, mais astuto e mais perigoso que seus companheiros.

Até na periculosidade vale a meritocracia: que vença o mais perigoso.

Não há fraternidade ou simpatia neste grupo. Há interesses a serem defendidos. Convivem, toleram-se. Ritualizados se cumprimentam e sorriem. Nos bolsos gravadores de voz. Nos celulares as provas dos conluios. Cada um é o centro de tudo e tudo é centralizado nos interesses individuais.

Portanto, egocêntricos também se reúnem e colaboram entre si. Mas de maneira paranoica.

Vemos esta realidade não só nas altas esferas do governo Federal. Também percebemos o mesmo comportamento nos seguidores e apoiadores destes poderosos da extrema-direita.  

Todos se ajudam e se apoiam. Cada um acreditando que está apoiando e ajudando a si mesmo.

Falo de fatos. Basta acompanharmos as peripécias do presidente, dos ministros de governo e seus apoiadores no Congresso. E caso o leitor conheça grupos de “amigos” da extrema-direita que acreditam fazer parte de uma elite, perceberá as mesmas característica aqui descritas.








quarta-feira, 26 de agosto de 2020

A tirania da maioria: um perigo





Historicamente inúmeros intelectuais contra a democracia argumentaram e, muitos ainda hoje, apontam para o perigo sempre presente de os governos democráticos decaírem para a tirania da maioria. A questão numérica é exata: há sempre minorias e maiorias.

A igualdade numérica (empate) entre as pessoas que disputam algo no grupo nada decide, ao contrário, divide-o. A sociedade dividida está sujeita a crises de violência. Só o que decide (e pacifica) é a desigualdade (numérica). A única paridade (paridade de armas, poderia dizer) ocorre nas regras do jogo. São elas que dão iguais limites aos postulantes na assembleia.

A democracia é uma assembleia regrada que tende a evitar empates numéricos.

A maioria popular quer governar através do seu representante. Levam para os cargos eletivos políticos evidentemente vinculados aos seus desejos. Podendo até ser algoz de si mesma. Esta maioria pode ser opressora e cruel exigindo do eleito coisas antidemocráticas. As massas que apoiam o fascismo é uma prova disto.

A população não é a priori uma massa fácil de manobrar. Mas, a história fartamente demonstra que é possível eu e você, nós o povo, sermos manipulados. Apesar de geralmente não sermos inocentes desta manipulação.

O grupo elite que é o dono real do poder político, ama a democracia sob o ponto de vista da lógica matemática de fazer/criar maioria. E ama por que pode/sabe manipular.
  
Este grupo poderoso não pensa no resultado político das suas ações a longo prazo. Pensa apenas em como ganhar o jogo da maioria dentro das regras (se possível) e no menor tempo possível (no tempo do lucro). A intenção é agir de forma a ampliar o retorno favorável para si com o mínimo de esforço que for possível. É um jogo onde o convencimento é uma ferramenta. Lançado o jogo pela criação de uma maioria, a fraternidade e a confiança não são possíveis entre os contendores.

A questão nada ética é: como maximizar os resultados? O jogo é pesado e o empate é o mesmo que perder. Só haverá consenso ou acordo para que um lado tenha maioria.  Manipula-se o adversário e as pessoas. Lembrando que a melhor manipulação é aquela que mais cria adversários, oponentes, inimigos. Evita-se assim qualquer confiança entre os jogadores.

Nesta disputa necessariamente ocorrerá um efeito colateral. Ao manipular a população, esta vai agir de acordo com esta manipulação por muito tempo. Uma espécie de inércia a fará andar na mesma direção da manipulação. Como um imenso trem, cheio de vagões, que quando precisar parar rapidamente não conseguirá.

É a força cinética se deslocando. Quanto maior o peso (ideológico), maior a inércia.

Os argumentos fascistas ganham a maioria e a convencem do fascismo. Então, torna-se fascista. O risco é grande.

Os poderosos, aqueles que realmente comandam a política, como numa maldição, terão que também conviver neste ambiente fascista. O que não é bom nem para estes poderosos.

O mal de hoje se estenderá no tempo.

É como envenenar o rio com agrotóxico hoje e depois, ao navegar nele para pescas futuras, não querer sofrer as consequências da sua insensatez anterior. O navegante agora deverá agir de acordo com as exigências das águas contaminadas. Não tem escolha.

A democracia, como soberania popular, é frágil em sua manutenção. Principalmente onde o desconhecimento político é moeda corrente, onde o desemprego aprisiona o pensamento, onde a mídia dita modas. A democracia pode se tornar uma demagogia fascista de extrema direita.  Mas o ganhador deste jogo sofrerá as consequências das suas táticas empregadas. 

A energia cinética extremista imposta ao povo não há de se dissipar facilmente. Extremistas gerarão mais extremistas. Funcionários públicos, militares, juízes, promotores e professores: sempre haverá alguém nestes espaços representando os extremismos.  É o efeito colateral do jogo jogado desta forma.

Claro que isto não invalida a democracia, mas acresce sérios cuidados com o cultivo das consciências para a importância vital da reflexão sobre a política.

A democracia não é algo que se estabelece sem esforços, muito menos sem preocupações com a sua manutenção. Mantê-la saudável exige muito esforço.

Meu desejo com este escrito é alertar para a necessidade de melhorar a capacidade de discriminação do povo, de dar mais informações de qualidade, de apontar para a potencialização da reflexão.

É necessário fazer uma melhor distribuição social dos bens culturais: oferta de escolas, de livros, de jornais, de arte crítica, de humor, de tudo que incentive o pensamento crítico na política.  É preciso alertar o povo que ele pode ser tirano de si mesmo.

Quêm lê muito não faz nada. Verdade?