quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Liberalismo? Só a onze mil metros!




No jargão dos pilotos de aeronaves, a expressão altitude de cruzeiro significa voar a cerca de onze mil metros. A esta altitude é possível ao avião gastar menos combustível, e a turbulência é bem menor que nas altitudes mais baixas.  Onze mil metros é bom para maximizar os resultados da aeronave. Manobras bruscas, subir, descer e vencer a resistência do ar significa maior gasto de combustível. Então, melhor é manter-se lá em cima. Tranquilão.



Escolhi estas metáforas (altitude de cruzeiro e aviões) por que entendo que se aplicam perfeitamente ao liberalismo.  Quero dizer que o liberalismo só é possível quando a economia está em altura de cruzeiro. Acrescentando uma pitada de ética e de política: em altura de cruzeiro para todos.  Não é possível imaginarmos que no mesmo avião, alguns passageiros enfrentem turbulência e outros não. Ou é para todos ou é para ninguém.



Os defensores do liberalismo tentam resolver este dilema: não colocam todos os passageiros juntos na mesma aeronave. Imaginam que há voos de péssima qualidade para uns e perfeito para outros. Até o ponto em que os voos de péssima qualidade ficam tão caros (pois consomem muito combustível, estão abaixo da altitude de cruzeiro) que sequer saem do chão. Afinal, somente a altitude de cruzeiro é eficiente e mais barata.



 Interessante, não? A péssima qualidade acaba saindo caro. Entretanto, a boa qualidade (mais barata) não é para todos. Neste caso, algumas aeronaves nãos sairão do chão.



O liberalismo funciona na altitude dos que podem escolher sua educação, dos que podem fazer apostas como empreendedores, dos que podem suportar algum fracasso sem comprometer seriamente suas vidas.  A liberdade e o risco controlado (risco não fatal) só ocorrem na altura de onze mil metros. Neste tipo de voo, além da resistência do ar ser menor, os equívocos do piloto podem ser consertados a tempo, sem danos maiores. Errar é até confortável. Há bastantes formas de se manter seguro. No máximo uma pequena turbulência. Estes voos estão amparados por apólices de seguro, reservas monetárias, famílias estruturadas e até o Estado está disponível para ajudar (pois tem interesse nos que voam a esta altitude).



Os economistas, os políticos e todos os que se envolvem na arquitetura dos aeroportos, nas rotas de voos e nos mecanismos de incentivo, pensam e se orientam pela altitude de cruzeiro.





Esta altitude está liberada para todos. Pensa-se que só não alcança os onze mil metros quem não quer ou quem não merece. Não há por que pensar nos teco-tecos que não podem chegar a esta altitude. Estas aeronaves apenas atrapalham o fluxo dos demais aviões potentes.  Se a potencia dos supermotores os mantem nas alturas, que os motores frágeis fiquem no chão ou arranjem (sabe Deus lá como!) mais potência. Improvisem! Sejam criativos!



As elites brasileiras estão a onze mil metros. Ignoram os abaixo. Desejam um país nestas altitudes. Contam aos teco-tecos que, caso se esforcem muito, mas muito mesmo, voarão mais alto. Então os pequenos passam a amar as altitudes rarefeitas e belas. Caem aos montões, como moscas. Entretanto, apoiam as grandes aeronaves. Sonham em ser como elas. Turbinam suas pequenas embarcações aéreas e tentam grandes saltos. Chegam a ver as fuselagens prateadas dos aviões longínquos.  E quando suas asas quebram ou quando seus motores superaquecidos falham e caem, sempre a culpa é do piloto incauto. Juntada as ferragens e limpo o solo, é a vez de outro aviãozinho. Se cair, já sabemos: culpemos o piloto.

Quêm lê muito não faz nada. Verdade?