quinta-feira, 2 de maio de 2019

O governo brasileiro, o Leviatã, a mão invisível do mercado e o Frankenstein



     
     
      Para que faça sentido o que vou dizer neste texto, é preciso que nos lembremos de três elementos importantes: o Leviatã, a mão invisível do mercado e o Frankenstein. Não seguirei a ordem cronológica do surgimento de cada um deste trio, mas a ordem lógica dos meus argumentos.
     
      O leviatã é a figura fantástica imaginada por Hobbes, significando a força do Estado. É uma entidade fortíssima e assustadora. É feita de crânios humanos sob uma coroa (é um rei). Numa das mãos tem um cetro (mão esquerda), noutra uma espada. Isto porque ele é feito de cidadãos (crânios) , detém a justiça divina e a força militar. Segundo Hobbes, como o homem é o lobo do homem, o Estado tem que ser o Leviatã. Uma instituição forte que nada deve aos indivíduos, mas estes devem a segurança e manutenção das suas vidas a ele (o Estado Leviatã). As pessoas para não morrerem em guerras constantes entre si criam e mantém o Estado. Vivem a ele subordinados. O indivíduo não questiona as leis, pois graças a elas está vivo. Viver entre pessoas é extremamente perigoso, segundo o filósofo Hobbes. É melhor a submissão total ao Estado do que morrer na insegurança da violência humana. Segundo o autor, é um preço pequeno para quem quer viver com tranquilidade e seguro. A escolha é bem simples e dual: ou a guerra de todos contra todos (a morte certa) ou a submissão plena.
     
       No Leviatã Hobbes (1587-1666) parte do princípio de que os homens são egoístas e que o mundo não satisfaz todas as suas necessidades, defende por isso que no Estado Natural, sem a existência da sociedade civil, há necessariamente competição entre os homens pela riqueza, segurança e glória. A luta que se segue é a «guerra de todos contra todos», na célebre formulação de Hobbes, em que por isso não pode haver comércio, indústria ou civilização, e em que a vida do homem é «solitária, pobre, suja, brutal e curta.» A luta ocorre porque cada homem persegue racionalmente os seus próprios interesses, sem que o resultado interesse a alguém. (http://www.arqnet.pt/portal/teoria/leviata.html)
     
     
      Adam Smith (1723 — 1790) idealizou a teoria que ele chamou de “A mão invisível do mercado”. Este filósofo e economista afirmava que o Estado deve ser mínimo. Os governos deveriam ser meros administradores dos conflitos entre as pessoas. O mercado agiria por sim mesmo.  Evitando que os homens indisciplinados atrapalhassem os negócios, tudo naturalmente daria certo.  A mão invisível do mercado regularia os preços, os empregos, as riquezas. Nada de sobrenatural. Apenas ocorre que havendo muita oferta de produtos e pouca procura, o preço cai. Se há pouca oferta e muita procura, o preço sobe. O Estado nada tem a ver com isso; nem deve intervir. As pessoas são livres para ofertarem e para consumirem o que quiserem nas quantidades que quiserem. Se querem muito, pagam mais. Se querem pouco e o produto tem em abundância, pagam pouco.  A lei da oferta e da procura é similar às leis matemáticas. Interferir na liberdade de escolha em consumir ou não, em pagar mais ou menos, é uma insensatez. Não cabe ao Estado decidir: é o produtor e o consumidor que escolhem. As leis estatais não só protegem a mão invisível quanto impedem a violência. Simples assim.
      
       Em A Riqueza das Nações (1776), Adam Smith cunha um conceito de grande valia para os liberais até hoje. A Teoria da Mão Invisível fala a respeito da auto-regulamentação do mercado. Dessa forma, dentro de uma economia de mercado – fosse interna ou externa – o próprio mercado se fiscalizaria. Desta maneira, apesar de não existir uma entidade coordenadora estatal e comunal, a ação dos indivíduos seguiria uma ordem. A esta ordem de ações reguladas dá-se o nome de mão invisível, que orientaria a economia. A mão invisível que Smith se refere pode ser facilmente comparada ao que hoje se entende por “oferta e procura”. Para tanto, o mercado regularia a si mesmo conforme as necessidades do consumidor, segundo o teórico. (https://www.todoestudo.com.br/historia/adam-smith)
     
     
      A história do Frankenstein é bem conhecida. Um cientista amalucado junta pedaços de corpos humanos e constrói uma criatura com eles. O conflito: acontece que a criatura não é só uma coisa, mas não é humana também. Não há espaço para ela nem entre os humanos, nem entre os animais. A criatura sofre rejeição e violência. Fica claro que fazer uma pessoa juntando os pedaços de outras, não é coisa que vá dar certo. Vejam que não falo de doação de órgãos, mas de construção de pessoas.
     
      Agora convido vocês a imaginarem a situação complexa que vou mostrar. Imaginemos que o leviatã de Hobbes é como o Frankenstein; um amontoado de partes. O Leviatã que proponho é um Estado Frankenstein, feito do somatório amalucado de duas ideologias incompatíveis.  São elas:
      a) a ideologia de Hobbes, afirmando que é preciso um Estado brasileiro forte e terrível para evitar a luta de todos contra todos. Um governo central que quer a submissão em troca de manter vivos os cidadãos de bem.
      b) Também a ideologia do Smith, pregando o Estado brasileiro mínimo, um ente político apenas burocrático e muito leve. Um governo que exista somente para garantir a mão invisível do mercado.
     
      Imaginem o resultado desta fórmula: Hobbes (leviatã) + Smith (mão invisível do mercado) = Estado Frankstein.
     
      Aponto a contradição fatal que ocorre: propõe-se um Estado forte (absoluto) para impor um Estado mínimo. Uma contradição em si mesma! É como dizer que é possível obrigar livremente alguém a ser livre!
     
      Usar o governo brasileiro o pesado discurso de força para impor a leveza da mão invisível do mercado, é uma monstruosidade lógica, uma incoerência ideológica fatal.  O Brasil é, hoje, um leviatã gigante assombrado pela fantasmagórica mão invisível. É um monstro sem lugar no mundo da política, um Frankenstein.
     
      Nosso atual governo é um governo Frankstein.  Apesar da incompatibilidade, a administração federal tenta articular o discurso liberal extremo com a extrema intervenção estatal. Em nome da liberdade, propõe a perseguição forte a quem pensa diferente. Na tentativa de unir ideologias tão díspares e irreconciliáveis, separou o país em esquerdistas (que devem ser eliminados) e em cidadãos de bem (que devem ser protegidos em suas liberdades econômicas).
     
      Ao mesmo tempo a política governamental é doce para uns e dura para outros. Para uns o discurso é beligerante e policialesco, para outros, o discurso é leve, liberal. Esta visão do executivo federal é dicotômica, egocentrada e míope. Joga uns contra os outros. Açula o cidadão “de bem contra” o do mal, o esquerdista.
     
      Este Leviatã Frankenstein brasileiro, pobre de linguagem, coloca no saco da “esquerda” todos os que se contrapõe a ele.  Inclusive usando como mantra o termo marxismo cultural. Um mantra que não consegue ser explicado pelo ente governamental. Não consegue nem pode. Não pode explicar este conceito por que ao explicar, dilui-se, evapora-se, some. O marxismo cultural proposto pelo Estado Frankenstein não tem conteúdo. Não tem conteúdo por que é feito para caber todos os dissidentes dentro dele.
     
      O leviatã Frankenstein brasileiro chama de inimigos cidadãos da mesma pátria. Cujo crime é pensar diferente. Tenta recriar o medo da luta de todos contra todos. Este monstro estatal amalucado quer a guerra fratricida. Talvez queira dividir para conquistar.
     
      Não está claro o que governo atual quer. O governo Bolsonaro terá que decidir: ou quer a mão invisível do mercado, ou quer ser o Leviatã Frankenstein. Os dois não dá. Enquanto não se decide, ficamos enredados numa confusão ideológica. Perde a economia, perde a cidadania, enfim, só há perdas e nunca ganhos.
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     

sexta-feira, 29 de março de 2019

Século XXI: é um orgulho ser ignorante.


Abdução de um escritor em hospital de Santa Maria




A sensação foi de abdução. Logo que cheguei fui imediatamente abduzido para uma sala extremamente fria, muito iluminada e habitada por uma falange de criaturas de branco. Assim que cheguei fui crucificado sobre uma mesa estreita. Cada um dos indivíduos de branco tinha uma missão específica. Uns ataram meus pulsos mantendo-me de braços abertos, como Cristo. Outros furaram minhas mãos colocando caninhos flexíveis, dutos estranhos. Dutos especiais que pareciam sugar meu sangue. Outros tantos ligaram aparelhos enigmáticos a meu corpo. Fiquei atado firmemente por tecidos e fitas similares a esparadrapo. Também fui rapidamente plugado a monitores fantasmagóricos. Pouco falavam comigo. O frio e a angústia eram enervantes.

Em dado momento uma pessoa também de branco deu-me a fatal sentença: “Vou injetar em ti algo que vai dar-te tonturas e sentir-te-ás mal. Isso é normal nesta situação”. Sem ter como reagir, antes de poder queixar-me o líquido foi injetado rasgando-me as veias, e de fato fiquei tonto e enjoado. Para eles então, tudo ficou mais fácil. Comigo fora de combate, atordoado quimicamente, voaram sobre mim cada vez mais me preparando. Alguns minutos passaram. Retornou a figura exótica que me injetou a potente poção e, novamente, sentenciou: “Agora vou introduzir em teu organismo uma química forte, vais dormir imediatamente. Relaxa que logo vais acordar e tudo terá terminado.” E assim foi. Nada pude fazer, não pude expressar nada. Creio que sorri antes de dormir como um morto dormiria. Fui corajoso. Em nenhum momento expressei meu medo. Heróis morrem amedrontados sem se importar com o próprio medo. Meu atavismo gaúcho bradava dentro de mim: que venham as dores, as mutilações e as torturas, não vou implorar por piedade.

Dizem que tudo é relativo. Que tudo depende do ponto de vista. Os médicos e enfermeiros viam apenas um paciente com cólicas renais. Eu via o que queria ver e juro, foi como eu descrevi. Contaram para todos que eu tinha um cálculo renal. Na verdade, eu sei que foi uma conspiração. Colocaram algum chip em mim, algum aparelho diabólico para saberem tudo que eu faço e penso. Afirmo e torno público que não foi uma cirurgia! Foi uma abdução. Os aliens vestiam-se como médicos, enfermeiros e técnicos.  Nesse momento já me sinto diferente. O DNA alienígena está provocando mutações em meu corpo. Ninguém percebe. Nada posso fazer se só eu sei o que aconteceu. Poucos acreditarão, eu sei.

Apesar de ser uma intervenção extraterrestre, preciso dizer que fui bem atendido. Trataram-me com especial gentileza e rara dedicação. Bastava acionar um mecanismo que produzia um som estridente, como uma campainha, e as enfermeiras aliens surgiam e davam-me analgésicos de outro mundo e a dor desaparecia. Era tão especial o carinho por mim que, logo percebi, era claro que se sentiam culpados pela abdução de um terráqueo tão indefeso. Fica aqui minha denúncia.


Quêm lê muito não faz nada. Verdade?