Quando
falamos em confiança no Estado, necessariamente surge nas mentes as palavras
esperança, crença e reputação. Confiar significa esperar que as consequências
das ações sejam sempre similares, quando ocorrerem nas mesmas circunstâncias. É
a “fé” em que quem julga os acontecimentos, os julgará de forma sempre
previsível, pois há normas que regulam. Para que haja confiança, quem julga tem
boa reputação. Sua história o antecede. Faltando estes elementos, não é
possível ter confiança. Numa sociedade feita por pessoas sem confiança, valeria
o dito hobbesiano: o homem é o lobo do homem.
O Estado
se apresenta (ou deveria se apresentar) como uma instituição em que se pode
confiar. Ele é a instituição máxima que resolve os conflitos, que dá as condições
para a harmonia social. A confiança harmoniza a sociedade. A sensação é que o
Estado é onipresente, corrigindo os desvios, reconduzindo os desviantes à
normalidade legal. A existência dos poderes públicos, só se justifica porque se
pautam pelo desejo de garantir a segurança, a confiança e a estabilidade
social.
Numa
sociedade, quanto mais rápido os valores tradicionais mudam, quanto mais a
crise da moralidade entre as pessoas se agudiza, mais o Estado sobre a
sociedade se torna atuante. Tem que pôr nos trilhos os vagões que trepidam.
Quanto
menor a crença dos indivíduos no culturalmente correto, mais o judiciário é
chamado a intervir impondo então o legalmente justo (na falta do culturalmente
correto). Quanto mais as pessoas descumprem as normas, mais o Estado é chamado
a intervir. Quanto menor o desejo de respeitar as imposições da polis, maior
será a intervenção dos poderes públicos.
A
globalização sempre on-line relativizando culturas, fortalecendo o individualismo,
facilitando as crises morais e estimulando a crescente competição entre as
pessoas, enfraquece a confiança entre os cidadãos. Como consequência, as pessoas ficam cada vez
mais dependentes da confiança delas nas imposições do Estado, para que este
possa dirimir os conflitos sociais. Esta dependência é crescente: a autonomia
das pessoas cedeu ao egoísmo.
A
confiança no Estado não é algo natural. As pessoas têm que aprenderem a
confiarem nele. A confiança deve ser ratificada pelas instituições públicas
diariamente. Portanto, as instituições
públicas devem merecer na prática esta crença. A cada ação do Estado sobre o
indivíduo, este o avalia. Então, o povo poderá (ou não) se sentir seguro. Por
isso, é tão importante que as decisões estatais sejam sempre fundamentadas e
justificadas de modo simples. É preciso que as pessoas percebam (e entendam) a
importância da normalidade e da previsibilidade que é (ou deve ser) garantida
pelo Estado.
O povo
precisa cada vez mais da confiança no Estado. Mas, e quando este não a merece?
Quando
os agentes públicos agem de forma imoral, provocam um grande estrago. Eles
atentam contra a alma da organização estatal: a confiança nela! Mais grave é
quando são agentes políticos. Os detentores de cargos eletivos, os ministros ou
secretários de governo, mais fortemente representam o Estado. Estes, portanto,
cometem crime maior. Eles atentam contra a confiança e contra a estabilidade
civilizatória dentro do Estado.
A
confiança vem de fora de quem a merece. É a outra pessoa que se deixa levar
este sentimento. Tem que ser merecida diariamente. É uma conquista frágil.
Melhor dizendo: a confiança é sempre uma reconquista!
Quando
um cidadão passa a desconfiar do judiciário, do legislativo ou do executivo,
torna-se um áspero grão de areia atritando nas engrenagens dos poderes
públicos. Em um primeiro momento, um único grão de areia é destruído pelas
grandes engrenagens da máquina pública. Entretanto, um punhado de grãos de
areia impedem seu funcionamento. Quilos e mais quilos de grãos ameaçam com sua resistência a integridade das engrenagens. Ela fica lenta. Entorta. Range.
Trepida a cada momento. Então, cada
movimento ruidoso da máquina pública gera mais desconfiança, pois está cada vez
pior. Quanto mais desconfiança, mais insegurança. Em determinado momento, os
lubrificantes não fazem mais efeito.
Então,
para controlar os cidadãos num ambiente de desconfiança, um tanto de força
estatal é utilizada. Depois, mais um tantinho. Num dia é uma condução
coercitiva ilegal. No outro, um par de algemas sendo usado sem porquê. Na
semana seguinte, um juiz exacerba e ignora algum direito fundamental. Noutro
momento um negro morre por engano. E por último, o STF decide a favor ou contra observando a biruta dos ventos políticos. A desconfiança vence.
A
máquina do Estado estala cheia da areia dos desconfiados e agora cidadãos
arredios.
O
legislativo é visto como um perigo ao que é justo. Os próprios membros do
legislativo chamam o judiciário para decidir sobre suas mazelas. Mas o
judiciário “eólico” (ritimado pela biruta dos ventos políticos) também está
adoentado. Também não é bem visto pelos cidadãos. A máquina estatal trava
rangendo as suas entranhas. Agora é a vez do executivo avançar sobre o
legislativo na tentativa de controla-lo. Como ter confiança?
Esta
situação coloca o Estado sobre tal grau de desconfiança popular, que a força e
a imposição estatal se tornam corriqueiras. Portanto, o Estado erra duas vezes.
Quando permite a desconfiança do povo e quando, tentando reduzir os danos,
exorbita se utilizando da violência (legal – lawfare -, simbólica, midiática ou
física).
Deixando
de ser depositário da esperança, da crença ética e de uma boa reputação, as
instituições públicas tornam-se imorais, incompatíveis com a democracia e,
principalmente, ilegítimas. Ilegítimo é o exercício de um poder público quando
não autorizado pelos cidadãos. Quando não é popularmente autorizado, é
incompatível com a democracia. Imoralidade, incompatibilidade e ilegitimidade:
estes são, portanto, os três “is” fatais. O Estado quando flechado três vezes,
morre para renascer fora dos limites da confiança e, por consequência, renasce
um fora da lei.