quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Era uma vez um louco muito louco...(Conto para a Educação Infantil)

 


 

Era uma vez um lugar onde havia tudo para todos. Tinha muitos rios. Tantos que ninguém ficava sem nadar se quisesse. Os rios eram cheios de peixe. Eram tantos que todos podiam pescar. Esse lugar era tão bom que as árvores tinham como fruto coisas bem gostosas. Algumas árvores davam pão. Outras estavam cheias de bolachas recheadas. No quintal das casas, tinha pé de arroz com feijão e um pomar lotado de frutas mingau com aveia. Havia árvores de todos os tipos e gostos. Além disso, se as crianças deste lugar misturassem as sementes, as árvores misturavam os sabores também. Havia frutas coloridas de vários sabores na mesma árvore!

 

Pelos campos as vaquinhas tinham torneirinhas nas tetas. Todos podiam beber leite. As vacas pretas, ofereciam café com leite. As marrons forneciam achocolatado.  As brancas, claro, tinham nas torneirinhas leite puro. As magras e brancas tinha leite light, claro! Elas vagavam pelos campos, disponíveis.  As casas eram simples e confortáveis. Eram, inclusive, muito parecidas. Tinha tanta coisa, mas tanta coisa que ninguém dizia “isso é meu”, pois todos tinham tudo e até sobrava.

 

         Um dia um jovem caiu e bateu forte com a cabeça. Pof!  Ficou maluquinho, maluquinho! Dava até pena! Ele era bonzinho, mas não estava bem da bola. Ficou esquisito, cheio de manias. Cada dia ficava mais maluco. Os médicos deste lugar legal, não conseguiam cura-lo. O jovem cada vez era menos feliz, mesmo tendo tudo. Então enlouqueceu totalmente. Sabe o que ele fez?

 

Acordou numa bela manhã e foi até o jardim da sua casa. Começou a construir uma cerca. Todos estranharam... uma cerca? Para quê? Todos se visitavam, eram amigos, e todos tinham tudo, não precisava proteção.  Ele estava cada vez mais louco, coitado! Plantou árvores no seu jardim. Criou cachorros bravos e colocou no pátio. Quando estava na pior fase da sua loucura, usou uma palavra pouco usada naquele lugar. Alguns nem a conheciam. Ele disse:

 

Não entrem aqui. Essa casa é MINHA. Este cachorro é MEU. Estas árvores são MINHAS.

 

No início as pessoas riram. Ora, que ideia estranha essa de ter coisas! Se ele tinha um cachorro, todos tinham também. Se amava bichinhos, todos amavam também. Se ele tinha casa, todos também tinham! Que jovem louco! Todos riam e não davam ouvidos ao rapaz.

 

A loucura aumentou. Um dia ele pegou mais um cachorrinho da rua e disse a todos:

 

Vocês têm UM cachorro e agora eu tenho DOIS. Vocês têm UMA casa e eu vou construir outra para ter DUAS casas!

 

Algo estranho aconteceu! Talvez aquela loucura fosse contagiante! As pessoas pararam, emburrecidas, para pensar sobre aquelas ideias do louco. E, pasmem, acreditaram nela! 

 

Como se forrem vírus, as ideias malucas infectaram as pessoas.

 

Muitos foram correndo para suas únicas casas para construírem muros e fazerem mais casas. Então alguns teriam UMA coisa e outras teriam DUAS ou MAIS coisas! Que loucura, como acreditaram que uma coisa é pouco, e que é melhor ter mais???? Se é difícil cuidar com carinho poucas coisas, como cuidar de várias! Um absurdo!!!!

 

O jovem louco piorava. Inventou mais ideias loucas. Chamou seus irmãos e disse que precisava cuidar das suas DUAS casas e de seus DOIS cachorros. Afinal, alguém poderia pegar as coisas que ele tinha em excesso, e que os outros só tinham UMA. Ter o suficiente caíra de moda! 

 

Todos ficaram mais loucos ainda. E passaram, por puro gosto, a proteger os que tinham mais que os outros! Quem tinha UMA coisa, protegia quem tinha DUAS ou mais! Ora, pensavam, hoje eu tenho UMA coisa, mas amanhã posso ter MAIS. Então, é preciso proteger o meu futuro e defender os excessos!

 

Tempos depois, todos já doentes da cabeça, aconteceu o pior. Alguém tentou pegar o que o outro tinha sobrando. E quem protegia o que era excessivo, teve que bater em alguém que só tinha UMA coisa, e que tentou ter DUAS.

 

Ninguém mais foi feliz ali. Tu podes imaginar porquê?

 

 

domingo, 12 de setembro de 2021

Contexto! Contexto! Contexto!

 


     

         O mote: Lei que resolve muitos problemas: lei-tura.

     

Em pleno domingo, acordei e já me deparo com alguns (bons) comentários sobre o compartilhamento que fiz no Facebook.  Refiro-me a frase do mote: Lei que resolve muitos problemas: lei-tura.  Gostei da conversa virtual. Fez-me pensar.

     

A frase em epígrafe propõe uma justaposição de lei e de leitura.

     

O que é, grosso modo, a lei? É um pensamento lógico que se materializou na forma escrita. Baseia-se na imposição da vontade do Estado e no código léxico em comum (para ser entendido por todos). E a leitura? É mais complexa que o conceito de lei. Ler é um processo ativo, personalíssimo, volitivo, que se baseia em conhecimentos anteriores (que desenvolveram a competência de decodificação de algo ou de uma situação). Caso seja a leitura de algo escrito, é uma decodificação/interpretação de códigos (também baseado – mas não exaurido - no léxico). Opa! Então há leitura do não escrito? Sim! De uma obra de arte, por exemplo. Outro exemplo possível: a leitura visual do corpo de alguém enfezado!

     

Portanto, o texto não é apenas algo escrito?  Não, é mais que isso. Ele é um conjunto de enunciados coerentes, uma composição de signos que tenham sentido. Uma carta, uma pintura, uma ópera.

     

Tanto a lei quanto a leitura têm muitas coisas em comum. A exegese é uma delas. Fazer uma exegese é tentar interpretar para poder explicar um texto (a lei é um texto), uma expressão, um comportamento, um ato humano, enfim.

     

Os textos estão no mundo! Estão contidos num continente: a vida.

     

Como falei em mundo e vida, posso dizer que todo o texto tem um contexto.  Sempre que falo em contextos (com-textos), vem a minha mente a possibilidade de um escrito “sem-texto”! Piadinha, claro.

     

Contexto é a inter-relação, a situação em que algo se insere. Portanto, voltando a piadinha: sem contexto não há texto inteligível!  Querem um exemplo simplório? Observem a frase:

     

O cachorro do meu vizinho me incomoda. -  A situação que não muda de sentido é o incômodo. Entretanto, a depender do contexto, podemos entender que o vizinho é um cachorro, um cachorro que incomoda. Noutro sentido, o cachorro que pertence ao vizinho, incomoda.

     

E na lei, como seria? Pensemos a tese de legitima defesa. O que define sua legitimidade é o contexto dos acontecimentos. Um sujeito desarmado contra outro armado. Em princípio, a desproporção não permitirá a tese de legítima defesa, se o sujeito desferir um tiro fatal no outro. Contexto! Contexto! Contexto!

     

Tanto para ler a lei quanto para ler o mundo, é necessário a leitura. Ler! Ler! Ler!

      

Eis uma questão que se tornou agora bem relevante: onde se aprende a ler? Onde há o letramento? Geralmente no ambiente escolar. Onde se aprende a ler/interpretar as primeiras normas além dos familiares? Em muito, na escola. Portanto, aprende-se a ler textos e normas geralmente no contexto escolar.

     

O ambiente escolar é o contexto dos textos que serão lidos pelos infantes.

     

O letramento é uma questão, percebe-se, política. Pois é orientado pela vida que o cerca, pela ideologia que sustenta a comunidade em que ele ocorre. Já questionava Paulo Freire: Não existe imparcialidade. Todos são orientados por uma base ideológica. A questão é: sua base ideológica é inclusiva ou excludente?

     

A leitura de mundo será inclusiva ou excludente. Isto definirá o tipo de leitor/cidadão que se desenvolverá.

     

Concluo que tanto a leitura da lei quanto a aprendizagem da leitura, devem eticamente primeiro responder a questão do Paulo: a base ideológica que as sustém é inclusiva ou excludente? Se excludente, teremos problemas em ambos os contextos: o legal e o da leitura/interpretação do mundo.