quarta-feira, 12 de maio de 2021

Texto para complicar o conceito de Política. Uma experiência em Marte.

 


Ao observar as pessoas falando sobre Política como se soubessem do que falavam, resolvi escrever um texto para complicar e não para simplificar esse tema. Isso por que o que se entende por Política já está por demais empobrecido no seu uso diário. Posso afirmar isso porque percebo que este termo tão caro à Sociologia, à Ciência Política e à Filosofia foi subsumido à corrupção, às pessoas que buscam o poder e ao enriquecimento (não raro, ilícito).

 

Seria a Política apenas isso? Não!

 

Podemos afirmar que a resposta à pergunta sobre o conceito de Política, já é uma questão política. Quanto mais o conceito se aproximar da gestão do Estado ou do bem comum, tanto mais se aproximará da ideia de poder, de cooperação, de conciliação e da redução de conflitos. Nada mais político que estes quatro elementos! Há que se discutir muito para reunir estes conceitos – tão marcados pela polissemia - em um só.

 

A definição de Política é uma ação política. Negá-la também é.

 

Vamos refletir sobre o que quer a Política como ação prática. Podemos dizer que as ações que se dizem políticas querem (ou devem querer) o bem comum das sociedades envolvidas em um conflito. As sociedades não se reuniriam para discutir algum desacerto para tornar as coisas piores do que já estão.  Há aqui um problema escondido.

 

O que é o bem comum para grupos em conflito? É preciso que os envolvidos se reúnam - antes de qualquer ação - para definirem o que será bom (ou menos pior) para todos. Antes das negociações políticas para resolver dissensos, é preciso uma discussão política sobre o que é o bem comum naquela situação.

 

Política antes da política? Sim, é bem isso.

 

Vamos pensar mais um pouco. Há situações em que a ação Política é desnecessária?  Sim. Imaginemos duas pessoas que não se conhecem e não mantém relações alguma, nem tem pessoas conhecidas em comum. Portanto, não havendo nenhum vínculo não há o que discutir, não há o que negociar, não há desavenças nem projetos para o futuro. Logo, não há relações políticas possíveis. Também podemos imaginar duas pessoas hipotéticas totalmente concordantes entre si. Há total confiança que no futuro não haverá conflitos entre elas. Nesta relação fantástica, uma é reflexo da outra quando tomam decisões. Uma faz o que a outra faria. Se não faz, é por que a outra não faria. Nessa relação onírica, a Política não faria sentido, pois não haveria o que discutir, o que negociar. Na harmonia absoluta e perene, não há Política por desnecessidade.

 

A Política é necessária nas relações reais, conflitivas hoje ou possivelmente no futuro. Há que existir a possibilidade de dissensos.

 

Percebamos que o sentido que trabalhamos aqui não se resume a partidos políticos ou a gestão de Estados. Evidentemente que não excluímos estas realidades, mas estamos mostrando que são apenas partes de um todo.

 

O todo da Política contém as partes. As partes não invalidam o todo.

 

Já que estamos usando a imaginação, vou optar por imaginar a situação de um brasileiro, um astronauta. Ele é o primeiro homem a pisar em Marte. Ao pousar lá, percebeu que teve problemas na sua nave e ficará sozinho no planeta por no mínimo vinte e quatro horas. Na pior das hipóteses, para sempre.

 

Ao descer, levado por um impulso nacionalista, retira da nave uma bandeira do Brasil e uma haste de aço e lá coloca nosso símbolo nacional. Sorri nosso astronauta satisfeito. Percebe-se como um grande personagem na história do Brasil e do mundo (Terra).

 

Nosso homem ao colocar uma bandeira lá, realizou de fato um ato Político? Não! Por quê?  Não houve oposição nem reconhecimento ao seu ato. Ninguém presenciou. Não houve comunicação com nenhum outro ser consciente humano, nem alguma reciprocidade. Sequer houve legalidade ou ilegalidade. A humanidade não tem consciência deste fato. Observando todas estas negativas, percebe-se que a ação é inócua por não existir para a humanidade. Não tem valor algum pelo menos nas vinte e quatro horas em que não terá contado com a Terra. Caso não possa mais voltar ao nosso planeta, a inexistência do ato será definitiva.

 

É necessário para a ação ser Política o reconhecimento do ato (e reação a ele), a linguagem (comunicação), alguma reciprocidade, legalidade (nacional ou internacional) e consciência. É algo bem complexo!

 

Desta situação imaginária podemos tirar algumas conclusões. Só há Política quando há (ou poderá haver no futuro) conflitos. Então temos que negociar problemas atuais ou temos que negociar possíveis problemas futuros (preventivamente). Situação esta que não se apresentou em Marte. Não havia interlocutores para dialogar nem havia problemas humanos para se resolver. Sequer havia a hipótese de problemas humanos futuros. Por que citei problemas humanos? A Política só trata de problemas que envolvam expectativas e necessidades de pessoas. Ela não trata de problemas entre os micos-leões dourados ou entre animais que lutam por comida.  Em Marte não há problemas humanos. Talvez algum problema entre um humano e a tecnologia para o manter vivo: insuficiente para a Ciência Política.

 

Política é uma relação entre pessoas que conflitam (ou que podem conflitar no futuro) porque tem problemas para resolver.

 

Digamos que surgissem marcianos e o questionassem. Aqui haveria outro problema humano e Político: a legitimidade. O fato do astronauta ser humano e brasileiro o coloca no patamar de representante da humanidade? Creio que não. A Política é muito mais que apenas sujeitos brigando por algo. É preciso legitimidade. Imaginemos: O trabalhador de uma fazenda brigando a tapas com o trabalhador de outra. O conflito em questão são os limites das propriedades. Ambos não têm procuração dos proprietários. Ora, que utilidade fática terá tal briga? Nenhuma!

 

Para haver Política, é preciso legitimidade dos atores. Reflita: tu que a criticas, tem legitimidade moral/ética para tal?

 

Podemos apreciar outra questão. Os marcianos e o humano brasileiro não estão em igualdade de direitos. A espécie humana não representa nada em outro planeta. A Política eficaz ocorre entre dialogantes iguais no direito de fala. Podem até terem poderes diferentes, mas possuem direitos iguais a se manifestarem. Na ONU todos as Nações membros tem direitos iguais a fala, apesar de serem diferentes em poderes e em riqueza. Alguém pode dizer que mesmo sendo iguais, estão em desvantagem as nações mais frágeis. Até pode ser verdade, mas a necessidade desta igualdade formal é inequívoca. Pior seria sem ela.

 

A importância do direito de igualdade/equanimidade é determinante.

 

Sem uma linguagem acessível ao entendimento das duas espécies e sem ser possível saber a intenção marciana, não há como fazer Política. Como fazer acordos e buscar o bem comum dos envolvidos? Acredito que o problema tende a ser resolvido pelo uso da força ou pela eliminação do humano. Ainda mais se os marcianos souberem do histórico da existência dos humanos na terra. Como confiar em povos que produzem guerras e provocam mortes por diversas formas? Como ter esperança em povos humanos que escolheram um sistema econômico que destrói o planeta, as espécies vivas e que é promotor de constantes traições e quebras de acordos?

 

Sem confiança, não há Política!

 

Vamos a outra argumentação viável. O astronauta ao colocar a bandeira brasileira em solo marciano não realizou um ato Político? Não. Teve motivação política (interna) consciente ou inconsciente, isso sim.  Vejamos que o brasileiro já é um adulto. Tem história. Tem (pré)conceitos e ideologias. Tem principalmente linguagem. Nós falamos e pensamos através da linguagem. Acontece que a linguagem é política. É escolha. As palavras e conceitos que aprendemos são filhos das formas políticas de pensar da nossa sociedade, dos nossos pais e da comunidade. Posso dar um exemplo apelando mais uma vez para minha imaginação.

 

Nosso astronauta ao ver marcianos - anatomicamente diferente de nós -  não consegue perceber seu sexo. Machos ou fêmeas? Ele não consegue decifrar este enigma. Fazendo gracinha, ele registra no seu diário que estes seres não são homens nem mulheres. São gays – ele brinca. Há que se observar se ele vai registrar (linguagem!) o suposto homossexualismo (visão patológica relativa a sexualidade. O “ismo” se refere a patologia) ou homossexualidade (orientação sexual inata). Percebamos que antes do registro, já haveria uma predisposição na escolha das palavras.

 

As palavras são políticas e politizáveis.

 

Portanto, ao fixar a bandeira brasileira sua consciência política pré-estabeleceu este procedimento. Para o astronauta tem sentido o que fez. Tem sentido porque suas ações foram politizadas na sua formação. A ação é tanto mais política para ele quanto mais for consciente dela. Mas, relembro, fora da consciência do astronauta, nada é. Talvez agora com marcianos observando, tenha alguma consequência. Mas, não é possível prevê-la ou compreendê-la. Marcianos sabem o que é uma bandeira e o que significa? Provavelmente não. Então, não é possível prever qualquer reação (ou nenhuma reação) deles.

 

Sem entendimento e alguma previsibilidade, não há Política.

 

Após termos lido até aqui, não creio ser mais possível restringir a Política a partidos, a agremiações ou a gestão de Estados. Ficar preso ao senso comum, agindo como se esta expressão tivesse único sentido, é o empobrecimento imperdoável do conceito de Política.

 

Empobrecer o conceito é imperdoável!

 

Recuso-me a aceitar bordões do tipo: todo o político é ladrão, o Congresso Nacional só faz politicagem, votem em quem não é político, o Supremo Tribunal Federal só faz política e, mais essa, a democracia tem política demais!

 

Ufa! Quantos horrores!

 

Meu amigo leitor, prefira sempre pensar a Política no seu sentido mais amplo e histórico. Pensa sempre que a Política busca o bem comum (politicamente normatizado). Somente por último, reflita o que as pessoas que obram na seara da política fazem de errado. 

 

Errar é humano, justificaria o astronauta aos marcianos!

 

Então meus amigos leitores corrijam, orientem e até punam (no Judiciário, claro). Mas nunca queiram um mundo sem diálogo, acordo, entendimento, cooperação e fraternidade.  Sem estes elementos tão humanos, optaremos sempre pela barbárie e pelo fim das civilizações.

 

É isso.

 

 

 

 

 

 

 

domingo, 9 de maio de 2021

O humor e o meme: não somos inocentes

 

 

 


A pergunta se o mundo virtual é real ou não, é uma questão possível. Entretanto, as respostas são estranháveis. Alguém poderá argumentar: assim como o sonho parece ser real e não é; da mesma forma se comporta o ciberespaço.  Sob esta ótica, o espaço virtual é o lugar do parecer ser sem ser de fato. Será?

 

Aquilo que é real, dizem todos, é o que nos atinge faticamente. Quem duvidaria de um tapa no rosto? Ele é real por que nos atinge na face, por que dói, por que tem consequências na nossa vida, a ponto de muda-la para sempre. 

 

Para contrariar esta tese – de ser real apenas o que tem existência no mundo físico -, pergunto: e o amor? Nunca foi visto por aí, mas causa tanta devastação! E a fé que não existe fora das pessoas, mas pode até gerar o terrorismo matando-as? Existem coisas mais reais que a devastação e a morte? Não!

 

Enfim, definir o real não é coisa simples. Ainda bem que não é este o objetivo deste texto.

 

O virtual é algo que existe nos meios não biológicos e construídos pelas pessoas. Vive encarcerado dentro das fibras óticas e das máquinas inteligentes. Entretanto, causa estragos na vida real da mesma forma que o amor nos avassala. É fato: independentemente do que pensamos sobre o ciberespaço, ele modifica a realidade (offline) todos os dias. Ele transforma e é transformado pelas nossas ações numa dialética online x offline. Um espaço não vive sem o outro.

 

O virtual é real, pois quando nele agimos sua reação se faz visível no mundo offline. Como?

 

Imaginemos que todos os servidores dos bancos explodam. Todos no mundo! Podem imaginar o estrago no nosso dia a dia? Quantas mortes virão deste fenômeno virtual? O dinheiro online estava dentro das máquinas e se foi para sempre! O caos! Há mais dinheiro no ciberespaço que em papel no mundo.

 

O meme está nessa linha. Ele é real/irreal. Habita dois mundos. É um parasita. Parasita por que vive no espaço virtual, mas depende de nossa constante atenção para sobreviver. Precisa de nós para se multiplicar. Nossos cliques são seu sucesso.

 

Às vezes é um bom parasita, outras vezes uma figura bem deletéria.

 

Ele é bom quando leva em seu bojo um interesse público, por exemplo. Talvez uma campanha a favor das vacinas contra o Corona vírus. Por outro lado, ele é muito mau quando destrói reputações. Melhor dizendo, as pessoas é que são más, pois o meme transporta o que mandam transportar.

 

O sucesso dos memes é que eles trafegam nos mares da comicidade, do humor. São engraçados, destoantes, atordoantes e, na sequência, risíveis. 

 

O humor vive das (des)combinações estravagantes entre informações. Destas colisões de sentidos, de textos e contextos, surge o riso (ou o sorrir, a depender do impacto em nós). O destinatário da graça é quem decodifica os significados que colidem na piada. É o destinatário quem encontra o derradeiro sentido: aquele sentido que faz a piada. 

 

Sem este trio não há piada: o piadista, o conteúdo contraditório e o receptor (que terá que rir/sorrir).

 

No meme virtual ocorre a tríade do parágrafo acima: o construtor do meme (o piadista), o conteúdo dentro dele (a mensagem risível) e o receptor/decodificador que o vê/lê/ouve pelo seu computador.

 

Imaginemos uma charge com as seguintes figuras e contexto: um cheff de cozinha famoso. Ele segura uma faca afiada ensinando como cortar carnes de modo elegante, refinado e eficiente. Mas, a plateia não é composta por pessoas comuns. Quem assiste atentamente são os zumbis do seriado Walking Dead. Os zumbis estão imaginando como usarão a técnica no próprio professor da arte de cortar carnes.

 

A graça desta charge imaginada por nós, está nas contradições dos significados e intenções nela apresentados. Caso viralize, será um meme. (Quererei meus direitos autorais!)

 

Há o humor que é bom e aquele que é ruim, como já indiquei parágrafos acima. Uma graça homofóbica, por exemplo, não pode produzir riso, mas desprezo. 

 

Por que devo desprezar se a estrutura da graça está ali em sua plenitude? Respondo.

 

Tanto o humor quando o meme que nele navega, trazem informações. São discursos. E não há inocência aqui. A informação que tende a fomentar a homofobia, não está ali por acaso. E o riso/sorrir que dali vier ratifica algo monstruoso (a homofobia). Pior ainda é o clique maléfico. Ele multiplicará/ratificará esta informação danosa à sociedade.

 

Os memes do mal viralizam porque primeiro parasitam as consciências más.

 

O meme, insisto, é um discurso. É uma fala que precisa de pessoas que a ouçam e a repliquem. Seduzir as pessoas por este meio não é muito difícil. O meme é engraçado. A graça está no seu plurissentido. Ele é um caleidoscópio que nos faz rir pelo seu colorido contraditório e oscilante. Mas, insisto, só fará sucesso se houver plateia no seu espetáculo. Esta plateia não bate palmas: ela dá cliques replicando o show, passando adiante a informação. Como eu disse, nisso não há inocência, há responsabilidades. Pode até não haver dolo, mas há responsabilidade.

 

Lá no início do texto, eu afirmei que o mundo virtual é de certa forma real. Isso por que o que acontece lá, reflete fisicamente aqui. Lembram?

 

Por consequência, uma ofensa virtual é uma ofensa real. Está no mundo dos fatos. E se nele está, poderá ferir um bem jurídico tutelado.

 

Os incautos dirão que o meme só agride os mal-humorados. E mais, insistirão: temos o direito de nos expressar livremente.  O que concordo em parte. Entretanto, posso dizer que todo o direito se esvai quando há abuso.

 

Há até quem diga que se houve abuso de um direito em um contexto, é por que neste contexto nunca foi um direito: houve apenas o abuso, a ilegalidade.

 

Causar dano à dignidade humana baseado na pretensa liberdade de expressão, é um abuso evidente. O meme é um eficaz meio de agredir pessoas. Portanto, há que criarmos limites. Na verdade, já há limites legais.

 

Para reduzir a velocidade e a virulência dos memes, temos que vacinar os humanos. Eles são os primeiros hospedeiros destes parasitas.

 

Há vacinas legais sim, mesmo que sejam ainda insuficientes!

 

   A Constituição Federal já abre seus artigos elencando como fundamento da República, a dignidade da pessoa humana. Eis a primeira dose da vacina. Mas há varias doses. Temos no Código Civil os artigos 11 ao 21 e o 187. Há ainda o Código penal nos artigos 138 ao 140.

                      

 


 

 Só para relembrar: o que ocorre no mundo virtual tem reações no mundo real. Se tu és um internauta do mal, cuidado com as vacinas.

 

O dano de uma imagem engraçada pode ser terrível. Afinal, pode ser extremamente ofensiva. Mas não é só isso. A gracinha virtual corre o risco de manter viva uma ferida que deveria ser esquecida. Veja que pode se transformar em uma afronta ao que chamamos de direito ao esquecimento.

 

Imaginemos que Paulo cometeu uma imprudência no trânsito. Houve vítimas fatais. Paulo cumpriu pena de forma disciplinada. Inclusive cursou aulas de mecânica durante seu encarceramento. Agora está livre, cumpriu exemplarmente sua pena.

 

Vai trabalhar em uma empresa grande. Vida nova. Acontece que a família de uma das vítimas, descobre que Paulo poderá voltar a vida normal. Então, cria um meme relembrando o ocorrido de forma negativa para o ex-detento. O meme viraliza. A empresa então não o contrata. E várias outras empresas não o contratam.

 

Percebam que a punição legal acabou, mas o justiçamento virtual continua. Não é possível com o meme esquecer o erro de Paulo, mesmo já tendo sido punido pelo Estado. Lembremos que não há no Brasil punição perpétua. 

 

Por quanto tempo Paulo será punido? 

 

Pelo tempo do meme? Há que se conter o excesso. O estado terá que ajudar Paulo a garantir seu direito ao esquecimento, o esquecimento do seu erro. Restará a ele buscar o judiciário.

 

O mundo virtual e os memes são perigosos para as pessoas. Principalmente para as mais frágeis ou fragilizadas por algum acontecimento em suas vidas. Portanto, a cada clique em coisas engraçadas, determinamos o tanto que somos responsáveis pelo mal que dali vier.  Do like ao compartilhamento, afetamos a realidade dos internautas. Não somos inocentes em nossas escolhas. Tenhamos por limite se não a fraternidade, ao menos a certeza que os limites legais um dia vão nos alcançar.

 

Fica a dica.