O mote: Lei que resolve muitos problemas: lei-tura.
Em pleno domingo, acordei e já me deparo com alguns (bons) comentários sobre o compartilhamento que fiz no Facebook. Refiro-me a frase do mote: Lei que resolve muitos problemas: lei-tura. Gostei da conversa virtual. Fez-me pensar.
A frase em epígrafe propõe uma justaposição de lei e de leitura.
O que é, grosso modo, a lei? É um pensamento lógico que se materializou na forma escrita. Baseia-se na imposição da vontade do Estado e no código léxico em comum (para ser entendido por todos). E a leitura? É mais complexa que o conceito de lei. Ler é um processo ativo, personalíssimo, volitivo, que se baseia em conhecimentos anteriores (que desenvolveram a competência de decodificação de algo ou de uma situação). Caso seja a leitura de algo escrito, é uma decodificação/interpretação de códigos (também baseado – mas não exaurido - no léxico). Opa! Então há leitura do não escrito? Sim! De uma obra de arte, por exemplo. Outro exemplo possível: a leitura visual do corpo de alguém enfezado!
Portanto, o texto não é apenas algo escrito? Não, é mais que isso. Ele é um conjunto de enunciados coerentes, uma composição de signos que tenham sentido. Uma carta, uma pintura, uma ópera.
Tanto a lei quanto a leitura têm muitas coisas em comum. A exegese é uma delas. Fazer uma exegese é tentar interpretar para poder explicar um texto (a lei é um texto), uma expressão, um comportamento, um ato humano, enfim.
Os textos estão no mundo! Estão contidos num continente: a vida.
Como falei em mundo e vida, posso dizer que todo o texto tem um contexto. Sempre que falo em contextos (com-textos), vem a minha mente a possibilidade de um escrito “sem-texto”! Piadinha, claro.
Contexto é a inter-relação, a situação em que algo se insere. Portanto, voltando a piadinha: sem contexto não há texto inteligível! Querem um exemplo simplório? Observem a frase:
O cachorro do meu vizinho me incomoda. - A situação que não muda de sentido é o incômodo. Entretanto, a depender do contexto, podemos entender que o vizinho é um cachorro, um cachorro que incomoda. Noutro sentido, o cachorro que pertence ao vizinho, incomoda.
E na lei, como seria? Pensemos a tese de legitima defesa. O que define sua legitimidade é o contexto dos acontecimentos. Um sujeito desarmado contra outro armado. Em princípio, a desproporção não permitirá a tese de legítima defesa, se o sujeito desferir um tiro fatal no outro. Contexto! Contexto! Contexto!
Tanto para ler a lei quanto para ler o mundo, é necessário a leitura. Ler! Ler! Ler!
Eis uma questão que se tornou agora bem relevante: onde se aprende a ler? Onde há o letramento? Geralmente no ambiente escolar. Onde se aprende a ler/interpretar as primeiras normas além dos familiares? Em muito, na escola. Portanto, aprende-se a ler textos e normas geralmente no contexto escolar.
O ambiente escolar é o contexto dos textos que serão lidos pelos infantes.
O letramento é uma questão, percebe-se, política. Pois é orientado pela vida que o cerca, pela ideologia que sustenta a comunidade em que ele ocorre. Já questionava Paulo Freire: Não existe imparcialidade. Todos são orientados por uma base ideológica. A questão é: sua base ideológica é inclusiva ou excludente?
A leitura de mundo será inclusiva ou excludente. Isto definirá o tipo de leitor/cidadão que se desenvolverá.
Concluo que tanto a leitura da lei quanto a aprendizagem da leitura, devem eticamente primeiro responder a questão do Paulo: a base ideológica que as sustém é inclusiva ou excludente? Se excludente, teremos problemas em ambos os contextos: o legal e o da leitura/interpretação do mundo.