quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Triste Brasil das ideias emojis





Todos nós já usamos os emojis. Os jovens já nasceram usando, como numa língua paralela àquela em que foram alfabetizados.

As pessoas que ainda usam apenas a escrita alfanumérica como forma de comunicação usual, estão desaparecendo. Seduzidos, “emojitificaram-se”.

Tenho um amigo octogenário (excelente advogado!) que usa somente a máquina de escrever para fazer suas petições. Não usa, nem nunca usou, emojis. Nem precisa. Sua escrita é bela, densa e rica.

Nós já fomos seduzidos pelos desenhos de carinhas. As caricaturas pequeninas são econômicas. Cada uma delas é capaz de dispensar um enorme trabalho mental. Dispensam parágrafos inteiros!

O que é um emoji? É um pictograma, uma imagem, um desenhozinho gracioso que quer transmitir uma ideia (simples ou complexa) ou uma frase inteira. É, portanto, uma linguagem. 

Resumindo, é um símbolo que representa algo.

O interessante é que com um toque na tela do celular e com uma figura, num segundo, dizemos uma frase inteira com seu sujeito e predicado. A concordância verbo-nominal vai para o espaço. Ganha-se tempo. Sem esquecer que aquela figurinha sorrindo é universal: representa aproximadamente a mesma coisa em qualquer lugar do mundo.

Eu, particularmente, adoro emojis.

Entretanto, palavras não são emojis. Palavras não são unívocas! Em cada contexto, dizem coisas diferentes. O que quero dizer não é nada complexo. Apenas afirmo que a palavra, por exemplo a palavra amor, apesar de ter lá na tela touch sua representação gráfica (desenhozinho) predefinida, esta palavra não significa algo único. Não é como o emoji de coração batendo que surge ao tocar na tela. Ele (o desenho)  nos ilude parecendo expressar o conceito de amor (como se houvesse um conceito único). A figura pictográfica da palavra amor é uma fake News. A complexidade do amor não pode ser representada totalmente por uma figura.

 Agora imaginem a situação com a palavra comunismo! Querem que ela seja um emoji de sentido único e universal! O mesmo ocorre com a palavra gênero. A palavra feminismo, então, chega a ser risível!! Elas não podem ser “emojitificadas”, pois significam muitas coisas. Têm multissentidos.  

A palavra escrita não é um desenho com sentido pronto como é o emoji.

Emojis dizem muito com pouco. Justamente por isto são pobres. Dizem muito por que repetem sempre um sentido já padronizado. Olha-se a imagem e a representação pré-pronta vem à cabeça.

Podemos fazer o seguinte exercício imaginativo. Cada leitor escolhe um emoji do seu gosto e escreve o significado dele.  Percebe-se que é infinitamente mais difícil escrever sobre ele, do que tocá-lo na tela do celular uma única vez. Creio que ficou claro que transformar figuras em palavras é complexo.  

Então, por que seria fácil transformar o significado das palavras em coisa similar aos emojis, ou seja, como coisas com sentido limitado, pré-configurado?

Agir como se cada palavra significasse uma coisa só ou que significasse poucas coisas (parecidas com um emoji), é o empobrecimento da linguagem. Cada palavra é um mundo.

Não estou sendo poético. Estou sendo realista. Escrever e entender o escrito é codificar/decodificar, justificar, ampliar, idealizar e descrever.

Escrever é plasmar com letras conceitos e ideias.  Portanto, não te arrisca em dizer – por exemplo - a palavra aborto como se ela fosse um emoji. Ou seja, com significado único e universal, independente de contextos.

Não acredita que cada pessoa que lê o que foi escrito, verá (como nos desenhozinhos do celular) um significado unívoco.  Talvez em um grupo fechado de pessoas onde cada palavra é entendida com um único sentido, após muito tempo de treino (similar ao behaviorismo), se consiga uma unidade de sentido. Qual o custo de tal proeza? A pobreza de linguagem. Onde prevalece o sentido único, o pluralismo e a maravilha que é a capacidade de interpretação de texto, vão embora.

Os pobres de linguagem e os pobres ideológicos escrevem mal. Justificam quase nada do que pensam. Para eles a comunicação é feita por emojis conceituais. Usam poucas palavras (pois poucas se prestam a uma forçada “emojificação”). Somente ideias rasas são compatíveis com o mundo emoji de ser e de pensar.

Levamos milhares de anos para sairmos das cavernas onde escrevíamos com desenhos (pinturas rupestres), na nossa pré-história. Eram figuras de animais e caçadores com suas armas.  Escreviam desenhando, assim como escrevemos com emojis! Em tempo: a linguagem dos hominídeos era rudimentar. 

A linguagem atual é complexa. Mas tendemos a reduzi-la a chavões e a sentidos únicos. Estamos voltando a estes tempos pictóricos dos pré-históricos?

Estamos cada vez mais agressivos. Cada vez mais escrevemos “emojitificadamente”.  Cada vez mais temos preconceitos cristalizados. Cristalizados na cabeça, na fala e na escrita. Slogans são os novos emojis/mantras falados. Basta dizê-los e entendemos tudo: da pessoa que diz e do que a pessoa quer dizer.

Do antigo “Brasil, ame-o ou deixe-o” ao “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Emojis terrificantes! Grotescos. Bárbaros.

Triste Brasil das ideias emojis. Das pessoas emojis. Estamos num tempo onde acreditamos que gritar algo que todos já gritaram, é uma verdade. Nesta pobreza intelectual e “emojistica” todos parecem saber o que é o comunismo, o que é o feminismo, a questão de gênero e o caminho de Cuba. É “emojisticamente” plausível gritar: Comunistas! Vão para Cuba!

Caso alguém aceitar algumas dicas, posso dá-las.  Observa muito. Justifica tudo o que pensares. Reflete sobre cada verdade pronta. Pensa o pensamento. E o principal: lê muito, muito, muito.

 O ministério dos pensadores informa:  Usa os emojis com moderação.

Poder, política, Estado


domingo, 30 de agosto de 2020

A humildade e a arrogância.




Tive uma experiência interessante com um usuário da rede social. Entramos em um brevíssimo diálogo sobre um tema de viés filosófico.  A expressão “brevíssimo” é um fato. Meu interlocutor não suportou argumentar além de breves linhas. Encerrou a discussão afirmando que eu estava confuso sem ter as condições de sair da minha própria confusão.  O que me chamou a atenção foi a arrogância. Ficou claro nas falas que ele acreditava que sabia e que sabia muito. Sabia tanto que decidiu em sua soberba que não valia a pena me ensinar seu saber.

Não precisamos ir ao Instituto Butantan (principal produtor de imunobiológicos do Brasil) para sabermos que o antídoto para a arrogância é a humildade.

Primeiro vou comentar o que a humildade não é. Ela não é fragilidade ou covardia. Muito menos é submissão a alguma autoridade. Se acalmo minha volúpia por dizer o que acho que sei, não significa que abster-me-ei de dizer o que penso num tempo mais adequado. Quando abrando meu vocabulário para não ser agressivo, quando não saliento meus saberes como se medalhas fossem, ou ainda, quando não trago à luz do diálogo minha autoridade sobre o tema, estou sendo apenas civilizado e cortês.

Agora passo ao que ela é. A humildade é uma virtude cortês. É uma virtude por que é eticamente desejável e é cortês por ser uma atitude polida. A humildade tende a não ofender ninguém.  Ela é irmã da virtude da prudência. Assim como a arrogância é irmã do desconhecimento de si mesmo. A arrogância é arrogar, exigir para si uma preponderância sobre o outro. Arrogar para si sem saber se o outro aceita esta arrogância. Quanta insensatez!

A arrogância é uma armadilha para os incautos. Ao olhar para si mesmo não vê os perigos do caminho. Reconhecer nossos limites e estar atento as qualidades da outra pessoa, é no mínimo, uma atitude que denota inteligência.  

A humildade é uma virtude adquirida no convívio com as pessoas. Toda a cultura tem suas histórias sobre os arrogantes que se deram mal na convivência social. O arrogante sofre muito. Sofre por que quer estar numa altitude que não é real. Acredita estar numa montanha e os mortais lá em baixo.

Mesmo se Pedro em relação ao aspecto “X” tivesse uma tremenda relevância, no aspecto “Y” poderia nada ser. E isto ao mesmo tempo! Exemplifico:  o proprietário do carro de luxo precisa consertar a porta do veículo que, por defeito, não abre remotamente. Apesar de todas as suas posses e delírios de poder, está totalmente dependente de outra pessoa para realizar o conserto. No aspecto “Y” é apenas mais um cliente com uma porta defeituosa.

O mundo é dialético! Para tudo que somos, outro tanto não somos. Para tudo que sabemos, outro tanto nada sabemos.

Arrogar para si relevância, sem se importar com a pessoa que será sobrecarregada com esta soberba, é quase uma psicose! A relação do arrogante com o mundo exterior a si mesmo está falseada!

A humildade é uma força de caráter que é desenvolvida na formação das pessoas, da infância até a morte. É uma virtude que deve ser ensinada. Não só ensinada como um saber, mas entendida como uma qualidade que deve sofrer manutenção diária. A humildade é uma decisão e um hábito saudável. A humildade é uma inteligência emocional que só traz vantagens. É uma força enorme, colossal, que remove montanhas. É uma força que não agride o interlocutor nem diminui quem se expressa. 

A humildade não é uma questão de religião, seita ou moralidade. É uma questão de civilidade, de reconhecimento da dignidade da pessoa humana. E, insisto, é uma questão de prudência.

Vou cair no chavão socrático: “Sei (certeza) que nada sei (incerteza)” – o acréscimo nos parênteses é por minha conta.

O humilde tem certeza que há incertezas. Então, não pode arrogar vaidosamente para si a arrogância. Ela não é permitida e é perigosa. Arrogar para si é um ato grosseiro, petulante e uma aposta que somos algo ou sabemos algo que nos afasta do sujeito que dialoga conosco. Quanta insensatez grosseira e quanta grosseria civilizatória!
 
Sejamos humildes.


Quêm lê muito não faz nada. Verdade?