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terça-feira, 15 de outubro de 2019
quinta-feira, 10 de outubro de 2019
Pai, se o bandido pedir desculpas, a polícia solta ele, né?
Meu filho aos quatros de idade me surpreendeu com a
pergunta: Pai, se o bandido pedir desculpas, a
polícia solta ele, né? Confesso que senti uma angústia muito forte. Não
pude responder ao ingênuo questionador, que pedir desculpas não alivia em nada
a pena do criminoso. O infante acreditava que é possível o arrependimento e o
perdão. Acreditava que todos podem se regenerar. Creio que, em tese, ninguém
consegue defender que todos são irrecuperáveis. Entretanto, poucos se atrevem a
dizer claramente que são a favor da redução da vontade de encarcerar que assola
o Brasil.
Aquele que defende seu horror ao encarceramento massivo e
desumano, invariavelmente ouvirá: Então queres que todo o bandido fique
solto? E a família da vítima? E se fosse teu filho(a)? É preciso dizer que quem julga nunca será o
pai da vítima, amigo ou familiar dela. Se fosse, seria no mínimo um juiz
suspeito. Logo, é irrelevante o argumento “se fosse ou não teu familiar”;
pois tal hipótese impede um julgamento justo. A decisão de quem julga trata-se
de uma questão social e não/nunca pessoal.
Mais raro ainda é encontrar pessoas que defendem a ausência
total de cárcere. Apesar das dificuldades, o tema do encarceramento é por
demais relevante.
O Estado nunca deve se posicionar como se fosse a vítima,
sentir as dores como se fossem suas e deste lugar reagir. O Estado não é a vítima. Não deve tomar para
si a dor que não é sua. Seu distanciamento é essencial. Ele responde pela
justiça no seu sentido mais amplo, uma justiça na sociedade e para todos. O Estado percebe o contexto para aplicar
sanções. E com certeza, a vingança não
faz parte das suas prerrogativas. Evidentemente que a vítima é fator relevante,
mas não transfere sua dor para o juiz. A vítima deve ser atendida pelo Estado
para superar seu sofrimento.
A vítima, neste sentido, é o foco. O foco não é maximizar a
pena do condenado como revanche.
É interessante lembrar o que a imprensa nos traz sobre os
tribunais do crime. Aqueles pseudojulgamentos promovidos por criminosos. Vê-se
que os criminosos se vingam. Levam em conta o dano que seus comparsas ou seus
protegidos sofreram. O resultado é
sempre o mesmo: a condenação e a morte.
O que varia é a quantidade de dor que o condenado sofre antes de morrer. Amigos
meus sem perceberem, inúmeras vezes defendem esta mesma “justiça”, a do
tribunal do crime. A diferença entre
meus amigos e o tribunal do crime, é que aqueles são “cidadãos de bem” e estes
são criminosos.
Creio que a pergunta que devemos fazer em relação ao
encarceramento é a seguinte: É sempre necessário punir? Se sim, a pena sempre é
variações e dosagens do encarceramento de corpos?
Qualquer pergunta sobre o porquê do encarceramento, deve
partir da premissa básica de que, mesmo tendo um caráter retributivo e
punitivo, a sanção carcerária tem que ter como objetivo a ressocialização.
Afinal, quem comete crimes, um dia volta à sociedade. E, é claro, tem que
voltar em condições mentais e físicas apropriadas para retomar sua liberdade
sem recaídas. Ora, o ônus de ressocializar cabe a quem encarcerou, a quem
discriminou a conduta que é considerada crime: o Estado! Ou, enfim, a sociedade.
Lembro de vários casos em que pais e mães esqueceram seus
filhos bebês dentro dos seus carros. As crianças morreram em decorrência do
calor dentro dos veículos. A dor destes
pais e mães em muito superaram a dor do encarceramento. Prender seus corpos era nada se comparado com
o sofrimento de suas almas. Neste caso, cadeia para quê? Ressocializar? Punir?
Também podemos nos referir a pessoas que furtam coisas
gostosas do supermercado. Seja por fome, seja por simples desejo. Ou ainda o
sujeito que furta um carro pela primeira vez. Nestes casos, prender para quê?
Para ressocializar? Punir?
Podemos imaginar inúmeros casos que desautorizam a pena
privativa de liberdade, pela sua inutilidade ou pelo agravamento do problema. Então,
é perfeitamente possível relativizar o mito do encarceramento como solução
única.
É possível defender filosoficamente o encarceramento de
corpos como finalidade terapêutica ou como melhoria da sociedade?
Creio não ser possível. No máximo, a prisão é um mal
necessário enquanto não encontramos nada melhor. Encarcerar é irracional. No Brasil, então, é
óbvio.
Construir e manter presídios é caro. Melhor é construir
escolas e hospitais. Tanto é verdade que
várias cidades pedem mais encarceramento, mas não querem presídios em seus quintais.
Querem escolas e as constroem. Querem
presídios desde que bem longe. Isto indica
a percepção prática que a sociedade tem da irracionalidade do encarceramento.
A prisão no Brasil tem a função simbólica de silenciar. Os
criminosos são postos embaixo do tapete. Ninguém quer vê-los. Ao contrário,
melhor seria esquecê-los. E por que o desejo de desaparecimento? Por que as
causas da criminalidade são duras demais para serem pensadas. Encarcera-se os
corpos e junto as reflexões sobre as causas dos crimes. A luta justa não é contra a criminalidade,
mas contra suas causas.
As pessoas não gostam de refletir sobre este tema. Preferem
serem dicotômicas: se é culpado; não é em nenhum grau inocente. Se é culpado
será preso na esperança de nunca ser solto. Se é culpado uma vez, será bandido
para sempre. Não é por acaso que somos um dos países que mais encarcera
pessoas. Mesmo assim, ouvimos todo o dia que a impunidade é nosso mal maior!
Creio que a desigualdade social é o nosso mal maior.
Entre os extremos de presos e soltos, há uma miríade de
possibilidades. Antes das celas, há o que chamamos de restrição de direitos.
São limites impostos ao sujeito que cometeu o crime, em substituição a pena de
encarceramento. Pode ser prestações pecuniárias, prestação de serviços à
comunidade entre outras. São sanções de fato, pois suprimem ou restringem
direitos do condenado. Não são brincadeiras! Primeiro o juiz fixa a pena
restritiva de liberdade (prisão), para depois substituí-la. Veja que estas
restrições não são pensadas para maximizar a dor de quem infringiu a lei. Na
verdade, a restrição quer evitar a prisão (por ser sansão imoderado em vários casos)
e quer salvaguardar outros direitos constitucionalmente protegidos do réu e da
vítima.
Para encerrar proponho que antes da satisfação da sanha
punitiva e carcerária, resolvamos as questões sociais que predispõem as pessoas
à violência. Da desigualdade à marginalização, da falta de escolas à violência
familiar. A questão é social é bastante evidente. Só não vê quem prefere
encarcerar para encerrar as pessoas e estes assuntos.
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