quarta-feira, 20 de novembro de 2024

“Vontade de mat@r alguém todo mundo já teve”

         Ao ouvir esta afirmação malévola, quase gritei: Eu nunca quis matar ninguém!

Ao ouvir esta infâmia, esta ofensa à humanidade do homem, lembrei dos professores do Ensino Fundamental, ensinando às crianças a não judiar dos bichinhos, a não cantar “Atirei o pau no gato-to- to...”.

Lembrei das aulas de direito, onde aprendi a sequer pensar em “bandido bom é bandido morto”.

Lembrei do meu pai, militar, que falava da vida e do cristianismo.

Lembrei do meu amigo Dr. Edson Domingues, ilustre advogado. Amigo sábio, ponderado e extremamente justo. Não! Ele não deseja a morte de ninguém!

Lembrei de todas as aulas de filosofia que assisti enquanto estudante, e das aulas de filosofia que ministrei aos jovens. Não percebi ninguém desejando matar alguém.

Lembrei de quando sofri um acidente de moto, e os bombeiros foram chamados, e fui socorrido maravilhosamente. Não, certamente não havia desejo de matar alguém naquelas pessoas.

Há pouco minha amada mãe morreu. Uma equipe inteira lutou pela vida dela. Eu odiei a morte. Amei mais ainda a vida.

Quando ensinei meu filho a não arrancar a plantinha bonita para apenas satisfazer seu desejo, eu vi nos olhinhos dele o respeito pela vida.

Mas não falo só por mim. Estou cercado de pessoas que, até onde eu sei, nunca desejaram matar outra pessoa. Quem está ao meu redor, não acha a vida banal a ponto de naturalizar o desejo de sua destruição.

Lembrei da falecida Irmã Terezinha Lovato, maravilhosa e amorosa diretora de uma escola. Trabalhei com ela quatorze anos. Não! Nunca passou pela cabeça de pessoa tão delicada o desejo de matar.

Lembrei que já fui assaltado. Usaram facas. Ali na chamada Praça dos Bombeiros. Estes sim, aceitaram a possibilidade de matar. Mas eu, não! Quando contei para meus pais, também não tiveram esse desejo.

Quem tem desejos de matar, faz parte de uma triste minoria ou de uma minoria triste.

Desprezo quem deseja a morte de alguém. Mesmo que não mate de fato. Este desejo funesto já matou a alma de quem o cultua.  Não os quero perto de mim. Mas não os quero mortos. Quero-os vivos e bem tratados. Acredito que muitos, rodeados de vida, aprendam a rejeitar os desejos mortais.

Os seres humanos aprendem. Se alguns aprendem a desejar a morte de outros, a maioria aprende a amar a vida.

Enfim, Sr. Flávio Bolsonaro, sinto pena de você que naturaliza a morte. Que vive entre desejos tais. Tenho pena, pois ninguém ensinou o senhor como é maravilhoso não ter tais desejos. Sinto pena e desprezo.  Mas não desejo nada de ruim ao senhor. Apenas gostaria que o senhor tivesse a aprendizagem que eu e meus amigos tivemos. Aprendemos a amar a vida.

Tenho muita pena. Coitadinho do senhor. Não sabe amar.

Fica a dica para o senhor: troque suas companhias. Ande com quem tenha desejos de vida e de amor. Conviva com pessoas menos apegadas ao poder e ao dinheiro. Quem sabe ainda haja chances de o senhor se tornar uma pessoa melhor, bem melhor!

quarta-feira, 1 de maio de 2024

O descanso do professor que não aconteceu.

 

Visitando a chácara de amigos, o professor descansa. Chácara pequena, bem no interior do Estado. Distante oitenta quilômetros da pequena cidade. O professor sorri ao imaginar que não há escola por perto, sossego garantido. Mas, já na primeira manhã, vê o guri ordenhando a vaquinha no curral.

 

Aproxima-se do piá e é recebido com um imenso sorriso. De imediato o jovenzinho cumprimenta: Bom dia tio! O professor, também muito jovem, cumprimenta. Enquanto trabalha, o guri pergunta:

 

 - É verdade que tu “é” professor, tio?

 

O jovem e inexperiente mestre afirma que sim. A criança conta que já está no colégio. Mas que não aprendeu a escrever ainda. Não sabe escrever como a professora quer.

 

Vai ao colégio de carroça, adora o almoço de lá, e volta. Mas, disse o pequeno orgulhosamente, aprendeu a copiar as palavras. Ele olha o quadro negro com a palavra escrita e pronto, copia que dá gosto! É como se tirasse uma foto. Quase sempre não troca as letras. Mas, nem sempre dá certo. Contou que uma vez a professora mostrou a figura de um homem fardado e armado na cintura. Aí, ele copiou a palavra soldado que identificava o desenho. Quando teve que lê-la em voz alta, leu: polícia! Ora, concluiu o piá, se o desenho parecia de polícia, como estaria escrito soldado? Só podia ser polícia! As coisas, segundo ele, são iguais as palavras. É como se as coisas tivessem rótulo. Pedra se escreve “pedra” porque é pedra. Água se escreve “água” porque é água. Então, questionou o guri, como polícia ia ser “soldado”? Maldade da professora!!!!!! Os coleguinhas riram. Então, já não vai mais ao colégio com gosto.

 

O jovem professor ficou triste. A hipótese tão comum feita pela criança não havia sido compreendida pela professora.

 

Uma criança sofrendo por não decodificar/contextualizar os sinais escritos. Escrevia/copiava os símbolos gráficos, mas não os simbolizava! Uma lástima.

 

O professor pergunta ao guri:

 

- Qual palavra que tu mais sabes copiar e que sempre tu acertas?

 

Rapidamente o guri falou, sem pensar:

 

- Casa.

 

- Que bom, parabéns. E o que tu gostas que tem na tua casa?

 

- Comida que a mãe faz. Hum... O celular com joguinhos. E o meu cavalo.

 

- Tu tens um cavalo?

 

- Tenho. É bem grandão.

 

- Maravilha. Então, em CAsa tu tens um CAavalo.

 

- Ô Tio... por que tu “ta” falando assim?

 

- Ouve bem amiguinho... casa e cavalo. O que tem de igual?

 

- Nada! Casa é coisa, cavalo é bicho.

 

- Ouve, ouve e ouve novamente. CAsa, CAvalo.

- Ah! Os dois começam com “ca”. (referia-se ao som “ca”)

 

- Então meu amiguinho, se tu fosses “copiar” a palavra cavalo, quais seriam as primeiras letras da tua cópia?


-O guri pensa, repensa e diz timidamente:

 

-  “Ca”?

- Muito bom, mas quais letras fazem este “CA”?

 

A criança escreve no chão o “C” e o “A”. E olha para seu orientador com carinha de medo de ter errado.

 

O professor exulta e diz à criança:

 

- Parabéns, já sabes escrever um pedaço da palavra cavalo! Também um pedaço da palavra casa. Só falta tu CAsares! – Ri.


- Verdade tio? Então, tudo que tem “ca” começa com “c” e “a”?

 

O professor percebe a mudança de hipótese. Palavras já não são o nome das coisas como se fossem rótulos, mas suas representações sonoras!

 

Pensa consigo mesmo: como é bela estas transformações.  A boniteza de ensinar é isso!

 

- Tenta tu mesmo, piá! Experimenta se o que tu disseste é verdade. Diz as palavras e eu confirmo. Cavalo e casa já não valem mais!

 

Agora é uma espécie de jogo divertido e exploratório. Já sem medo vai dizendo:

 

- Carro?

 

- Sim.

 

- Cachorro?

 

- Sim.

 

- Cascalho?

 

- Sim!!!

 

- E como escrevo o resto do meu cavalo?

- Vamos ver... Já copiaste alguma palavra que comece com “va”? Como VAssoura?

 

- Sim. Sei bem desenhar a palavra VAca.

- Está bem. Então escreve no chão a palavra vaca...

 

Rapidamente o piá escreveu com um graveto.

 

- Agora, deixa eu ver... copia abaixo só o “v” e o “a”. Muito bem. Agora põe atrás do “VA” de vaca o “CA” de casa. Como ficou?


- Ficou estranho...  Falta algo.... O cavalo é grande, a palavra “tá” muito pequena!

 

O professor riu com a criança. Nova hipótese falha. A palavra é do tamanho da coisa que ela aponta!

 

- Vamos lá. Diz agora os sons... Lembra, o “CA” de casa e o “VA” de vaca...

- Ca...Va... Cava...  – falta o “lo” tio!

- Beleza! Então, é só colocar o “L” e o “O”. CAVALO.

- Então tio, quando eu falo, cada som tem uma letra?

 

O professor está feliz: nova hipótese!

 

- Viu meu amigo? Não é tão difícil escrever. Não é para copiar palavras. Copiar é mais difícil que ouvir e escrever os sons.

 

- Posso contar isso para minha professora, tio?

 

- Claro que sim. Conta para ela que as palavras mais conhecidas são mais fáceis que as desconhecidas. Diz para ela que sempre o piá já sabe alguma coisa. Então, é só juntar as palavras conhecidas com o que o guri já sabe... aí fica bem mais fácil.

 

- Meu nome é JOão. Já sei escrever meu nome. Meu pai se chama JOarez. Posso escrever o nome dele parecido como o meu? JO de João e JO de Joarez?

 

- Claro! Vai tentando!

 

- Tio, quer me ensinar mais coisas?

 

Esta é a história de um descanso que não aconteceu. Estudar Paulo Freire tem seu preço: a eterna amorosidade e afetividade por todos que querem aprender.