Prof. Amilcar Bernardi
Maquiavel propõe questões que tratam sobre como
conquistar Estados e como conserva-
los. Sabia ele que a estratégia política
trabalha com a fortuna fazendo com que os mais determinados e habilidosos controlasse
a história. A iniciativa política deve ajustar-se às circunstâncias. O
necessário é manter-se à frente dos acontecimentos, procurando imprimir-lhes
rumo e alternativas mais propícias ao príncipe.
Para ele o povo é uma matéria que aguarda sua forma e
a engenharia da ordem parte da análise da situação social, não resultando do
arbítrio do fundador de Estados, mas de sua capacidade de captar, num momento
de gênio, aquela forma desejável e de sua disposição para impô-la sem qualquer
vacilação. Em suma, bom príncipe é aquele que tem a capacidade de perceber o
jogo de forças que caracteriza a política para agir com energia a fim de
conquistar e manter o poder. Sua reflexão é realista.
Maquiavel sabia que a política não pode ser algo
ideal, mas algo que seja realizável entre homens comuns. O que é deve orientar
o político bem mais do que deveria ser.
O filme DESAFIO NO BRONX pode ser lido sob a
perspectiva maquiaveliana. O que vimos na tela foi um jogo forças. Alguns
queriam dominar, outros apenas sobreviver, ainda outros precisavam manter o
poder já estabelecido. Eram aparentemente interesses diferentes. Aparentemente
porque era o mesmo: o domínio. Evidentemente que, sendo o mesmo interesse, eram
irreconciliáveis.
Como qualquer Estado moderno (discutido por
Maquiavel) as fronteiras entre bairros eram fixas. Cada bairro tinha seu
comando, seus asseclas, amigos e inimigos; inclusive normas internas bem
estabelecidas. Por exemplo: bairro de branco não tem negros e vice-versa. A
vigilância é forte porque as pessoas acreditam naqueles valores. Tais valores
são encarnados pelos comandantes dos bairros.
Para manter o status quo os “cidadãos” de cada bairro defendem seus
espaços arriscando-se na medida do possível, não mais que isso. Quando a
polícia, mais forte que cada comunidade isoladamente, aparece, há uma espécie
de cessar fogo para que as forças se mantenham ativas para outros embates.
O bairro dos brancos, mais evidenciado, tem seu
chefe. Mais velho e mais astuto. Leitor de Maquiavel entende os princípios do
escritor italiano. Para manter seu
domínio, na maioria das vezes tenta ser amado. Quando não consegue usa da
violência na medida certa. Não extrapola. Chama atenção na medida do medo que
quer produzir. Está sendo fiel ao princípio do Príncipe quando diz que os
homens têm menos escrúpulo de ofender o que se faz amar do que se faz temer.
O chefe sabe que não pode confiar em ninguém, sabe
que seu bairro é feito de homens, e homens são ingratos e simuladores. Então
também usa de artifícios e artimanhas para controlar as pessoas sob seu
domínio.
O menino, filho do motorista do ônibus, admira tal
figura esperta. Quer ser seguidor. Não aponta o responsável pelo assassinato
que vira. O comandante sente-se em dívida com seu comandado. Estende sua
proteção em troca de fidelidade. O pacto
é feito. Tal contrato é tão forte que tudo que o pai faz para afastar o filho
de tal influência é inútil. O poder que o jovem passa a ter o corrompe fazendo
dele dependente de seu protetor. E é assim que deve ser: a figura de protetor
mantém as pessoas dependentes e esperançosas de poder partilhar um pouco do poder.
A dependência, a troca de favores entre quem comanda
e quem é comandado é tão forte que quando o chefe morre, o poder é transferido
para outra pessoa do mesmo estilo. O medo da violência da mudança deixa tudo
como está. Não só o poder foi tomado quanto foi mantido. O jogo criado naquele
bairro teve força suficiente para sobreviver ao seu criador.
O interessante é que houve pouca violência. Este era
usado como último instrumento para manutenção do sistema montado. O jovem
aprendiz de gangster era frequentemente advertido para agir com astúcia. A
astúcia valia mais que a força. Sequer a polícia conseguiu prender alguém dos
poderosos e descumpridores da lei. A
astúcia venceu sempre. Ninguém queria o mal de ninguém. Queriam apenas a
manutenção dos privilégios. Não sentiam culpa em suas almas. Eram políticos que
sabiam o que queriam.