quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Ser correto...

Prof Amilcar Bernardi

A vida me constituiu como um sujeito correto. Pouco mérito tenho por ser assim, pois não tive chance de ser diferente. É uma questão atávica: meu pai era alguém muito correto. Meu avô paterno era irredutivelmente correto. Meus tios são militares, todos. Meu irmão também é. Minha irmã é perfeita estudiosa. Atavismo bárbaro! Não tive chance alguma de ser diferente. Não pude ser indolente nos meus afazeres nem indulgente com quem arranhava a moral socialmente aceita. Esse parágrafo já depõe contra mim, pois alguns já estão imaginando-me um reacionário e moralista da estrema direita. É verdade que eu tinha tudo para ir por este caminho. Mas, o fato de estudar Filosofia mexeu com tudo que eu pensava. Mas, a retidão de caráter ficou firme. Espero que, ter um caráter reto num mundo onde tudo muda, não me prejudique. Ser retilíneo num contexto mutante é um perigo. Tomara que ninguém peça para eu definir o que é um caráter reto. Eu não sei. Apenas espero que seja um bom caráter. Somos esperança, sempre!
Não gosto de fazer o que eu considero errado. Amo fazer o que considero correto. Algo em mim estala quando percebo a má-fé, o desejo de enganar, de abusar de alguém. A hipocrisia me dá urticária. Pura verdade. Posso errar muito, mas não quero errar. Posso ser injusto, mas não o quero ser. Tudo que tenho de ruim é por ignorância, pois na clareza da minha alma não permito a maldade. Então, meus erros são culposos, nunca dolosos. Sinto-me melhor ao crer que sou do bem e que a maldade em mim é exceção. Como disse antes, essa vontade de fazer o certo veio junto com minha mamadeira, junto com as cantigas da minha mãe e do amparo do meu pai. O mérito é deles!
A vida de quem quer ser, ou ao menos dos que tentam ser corretos, não é fácil. Dirigir o carro na velocidade da placa de trânsito é perigoso. Os caminhões querem passar por cima. Outros motoristas ficam furiosos. Aí vem a viatura da polícia e passa acima da velocidade permitida. É um stress. Parar no sinal amarelo, nem pensar! Aí me matam. Como tendo a optar pelo certinho, sou chamado de otário. Já estou acostumado. Mas o pior é quando vejo alguém fazer o errado. Então o bicho pega.  Denuncio? Calo? Sou dedo duro ou omisso? Intervenho aconselhando e torno-me um “metido”? Então, acredito que é melhor eu nem ver para não ter que decidir.  Mas tenho olhos e vejo. Logo, decido. Decidir é envolver-se. Envolver-se é algo complexo onde o certo e o errado estão por debaixo da espessa neblina da opinião.
Opinar. Decidir. Posicionar. Ser humano. Coisas inseparáveis.

Gostaria de ter uma chácara cheia de árvores e plantas. Uma cascata de fundo. Um lugar frio. Cheio de bichos do mato. Gostaria de escrever minhas coisas de dentro da casa confortável vendo o ambiente externo por enorme janela. Pelo tempo que na chácara eu estiver, gostaria de deixar de ser gente. Ou seja, tiraria férias de decidir. Uma folga das questões éticas que me afligem. Não tendo gente para julgar, deixo de ser gente também, afinal, os outros é que me definem como gente através da linguagem. O mato e os bichos não falam a língua de gente. Então ficarei no silêncio sem optar, ou melhor, farei a opção de permanecer em silêncio. 


Imagem: da internet

“Vontade de mat@r alguém todo mundo já teve”

          Ao ouvir esta afirmação malévola, quase gritei:  Eu nunca quis matar ninguém! Ao ouvir esta infâmia, esta ofensa à humanidade do...