Prof Amilcar Bernardi
A vida me constituiu
como um sujeito correto. Pouco mérito tenho por ser assim, pois não tive chance
de ser diferente. É uma questão atávica: meu pai era alguém muito correto. Meu
avô paterno era irredutivelmente correto. Meus tios são militares, todos. Meu
irmão também é. Minha irmã é perfeita estudiosa. Atavismo bárbaro! Não tive
chance alguma de ser diferente. Não pude ser indolente nos meus afazeres nem
indulgente com quem arranhava a moral socialmente aceita. Esse parágrafo já
depõe contra mim, pois alguns já estão imaginando-me um reacionário e moralista
da estrema direita. É verdade que eu tinha tudo para ir por este caminho. Mas,
o fato de estudar Filosofia mexeu com tudo que eu pensava. Mas, a retidão de
caráter ficou firme. Espero que, ter um caráter reto num mundo onde tudo muda, não me prejudique. Ser retilíneo num contexto mutante é um perigo. Tomara que
ninguém peça para eu definir o que é um caráter reto. Eu não sei. Apenas espero
que seja um bom caráter. Somos esperança, sempre!
Não gosto de fazer o
que eu considero errado. Amo fazer o que considero correto. Algo em mim estala
quando percebo a má-fé, o desejo de enganar, de abusar de alguém. A hipocrisia
me dá urticária. Pura verdade. Posso errar muito, mas não quero errar. Posso
ser injusto, mas não o quero ser. Tudo que tenho de ruim é por ignorância, pois
na clareza da minha alma não permito a maldade. Então, meus erros são culposos,
nunca dolosos. Sinto-me melhor ao crer que sou do bem e que a maldade em mim é
exceção. Como disse antes, essa vontade de fazer o certo veio junto com minha
mamadeira, junto com as cantigas da minha mãe e do amparo do meu pai. O mérito
é deles!
A vida de quem quer ser,
ou ao menos dos que tentam ser corretos, não é fácil. Dirigir o carro na
velocidade da placa de trânsito é perigoso. Os caminhões querem passar por
cima. Outros motoristas ficam furiosos. Aí vem a viatura da polícia e passa
acima da velocidade permitida. É um stress. Parar no sinal amarelo, nem pensar!
Aí me matam. Como tendo a optar pelo certinho, sou chamado de otário. Já estou
acostumado. Mas o pior é quando vejo alguém fazer o errado. Então o bicho
pega. Denuncio? Calo? Sou dedo duro ou
omisso? Intervenho aconselhando e torno-me um “metido”? Então, acredito que é
melhor eu nem ver para não ter que decidir.
Mas tenho olhos e vejo. Logo, decido. Decidir é envolver-se. Envolver-se
é algo complexo onde o certo e o errado estão por debaixo da espessa neblina da
opinião.
Opinar. Decidir.
Posicionar. Ser humano. Coisas inseparáveis.
Gostaria de ter uma
chácara cheia de árvores e plantas. Uma cascata de fundo. Um lugar frio. Cheio
de bichos do mato. Gostaria de escrever minhas coisas de dentro da casa
confortável vendo o ambiente externo por enorme janela. Pelo tempo que na chácara
eu estiver, gostaria de deixar de ser gente. Ou seja, tiraria férias de
decidir. Uma folga das questões éticas que me afligem. Não tendo gente para
julgar, deixo de ser gente também, afinal, os outros é que me definem como
gente através da linguagem. O mato e os bichos não falam a língua de gente.
Então ficarei no silêncio sem optar, ou melhor, farei a opção de permanecer em
silêncio.
Imagem: da internet