Prof. Amilcar Bernardi
Solitário é alguém que se sente único. Por isso a solidão. Estando entre muitos e mesmo assim, continua sentindo-se só, precisa então abdicar de ser sujeito único. Eis o paradoxo: quanto mais sou único, mais estou só.
Quanto mais fixo minha atenção e cuidados em mim, experimento, por consequência, especial solidão. Especial porque esta solidão existe entre muitos outros sujeitos. O usual seria a pessoa estar só quando está sem ninguém! Não seria um “sentir-se” só, mas uma solidão de fato! A solidão a que me refiro é aquela que sentem as pessoas que não reconhecem o espaço público. Entendo como espaço público aquelas situações existenciais e lugares sociais que necessitamos dividir com o outro. Somos solitários quando entendemos que todo o espaço é particular.
O aprofundamento em si mesmo, o egocentrismo, leva o indivíduo entre tantos outros, a ser solitário. É a eterna crise que os sujeitos sociais se meteram: ser eu absolutamente é excluir o outro (o tu) absolutamente. Pelo mesmo caminho vai a idéia de liberdade! A liberdade absoluta também é a exclusão da liberdade absoluta do outro! Sediar minha consciência somente em mim é um solipsismo doloroso. Para eu deixar esta solidão, é preciso experienciar a empatia. Projetar minha personalidade para dentro da personalidade do outro para senti-lo, deixa-me menos só, pois ao menos, esta projeção é um reconhecimento de que não sou tão único assim.
Penso que a experiência da solidão nas famílias, nas cidades e nos Shoppings tem relação com isso. Há um esforço enorme do capitalismo contemporâneo para que vivamos em nós mesmos, nos nossos desejos. Acredito que a mensagem seja a seguinte: tu és teu desejo, portanto, quanto mais tu o satisfaças, mais tu serás tu mesmo. Este consumo para que existamos sozinhos, nos deixa - obviamente - só. O mundo passa a ser um meio para mim. Indivíduos passam a serem células indiferentes umas às outras, num tecido social enfermo.
Evidente que esse culto ao indivíduo onívoro de tudo que o cerca, é uma ilusão. Inclusive a solidão é algo artificial. Há séculos sabemos que somos seres sociais. Que só entre muitos somos humanos. A solidão absoluta é, portanto, uma impossibilidade absoluta. É o mesmo paradoxo que se apresenta sempre, dito de outra forma.
Seguindo a idéia do parágrafo anterior, insisto que as pessoas para serem gente precisam da onipresença humana. Somos o que somos porque humanizamos tudo e tudo tem que nos humanizar. Então, é o outro e a norma que ele representa (a pessoa é uma norma, pois é uma afirmação de conduta, de desejos e sentimentos que têm que serem respeitados) que nos impele para fora do egocentrismo. Meu visinho é o impedimento da solidão total, do recolhimento em mim mesmo. Os outros humanos impedem minha loucura, meu enclausuramento na egolatria.
Pensei tudo isso porque hoje eu estava num lugar sentado entre outras pessoas. Fixado em mim mesmo, pensava nos meus problemas refletindo com meus botões. Repentinamente fomos todos solicitados a darmo-nos as mãos. Por um segundo hesitei, estava tão dentro de mim que tocar o outro era estranho! Ou melhor, tocar um estranho era sair de mim! A regra do local, que exigia das pessoas obediência aos comandos do palestrante, salvou-me de mim mesmo, pois toquei meu visinho apesar do meu constrangimento. Sorri para ele. Então senti-me mais gente. Percebi que não estou só. Entendi que me ensinaram a ser só. Aprendi que querem que eu seja só. Senti a necessidade de ser um guerreiro em busca do outro.
Ser só é uma mentira. Somos sujeitos sociais. Levamos milhares de anos para aprendermos a importância do outro. Solidão e consumo dão lucros e geram crescimento econômico. Porém, geram guerras, violência e suicídios. Eis outro dilema.