segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Elementos de Kant



Kant no final do século XVIII, opôs-se a moral do coração de Rousseau. Kant afirma o papel da razão na ética.  Diz que por natureza somos egoístas, ambiciosos, destrutivos, agressivos e ávidos de prazeres que nunca nos saciam. É justamente por isso que precisamos do dever para nos tornarmos seres morais.  O dever kantiano é uma imposição da razão prática. A razão prática não contempla uma causalidade externa necessária – como as leis da física -, mas cria sua apropria realidade, na qual se exerce. Trabalha com o reino humano da práxis, no qual as ações são realizadas racionalmente não por necessidade causal, mas por finalidade e liberdade.
Podemos perguntar: se somos racionais e livres, por que os valores morais não são espontâneos em nós, mas precisam assumir a forma de dever?
Responde Kant: porque não somos seres morais apenas. Também somos seres naturais, submetidos à causalidade necessária da natureza. Nosso corpo e nossa psique são feitos de apetites e impulsos. A natureza nos impele a agir por interesse. Esta é a forma natural do egoísmo. A razão prática deverá dobrar nossa parte natural. Ela nos obrigará a passar das motivações do interesse ao dever.
Para Kant a natureza a ser conhecia tem, digamos didaticamente, duas características: existe e possui organização própria e pode ser “organizada” por quem a conhece.  A segunda característica diz respeito a nós, que a conhecemos. Nós só podemos conhecer a natureza através de uma janela. Essa janela tem como “altura” o espaço, como “largura” o tempo. Claro, os termos altura e largura, inventei para dar uma noção mais clara do que Kant disse.
Vamos tornar mais complexo isso? Podemos chamar a janela de “a priori” (pois molda a matéria que vamos perceber). A natureza, que vemos através da janela, podemos chamá-la de a posteriori.  O conhecimento a priori não depende da observação (existe antes dela), é uma atividade que acontece antes da observação e de forma espontânea. Essa atividade dá forma a experiência. O conhecimento deve ser independente da experiência, pois foi “peneirado pela reflexão”.
Ex.: A pedra cai de fato (experiência). A capacidade que eu tenho de entender isso e que, portanto, torna esse fato uma lei universal é a priori.

Genericamente:
A priori: diz-se de conhecimento que é condição de possibilidade de experiência, e que independe dela quanto à sua própria origem.
A posteriori: diz-se de conhecimento, afirmação, verdade, etc., provenientes da experiência, ou que dela dependem.

Kant afirma que não podemos conhecer o que não passa pelo conhecimento sensível. Ou seja, podemos conhecer o que podemos ver pela janela que é a priori (lembra?).  Sobre o que não é visto através dessa janela nada é possível dizer. Isso complica a afirmação que Deus existe. Kant não era ateu, apenas estava consciente dessa dificuldade.  Sem poder provar a existência de Deus, elaborou uma moral alicerçada na autonomia da razão humana.  Ou seja, a moral deve ser elaborada pela razão humana.
Ora, se a razão é um atributo a priori (inerente ao ser humano), então uma moral nela fundada seria universal. Essa autonomia é "a saída do homem de sua menoridade". Como somos por natureza, segundo o autor em estudo, egoístas, ambiciosos, destrutivos, agressivos, cruéis, ávidos de prazeres que nunca nos saciam e pelos quais matamos, mentimos, roubamos, precisamos do dever para nos tornarmos seres morais. Assim a razão prática faz a si mesma aquilo que ela própria criou: o dever. Esse dever não é uma imposição externa, é a expressão da lei moral em nós. Por isso somos autônomos, porque é a razão que nos impõe, mas a razão é algo intrinsecamente humano. Nunca poderá ser uma imposição externa.
Para tornarmos essa questão mais didática, vamos ao seguinte exemplo. Todos nós mentimos algumas vezes. Pequenas mentiras (ou não). Dificilmente conseguiríamos nos mantermos cem por cento livres de alguma inverdade. Mas, caso fôssemos convocados a ensinar a turma da quarta série a mentir, não conseguiríamos. Aquelas carinhas atentas nos fariam tremer. Algo nos impediria. Pelo menos em nossa alma ficaria muito claro que estaríamos fazendo algo errado ao ensina-las a mentir. Kant chamaria de um senso moral. Esse senso moral, que para vence-lo precisamos fazer algum esforço, é denominado de imperativo categórico. Esse termo foi criado por Kant em 1785. Para entendermos melhor o que quer dizer imperativo, podemos aproxima-lo – arriscando deturpa-lo - da idéia de Mandamento (no sentido dado na Bíblia).
Esse imperativo é assim chamado por que é incondicional, existe e pronto, esta lá a comandar. Esse imperativo é incondicional e absoluto.  Essa lei ocorre antes que a experiência tome dela consciência, portanto, ela é a priori. Mesmo que cumprir essa lei traga para mim desvantagens, sei que devo cumpri-la. Sei que devo cumpri-la mesmo quando não a cumpro. Não devemos fazer o bem pensando em algum retorno para nós mesmos. A ação será moral se agirmos somente em nome do imperativo.  Agimos por causa da lei moral. O prazer pode até acompanhar o ato moral, mas nunca o motivo desse ato. A boa vontade é a manifestação da razão, por isso seguimos o dever pelo dever mesmo.
É importante entendermos esse imperativo categórico. Como Deus está fora da “janela” do entendimento, devemos nos guiar na boa ação, ou seja, no imperativo incondicional. Ë a própria razão que as dita.

Imperativo categórico: Age de tal forma que o princípio moral (máxima) de tua ação possa tornar-se uma lei universal.

É possível dizer que Kant divide a ética possui duas partes. A parte a priori: esta é não empírica, ou seja, é  pura. Também afirma a existência da parte empírica, ou seja, o que baseia-se nos preceitos ensejados pela experiência. Esta última parte seria a aplicação correta dos princípios a priori. Temos inclinações (vícios) que devem ser superados para sermos virtuosos. A força para a superação vem dos estudos metafísicos. O homem sabe quando transgride “a lei”. O imperativo se auto impõe porque os homens podem transgredir as leis morais, mas sabem que não devem. Essa auto-imposição garante a liberdade do homem. O imperativo é aceito e seguido em função de uma vontade interna (que pode ser negada quando seguimos nossas inclinações). O que é contrário a lei (racional) deve ser combatido. A virtude deve ser cultivada. Como somos livres, devemos exercitar nossas forças internas para seguirmos os ditames da razão.
Percebamos que Kant não diz o que devemos fazer, ou seja, o conteúdo da lei. Ele apenas nos fala da lei que deve ser seguida sempre e de forma absoluta. Aplicar a norma nos faz agirmos corretamente. Ele afirma que sabemos com antecedência o que está certo e o que não está. Esse saber brota, salta de dentro de nós.  “A capacidade de distinguir entre o certo e o errado é tão inata quanto todas as outras propriedades da razão. Todas as pessoas entendem os acontecimentos do mundo como causados por alguma coisa e todos têm também acesso a mesma lei moral universal. Esta lei moral tem a mesma e absoluta validade das leis do mundo físico. Ela é tão basilar para nossa vida moral quanto é fundamental para a nossa razão o fato de que tudo possui uma causa, ou de que sete mais cincos são doze”.(Gaarder, Jostein. O mundo de Sofia: um romance da história da filosofia. São Paulo, Companhia das letras, 1995. Pg 356).
Existem dois tipos de imperativos. O categórico e o hipotético. O hipotético acontece na prática para alcançar algum objetivo. Exemplo: Ajudo a comunidade para ser eleito governador. Já o categórico difere porque, nesse caso, a ação é boa em si mesma, não é um meio para atingirmos outra coisa. Exemplo: ajudo uma pessoa porque devo ajuda-la, sem nada querer em troca. Ajo apenas pelo dever de agir. Essa ação praticada por ela mesma é chamada por Kant de boa vontade. Através dessa boa vontade escolhemos somente aquilo que a razão, independentemente das paixões (desejos), reconhece como bom.
O dever kantiano não é um catálogo de virtudes, uma lista de faça isso, não faça aquilo. O dever é uma forma que deve valer para toda e qualquer ação moral. Essa forma é imperativa, não admite “se...então”ou qualquer condição. Não pode ser condicional. 
Fórmula geral do imperativo categórico: Age em conformidade apenas com a máxima que possas querer que se torne uma lei universal.
Desta fórmula geral Kant deduz as três máximas morais que exprimem a incondicionalidade dos atos realizados pelo dever ↓

╠ Age como se a máxima de tua ação devesse ser erigida por tua vontade em lei universal da natureza.

╠ Age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca como meio.

╠  Age como se a máxima de tua ação devesse servir de lei universal para todos os seres racionais.

Máxima: Princípio básico e indiscutível de ciência ou arte; axioma.

Essas máximas deixam clara a interiorização do dever, pois nasce da razão e da vontade legisladora universal do agente moral.




Para refletir

sábado, 25 de novembro de 2017

A República Democrática das laranjeiras








Na República Democrática das Laranjeiras, havia laranjas demais. Tanto os espaços públicos quanto os quintais estavam abarrotados de laranjeiras. A fruta estava por todo lugar devido a excessiva abundância. Portanto, esta fruta não tinha valor algum no mercado. A lei da República Democrática das laranjeiras sequer mencionava a fruta em suas normas, no seu código civil ou penal. Os cidadãos não se preocupavam com esse produto, pois não tinha nenhum valor, não era passível de furto nem, nunca, sugeriria um latrocínio! Quem praticaria um crime para ter o que havia para todos?






Certo dia as laranjeiras começaram a morrer. Alguma praga as atingia. Como havia em abundância, não houve maiores preocupações. Com o tempo, elas passaram a rarear. Sobraram apenas algumas árvores que produziam essas frutas. Dez famílias ainda as possuíam em seus quintais.



Passados vários meses, aconteceu o impensável! Uma dessas famílias teve seu pátio invadido e algumas frutas furtadas. Caso raro! Por que teria acontecido isso? As dez famílias se reuniram para discutir o caso. Perceberam que no país, só havia dez famílias proprietárias das únicas laranjeiras da nação! Perceberam sua importância: únicas proprietárias! Aumentaram seus muros. Contrataram seguranças e passaram a vender as laranjas. As vendiam abertas, sem as sementes! Queriam continuar os únicos proprietários. Enriqueceram.





As dez famílias ricas compraram seus deputados e senadores. Estes, criaram leis. As novas leis criaram novos tipos de crime: furtos de laranjas, roubo de laranjas simples e qualificado. Também não esqueceram de criar o latrocínio por laranjas! No início, as penas eram dentro da média de outros crimes similares. Com a crescente importância das laranjas, a coisa piorou. Roubo de laranjas qualificado e latrocínio por laranjas, tornaram-se crimes hediondos. Prisão em regime fechado em sua totalidade. Havia estudos até de pena de morte.



A República democrática das Laranjeiras, tornou-se altamente violenta. Antes destas leis não havia quase crimes.  Agora crimes é o que mais há. Ao criarem os tipos penais já citados, por consequência, criaram os respectivos criminosos! 



Consumir laranjas tão desejáveis e raras, só com o porte da nota fiscal! As dez famílias, hoje donas da República, eram muito exigentes. Cobravam a lei a risca! Queres laranja? Compra! Faça por merecer! Trabalha, economiza, faça empréstimo!



A violência não parava de crescer. As dez famílias abastadas começaram a doar equipamentos e armas para a polícia. Esta, imensamente grata, cuidava de forma especial os laranjais destas famílias. Os políticos financiados por elas, aumentavam salários e verbas para as forças de repressão.  O presidente da República Democrática das Laranjeiras, tinha muito suco de laranja em sua mesa. Era, inclusive, parente das abastadas famílias.



Os cidadãos desta nação se revoltaram. Ora, quando tinham laranjas demais, eram muito mais felizes. Agora, são espoliados para poderem usufruir das frutas que eram de todos! Como foi possível ficar para dez famílias, o que era de todas as famílias? As ruas estavam tensas, murmúrios e sussurros falavam em greves e levantes.



 Laranjas para todos! Que todos tenham o direito fundamental de ter ao menos um pé de laranja em cada quintal! Para cada boca, uma laranja!



As dez famílias estavam desconfortáveis. Os revoltosos não se calavam. Dia e noite a mesma ladainha! Para cada boca uma laranja!  



Então as famílias abastadas falam com o comandante da polícia.



Depois desta conversa, o comandante dá um golpe de estado e se torna o presidente/comandante da nação. As laranjas são salvas nos quintais das dez famílias. Os presídios lotam.



As pessoas voltam para suas casas sem laranjas. Agora também é crime hediondo o tráfico de sementes de laranjeiras. Laranjas não são para todos, só para os que se esforçam e podem pagar.



Alguns cidadãos revolucionários, extremamente perigosos e procurados pela polícia da República, tiveram uma ideia radical. Traficaram sementes de laranjas de países distantes. Nas madrugadas frias da República, começaram a plantá-las nos quintais abandonados. Também nas margens dos riachos em lugares de difícil acesso. Nas matas, nos morros, nas casas abandonadas! Onde houvesse terra, estava sendo plantadas laranjeiras.





Intelectuais das universidades, revolucionários e corajosos, ensinavam como plantar estas sementes, como cuidá-las. Pessoas desconhecidas cuidavam os lugares de plantio. Sociedades secretas faziam proliferar a campanha do plantio criminoso de laranjeiras. Quando alguns destes eram presos, outros tantos continuavam o trabalho. O tráfico de sementes se tornou epidêmico e ninguém mais pode controlar.



As dez famílias perderam o poder. O governo caiu.  As laranjas hoje são comuns. Todos podem tê-las e não valem mais nada. Há jurisprudência farta que afirma que as leis sobre as laranjas já não têm sentido. Não existem mais furtos e roubos de laranjas na República Democrática das Laranjeiras.



Mas dizem que estão tentando destruir os abacates! E que quando estes forem raros... tudo de novo!

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

O caso do boné do partido vermelho




Nos finais de semana, sempre que posso, vou caminhando até a casa da minha mãe. Geralmente uso um boné vermelho.  Tenho mais de um. São vermelhos porque representam um time de futebol: o Internacional de Porto Alegre. Mas o que quero comentar é o seguinte. Por três vezes, três pessoas moradoras do bairro onde mora minha mãe, confundiram o vermelho do meu boné com o vermelho de um partido político. As três pessoas, cada uma por sua vez, em dias diferentes, interromperam minha caminhada. Uma delas estava a pé (como eu) e outras duas nos seus carros. Elas, cada uma a seu turno, disseram para mim mais ou menos o mesmo: “Amigo, troca de partido político! ” Vozes amistosas e alegres.  Nem desconfiaram da gafe. Para mim, meu boné apenas significa apreço por um time de futebol. Para elas, significa uma escolha infeliz por um partido político indesejável (para elas!). A interpelação foi intempestiva e, portanto, inoportuna.

O fato de me interpelarem, traz embutido nele algumas apostas feitas por elas. Apostas que não concordo.  A primeira é de que têm o direito de me interpelar, interrompendo meus passos. Também partiram do princípio (injustificável) de que eu valorizaria o conteúdo das interpelações. E, por último, estavam (e estão ainda)  convictas (por pura crença) de que há alguma verdade nas suas falas.  A única verdade “verdadeira”: a terceira admoestação destas pessoas, fez-me pensar o que escrevo agora.

Entendo que a liberdade de expressão é um valor imperioso, importante o suficiente para estar esculpido na Constituição Federal. Entretanto, o direito de expressar algo não é o mesmo que invadir o espaço mental/espiritual de alguém. Meu espaço intelectual, meu espaço de pensar meus pensamentos pelas ruas da vida, é inviolável. Estas três pessoas, acredito que de boa-fé, violaram meu espírito.  Eu não desejava (e também não rejeitava, apenas queria ignorar) a opinião delas.  Sequer fui consultado por elas se queria entrar em contato com opiniões partidárias, ainda mais desta forma abrupta.

Falo isso especificamente na questão partidária. A parte da política com a qual essas pessoas se identificam (oposta ao da cor vermelha), não tem relevância para mim. Qual valor terá uma interpelação partidária para quem nem está pensando nisso? Que valor terá uma opinião partidária, para quem é violado em seu silêncio de caminheiro de final de semana? Ainda mais porque veste algo vermelho? As três pessoas (cada uma em sua vez) não entenderam o significado que dá o caminheiro ao seu boné vermelho.  Para elas, na pressa em opinar, a intenção do transeunte não era em nada relevante.

Aqui não há rancor, nem mágoa, nem “mi, mi, mi” nenhum. Apenas comento a desatenção desrespeitosa ao direito cidadão de caminhar mentalmente solitário. As três ocasiões valeram apenas para eu refletir. Nas três situações as três pessoas foram arrogantes. Pensam que tem o direito de interromper meus passos, apenas para afirmar alguma verdade não solicitada. Creem que eu validaria com minha atenção tal vaidade e arrogância.

Quem endossou as verdades ditas por elas? As três pessoas foram incapazes de tal reflexão. Elas se auto endossam.

O significado partidário do boné vermelho está dentro delas. O sentimento de rejeição ao partido vermelho está dentro delas. Eu estou fora. A questão é simples: eu não queria (nem quero) invadi-las com minha representação futebolística do boné. Mas, as três pessoas, se sentiram invadidas pelo que acreditam estar em mim: um apoio a determinado partido político. E então, tocadas em suas representações internas, jogaram-nas em minha direção. Uma total elucubração interna delas, externadas para mim, o caminheiro solitário. Para elas, meu interior não tem importância nenhuma. Estas pessoas só veem e sentem elas mesmas. Elas queriam que eu, mero caminheiro de final de semana, as entendesse, as aceitasse e aprendesse com elas. E eu aprendi mesmo: vou ficar mais atento para não eu fazer o mesmo que elas!



quarta-feira, 31 de maio de 2017

A virtú e a fortuna na política brasileira.


         Prof. Amilcar Bernardi
         Obs.: Escrito no início de 2017.
    
      É muito comum governos que estão fragilizados economicamente e/ou politicamente, aventurarem-se em guerras com outras nações para unificarem seu povo em outro foco. A história é farta destes exemplos. Essa união tenderia a favorecer estes governos, uma espécie de “pausa” na reflexão econômica e política quando fracassadas. Uma pausa motivada pela exacerbação de um nacionalismo mítico. Geralmente não dá certo.
    
      Unir o povo em sentido contrário aos problemas nacionais, portanto, é uma prática antiga e também atual. Maquiavel alertava que o povo pode ser conduzido, mas por pessoas especiais, os príncipes de virtú.  Virtú é a capacidade que o condutor do Estado teria em controlar os acontecimentos através de estratégias. Entretanto, a história é imprevisível e a fortuna comanda metade da nossa vida. Entendamos aqui fortuna não como dinheiro, claro; mas como sorte, boa ou má sorte. Portanto, quem se lança no mar da política pode até contar com muitos conhecimentos e tecnologias, mas com certeza, não poderá controlar a vontade do mar.
    
      O PT nestes anos de governo não conseguiu unir as esquerdas, nem dentro da sua própria sigla. Não teve a virtú necessária. A oposição cresceu e aventurou-se a disputar o poder. Aproveitou o cenário econômico desfavorável, a mídia tendenciosa e emplacou o impeachment. Mas, a fortuna é o lado da história que não é controlável. Temer uniu as esquerdas melhor do que o PT sonhou fazer. Efeito colateral que ele (Temer e aliados) não previu. Não teve sabedoria para tal.
    
      Não foi preciso criar uma guerra externa nem nenhum factoide maluco para unir as pessoas numa luta. A direita fez isso. Maquiavel já afirmava: “Mas a ambição do homem é tão grande que, para satisfazer uma vontade presente, não pensa no mal que daí a algum tempo pode resultar dela. ”
    
      O mal da ambição do PSDB, PMDB e associados é a união das esquerdas. Resta saber se a maré que está a favor delas manter-se-á por muito tempo. Terão as esquerdas virtú? Ou fracassarão?
    
      Que soprem os ventos nestes mares tumultuados da política brasileira!



sexta-feira, 14 de abril de 2017

Antígona de Sófocles

Considerações possíveis sobre a obra Antígona, de Sófocles
Prof. Amilcar Bernardi

A questão que se apresenta nesta obra é a verdade da lei, da norma. Essa questão sempre foi constante na história do homem. Homem como sujeito que vive em sociedade. O problema de ser um entre muitos é uma crise constante e complexa. Como não podia deixar de ser, a tragédia grega aqui comentada, traz essa questão de forma absoluta e irredutível: se a personagem Antígona está correta, Creonte não estará e vice-versa. Personagens antípodas. Portanto, sem meio termo; irreconciliáveis.


Antígona defende a cultura do seu tempo e do seu povo. Representa a cultura mais antiga e arraigada: a existência de uma verdade que está acima dos homens, intocáveis por estes. São válidas somente estas normas, baseadas nos princípios metafísicos. Elas são coerentes com a existência das divindades, de um plano divino. Antígona é filha do seu tempo e coerente com ele. Defende a tradição ainda viva.  Ela, por consequência, não está em condições de sequer avaliar a possibilidade de aceitar as reflexões do Creonte. Estas reflexões são humanas demais, colidem com os desígnios dos deuses e fazem a personagem sofrer ao manter insepulto seu irmão.

Antígona ao defender seus argumentos, faz eco à crença popular. Povo que já murmura contra seu rei. Isso demonstra que, para eles, a argumentação legítima é a dela; desconfiam que ilegítimo é Creonte. Antígona os ouve e os entende. Seu rei, não. Creonte se fragiliza ao ignorar a desconfiança popular em relação a sua legitimidade. De fato, o trono é de direito dele. Mas o tirano, em suas deliberações monocráticas, não se baseava na ordem do cosmos – divino -, nem nas crenças do seu povo. 

O rei sabendo disso, tenta silenciar Antígona para manter sua legitimidade. Sepultada viva num antro rochoso, essa brutalidade evidencia aos cidadãos a desconfiança em seu rei.  Creonte é avisado que o futuro traz maus presságios. Todos sabem, mas o rei ignora: um homem não é superior à ordem que tudo rege. A ordem é superior ao indivíduo, à pessoa humana.

O tirano quer prevalecer ao destino. Mas é ilegítimo por querer que sua vontade, que seu arbítrio seja soberano.  Ele custa a perceber que nada pode contra o divino, contra o destino.  É tarde demais quando a lucidez o faz perceber que a ordem vai se restabelecer através das mortes de seus entes queridos. É o preço que vai pagar. O preço é a morte trágica de seus afetos e a vontade de suicídio que fere sua alma. Suicídio que é negado e ele sofre todas as dores que o destino a ele prescreveu.  A ordem volta, o tirano morre em vida, uma espécie de rei zumbi.

A idade média insistiu em manter esse dilema: ordem divina X ordem dos homens. Tentou manter a ordem de Deus acima da ordem dos reis.  Por isso pagou o preço de milhares de mortes em guerras “santas” para manter esse dogma.  A modernidade, por sua vez, colocou a razão no lugar de Deus. Hoje o consumo como dogma metafísico, assume as rédeas dos governos capitalistas. Também o preço é alto: guerras e catástrofes climáticas provocadas pelo homem.
Creonte e Antígona não morreram. Estão entre nós numa luta eterna e sempre atual.