terça-feira, 23 de julho de 2013

A terrível experiência na floresta


Prof. Amílcar Bernardi 


Achei que conhecia aquela floresta. Muitas vezes por ela andei e acreditava conhecê-la. Coisa de gente jovem e inexperiente, confesso. Porém, ficou a lição: nunca subestime os perigos da floresta. Sempre há surpresas e de cada canto algum animal pode saltar e ferir.

Naquela floresta de palavras, as árvores de sílabas eram altas, quase tapavam o sol. Era difícil guiar-se. Então eu me perdi.  Cachoeiras verbais, enormes, saciaram minha sede, mas o perigo de cair nelas, ser tragado e morrer sem saber nadar, era enorme.  Resolvi, para sair daquela selva perigosa, seguir as águas do rio. Pareceu-me mais fácil.  Mera ilusão! Concordâncias verbais nadavam perigosamente naquelas águas. Mesmo eu ficando nas margens, elas olhavam-me a espera da queda fatal. Era aterrador. Uivos das concordâncias nominais surgiam da selva densa. Fiquei terrificado. Se caísse nas águas sem saber nadar, seria devorado ou afogado. Se optasse por ficar às margens, poderia ser atacado a qualquer segundo, pois não conhecia bem essas concordâncias verbais. Como seriam? Talvez, pelo medo que sentia, fossem criaturas enormes a espera do meu erro. Fatalmente eu iria morrer nos dentes delas.

Já era tarde. Ia anoitecer. Então pensei em fazer uma fogueira para assustar as feras. Percebi que iria ficar a noite na floresta das palavras. Acalmei-me. Respirei fundo. Era só fazer fogo. As feras e insetos fogem do fogo.  Juntei galhos de dicionários já mortos pelo tempo ou derrubados por tempestades gramaticais.  Os ventos sempre derrubam das árvores dicionários, galhos que são úteis aos perdidos. Juntei vários deles e fiz uma estrutura para por fogo.   Após as chamas, fiquei mais aquecido. As trevas da noite estavam rapidamente tomando a floresta.  O medo era terrível. Eu ouvia as acentuações gráficas rastejarem pelo mato. Se fossem venenosos eu estava perdido! Era uma picada só e eu morreria sem ajuda. Tremi ao lembrar-me que nas selvas não existem gramáticos para salvar os incautos perdidos! Era meu fim, com certeza.

Ditongos voavam e picavam minha pele. Os hiatos eram os piores, pois eram maiores. Qual repelente seria forte o suficiente para afastá-los? Nenhum! Minha pele ardia, mas eu era jovem e podia suportar. Ao fundo da paisagem negra da noite, tritongos rugiam. Creio que caçavam a noite, nem sei. Eu sabia que, quando o dia amanhecesse, alguém viria salvar-me! Muitas pessoas sabiam que eu adorava perambular pela selva de palavras. Com certeza eu seria salvo!

O frio era muito intenso.  Ainda bem que eu havia juntado alguns morfemas gostosos, eram frutinhas de aparência horrorosa, mas após agente se acostumar, ficam aceitáveis ao paladar. Não podia negar que os morfemas são úteis nessa floresta terrível! Vejam bem, é bom ter cuidado. As desinências são frutinhas que podem provocar dor de barriga, e como todos sabem, na mata a desidratação pode ser fatal!  É preciso conhecer bem a floresta das palavras para sobreviver. Por isso que a maioria das pessoas não sobrevivem nela.

O sono era tão intenso que amontoei adjetivos para travesseiros. Pedaços de substantivos cobriam-me. Sem fome e um pouco aquecido, iria sobreviver ao medo e aos animais perigosos. Com muita sorte os advérbios fatais e preposições assassinas nem perceberiam que eu estava ali, indefeso. Eu sou um sujeito de sorte, sempre fui. Já tinha sobrevivido muitas vezes naquela floresta complexa e perigosa. Eu era forte, iria ficar vivo e contar para os outros minha experiência!

Acordei ouvindo gritos! Haviam me encontrado! Quanta alegria! Eram corajosos policiais da guarda sintática! Armados com períodos simples, estavam seguros contra os terrores da selva. Finalmente estava feliz. Finalmente sairia bem da minha aventura. Aprendi muito. Quando eu voltar, e sempre voltarei, estarei mais preparado. Nenhum adjunto adnominal ou complemento verbal fará com que eu desista da selva.

Ufa! Estou cansado.  Mas aguardem-me! Logo terei mais aventuras para contar.



Imagem:  http://florestacomagil.blogspot.com.br/

sábado, 6 de julho de 2013

Para refletir: Descrença absoluta

Prof. Amílcar Bernardi


A sociedade está carente de valores. Aqueles valores que agregam, que trazem confiança para as pessoas. Tirar vantagem sempre (que é um valor também) trás desvantagens sempre (perdoem o trocadilho). Quanto maior a vantagem que tenho sobre o outro, maior será a desconfiança que se estabelece. Sujeitos desconfiados são violentadores e violentados, pois foi retirados deles a capacidade de não temer o próximo.

 

O elogio desenfreado à racionalidade é preocupante. Penso que a confiança é algo irracional. Está mais próxima da fé na bondade do outro do que na capacidade de calcular o mal que o próximo pode nos causar. Penso que a racionalidade faz com que eu desconfie primeiro. Depois, como exceção à regra, eu estendo a mão solicitamente ao outro. A razão pondo o cálculo acima da crença (irrefletida) na bondade alheia, faz com que a confiança seja exceção e não a regra.

 

A desconfiança (racional, refletida) virou epidemia. O medo de ser lesado e o desejo de lesar esta desestruturando os vínculos sociais. O número de leis cresce enormemente e cada vez são mais duras. Como resultado, passam a ser uma arma nas mãos dos mais “espertos”. Estes “espertos” as usam em favor próprio. Corremos o risco de o emaranhado de leis causarem ainda mais desconfiança nos seus usuários. Os cidadãos temem a lei, pois ela pode voltar-se contra eles mesmos. Porém, ela logo vira poderoso gládio quando os favorecem. Nenhuma lei pode ser justa ou causar harmonia na sociedade, quando os valores estão adoentados. Todo o valor que diminui a qualidade de vida dos cidadãos é doente.

 

A descrença avança. A razão empobrecida pelo cálculo egoísta/hedonista avança. Quando falo em descrença e falta de fé, não necessariamente refiro-me a apelos religiosos. A falta de fé na capacidade do homem cidadão ser bom, mata a cidadania do homem. Podemos também afirmar o seguinte: a crença na mesquinhez absoluta do homem, causa a descrença absoluta na cidadania. Aquilo em que acreditamos ou que desacreditamos é que in/viabiliza a coesão social. Vejo que estamos cada vez menos coesos. Não penso que as cidades desaparecerão, que epidemias dizimarão milhões de pessoas. Apenas entendo que os laços que nos manterão nas cidades serão cada vez mais precários e penosos. Pertencer à sociedade será um ônus quase impossível de suportar.

 

Quando a ausência de fé no outro acontece, as sociedades buscam alternativas para sobreviverem na convivência. A fé no dinheiro e tudo que ele significa parece ser uma alternativa bem boa. Mas é apenas aparência. Nada pode comprar a confiança. A confiança é um valor não quantificável. Até podemos comprar segurança, mas nunca confiança. Com certeza quanto mais compro segurança, é porque mais desconfiado estou. Nada pode substituir a confiança no outro baseado nos valores do amor e do respeito. Digo isso porque sei disso. E sei porque sinto isso. Porque é um fato inquestionável. Sinto isso todos os dias; no supermercado, no estacionamento, nas aulas que dou. A confiança que tenho na absoluta maioria dos meus alunos, por exemplo, é em tudo diferente do salário que recebo.

 

Sei que inúmeras pessoas já atingiram a descrença absoluta, o desvalor absoluto. Porém estas nada mais podem contar para nós. Refiro-me aos suicidas. Eles são um bom exemplo para refletirmos sobre a desilusão absoluta. Fico também imaginando se a humanidade um dia chegará a esse nível, a descrença absoluta no outro. Aí sim, o mundo acabará e não será por um cataclismo planetário. Será um cataclismo na fé do homem no homem e, portanto, sua morte autoimposta e absurda.

 

 

 

 

sábado, 25 de maio de 2013

Amor e alienação

 Prof. Amilcar Bernardi

 

Podemos dizer grosseiramente que a alienação, em Marx, acontece quando o trabalho humano produz coisas que são independentes e não pertencentes à pessoa que as produziu. Penso que, seguindo essa reflexão, alienar-se é viver produzindo coisas que não vão nos pertencer, ou seja, existimos para o outro (ou para as coisas) na esperança de ter a plena posse (das coisas ou das pessoas). Nas montadoras de veículos, monto o carro que não terei, estudo para o curso superior não pelo conhecimento em si, mas para o status[1] (que nunca será totalmente “meu”), vivo para o dinheiro (que nunca o possuirei na sua plenitude)... Assim, entendo que vivemos mais para fora de nós do que para o crescimento como pessoa única. Construir-me como alguém que está sempre fora de si é perigoso. Alienar-se, nesse sentido, é não ter empatia (caminho de ida e de volta; na alienação é só ida). O inverso, evidentemente, é também perigoso: viver para dentro, ensimesmado, imerso num egocentrismo. Aqui é interessante lembramos do “meio termo” aristotélico.

O que é o amor? Inúmeros poetas já o tentaram definir. O amor como o conhecemos é recente (sob o ponto de vista histórico). Ele é considerado um sentimento nobre que nos predispõe favoravelmente a outra pessoa, que nos faz desejar o bem dela, levando a uma situação de dedicação e, não raro, nos leva a devoção. Quando amamos, tendemos a esquecer de nós e a aproximarmo-nos do outro. Esse sentimento, esse esquecimento de si é culturalmente louvável e incentivado. Tanto as religiões quanto os poetas elogiam essa situação. Viver para o outro é amar. Podemos ir ao extremo de apaixonar-se. Então se agrava esse esvaziamento de si. A paixão é um sentimento exacerbado que se sobrepõe a razão. Quanto mais amo menos sou eu mesmo. Alienado, perco-me na busca da posse impossível do outro. Vivo para ou outro. Se guardo para mim grandes parcelas de eu mesmo, sinto como se não amasse o suficiente. O mesmo eu cobro da pessoa querida!

Podemos pensar: por que nos alienamos dessa forma? Na verdade, esquizofrênicos, buscamos o prazer narcíseo, egocêntricos e egoístas, buscamos no outro, na vida do outro, EU MESMO! Busco a MINHA satisfação, o Meu prazer, a MINHA alegria! Mesmo que para isso perca parcelas importantes da minha identidade e da minha liberdade! Vivo para o outro para ser EU MESMO feliz!!!!!!!!!!! Dialética estranha, porém, real e inevitável. Quantos morrem por seus amores! Preciso tanto do outro para ser EU que morro por isso! Portanto, amar é alienar-se. Quanto maior essa alienação, menos estou em mim para conhecer-me, para conscientizar-me de mim mesmo. Estranho, não? Viver para o outro (na esperança da posse plena) é uma tentativa de encontrar a mim mesmo!

 

 

 

 



[1] Status: lugar social ocupado pelo indivíduo no sistema de estratificação social.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Entre o analógico e o digital: falsa escolha



Prof. Amilcar Bernardi


Há bastante tempo escuto/leio a questão: velocidade analógica versus velocidade digital, professor que sabe pouco no mundo informacional do século XXI versus nativos digitais que sabem muito. São questões que se prestam a profundas discussões, porém, penso que partem de premissas que reputo como falsas, ou no mínimo, carentes de fundamento.
Caso façamos uma pesquisa sobre a idade dos que anunciam a dominância do mundo digital sobre o analógico na educação, são os nascidos na cultura pré-digital, ou ainda incipientemente digital, que apregoam as benesses das tecnologias cibernéticas. Talvez um ou outro pensador seja bem jovem, mas na grande maioria são pessoas culturalmente vinculadas a prevalência dos cadernos, dos quadros e dos gizes: na maioria migrantes digitais, portanto.  Digo isso porque quero salientar que, no caso da educação contemporânea, a ideia de tempos (tempo da máquina de escrever X tempo dos supercomputadores) é infundada.
Quando ensinamos sempre é “hoje”; afinal, somos filhos e contemporâneos do ontem. Contemporâneos porque os avós, os pais e os filhos estão assistindo ao espetáculo das aulas: hoje! Tem professor que é pai, que é avô e tem também, o professor muito jovem, recém-formado. Todos vinculados às salas de aula! Portanto, o ensinar/aprender de ontem e o de hoje não se excluem. Tenho certeza que saber a tabuada através do quadro de giz ou por um blog, só leva em consideração a importância de saber a tabuada. O aluno que se motiva através da escrita desta tabuada no caderno, é tão “normal” quanto o motivado pela lousa digital. A motivação depende pouco dos meios físicos ou tecnológicos, depende bem mais dos fatores humanos. Alguém motivado (internamente) tende a motivar outra pessoa. Com isso, obviamente, não estou negando as TICs; apenas relativizando as “odes” feitas para elas.
Eu era praticante de uma arte marcial. Eu tinha como estímulo o desejo de sucesso numa luta entre iguais. Nessa luta a criatividade, a previsão (antevisão) do golpe do adversário é fundamental. Mas como chegar a esse patamar? O foco. É necessário ajustar o foco no treinamento para ser “randômico” na luta. Na verdade, o foco, a multivisão e a criatividade são a mesma coisa para obter o sucesso na arte marcial. Porque disse isso? Porque acredito que o aprender escolar segue a mesma problemática: foco e criatividade irmanadas; inseparáveis. Então, tanto o acesso ao conhecimento focado e o acesso “randômico”, digital e multifocal a esse conhecimento são inseparáveis na arte de aprender a aprender. Caso o professor escolha apenas uma das opções, não obterá sucesso.
Aprendi no século passado que as aprendizagens (e as ensinagens por consequência) são múltiplas, infinitas até. Então, todas as formas de ensinagem ainda são válidas, sejam as virtuais, as analógicas ou as contadas pelo índio mais velho ao mais novo. E digo mais: todas as formas de ensinar/aprender acontecem em todas as aulas, em todos os tempos e em todas as disciplinas, independentemente se da parte do professor, se da parte do aluno, se no livro, se nos espaços cibernéticos.



Imagem: http://instinctalternative.blogspot.com.br/2010/07/projeto-ciberneticos-tron.html

segunda-feira, 29 de abril de 2013

A escola baseia-se na mística e na confiança

Prof. Amilcar Bernardi

Quando os pais escolhem uma escola para seus filhos, na verdade depositam nela fé e esperança. Ambos os sentimentos são “sentidos” antes de frequentá-la. Quem escolhe, escolhe com um pé no presente e o outro no futuro. A escola que escolhemos hoje deve nos deixar seguros na sua estabilidade pedagógica, para que amanhã possamos manter nela nossos filhos. Esses sentimentos bastante irracionais como a fé e a esperança, podem ser resumidos na palavra: confiança.
Se não confiarmos, não poderemos escolher esta ou aquela instituição de ensino. Confiança tem a ver com a manutenção de uma conduta por um determinado tempo.  Uma escola que mude seu plano global, sua filosofia anualmente, com certeza será menos confiável. Da mesma forma, se o quadro de professores não se mantém, é uma preocupação importante. Em ambas as situações hipotéticas a desconfiança cresce. Um “tanto” de estabilidade e um “tanto” de rotina faz com que confiemos mais, ou no mínimo, faz com que nossas escolhas atuais possam se manter no tempo.
A tensão entre a permanência de um jeito de ser da escola e a velocidade das mudanças no sec. XXI, é uma questão chave. Como a escola se posiciona nessa tensão trará a (des)confiança. Se ela ficar petrificada, sem mudanças, morre inerte. Se mudar sem reflexão, rápida, perde credibilidade e... morre também. Escolas são ambientes que se justificam pela confiança, pois educar e confiar são um binômio inseparável.
Portanto, não creio nos que falam que todas escolas são lentas, ainda medievais porque não mudam no ritmo da modernidade. Penso que a velocidade da confiança não é a mesma velocidade da modernidade. Não podemos esquecer que estamos num tempo de inconstâncias, de medos e desconfianças. Caso a escola siga este mesmo ritmo, sofrerá dos mesmos males.
A racionalidade que acompanha a escolha por esta ou aquela escola é muito especial. Escolhemos por uma mística que exala da filosofia que sustenta a instituição escolar, que a faz única. Disse por duas vezes a palavra “mística”, porque ela sugere algo de mágico, misterioso. Ao escolher, antes de tudo acreditamos, mesmo que por caminhos mentais aparentemente racionais. Digo aparentemente porque passamos a confiar, a crer numa proposta e desacreditamos em outras tão racionais e lógicas quanto a por nós escolhida. Esse mistério que nos vincula a uma proposta educacional só se mantém enquanto nela tivermos confiança.
Não podemos igualar a velocidade das mudanças escolares às mudanças tecnológicas e às invencionices metodológicas. Muito da desconfiança que as pessoas nutrem umas pelas outras, tem relação com as mudanças aceleradas que nossa cultura sofre. As escolas não podem sofrer do mesmo mal. O mistério que nos mantém engajados a esta ou aquela instituição educacional é o cerne da educação escolar. A fé e a confiança tem seu tempo próprio. Acelerar é apostar no consumismo e na desconfiança que inspira tudo que é perecível, mutante e, portanto, irrelevante.



sábado, 30 de março de 2013

Saudades antecipadas

 Prof. Amilcar Bernardi

É uma relação de longa data. Sinto especial angústia porque não durará muito tempo. Muitos dizem que essa relação está fadada ao desaparecimento, apesar de ser uma relação já longeva. A tecnologia digital estaria tornando obsoleto o papel.
 Quando leio o jornal impresso, uma eletricidade quase sensual percorre meus dedos. Talvez porque quando eu era adolescente, quase criança ainda, adorava ler a biografia dos grandes poetas brasileiros, os clássicos, como Castro Alves, Fagundes varela, Cruz e Souza. Percebi que na época desses poetas, os jornais alimentavam a vida deles. Os impressos davam vida pública aos escritos deles. Eu então, inspirado por tais biografias, sonhava em ser como eles. Para isso desejava escrever para jornais, ter uma coluna opinativa.
Pois é, meu primeiro emprego foi num jornal de Santa Maria! Estudante ainda, eu era humilde vigia nesse jornal. Não estudava jornalismo, mas sim Filosofia. Meu lugar de trabalho era bem longe da redação! Mas logo comecei a escrever, por gentileza do jornalista responsável, pequenos artigos nos espaços destinados ao leitor. Como eu disse, é uma relação antiga.
Sinto um chamado forte, como se o jornal fosse um diário de adolescente onde eu tenho que escrever algo. Inúmeras vezes nem sei o que escrever, mas o chamado é o mesmo, forte, profundo, obscuro, visceral.  Invejo os escritos nas colunas opinativas. Alguns são de extrema qualidade.  Bicca Larré é um bom exemplo da qualidade a que me refiro.
Assim como um maestro conduz os violinistas da orquestra, observado em êxtase pela plateia; ao ler o jornal imagino-me escrevendo, regendo palavras para o deleite intelectual dos leitores. Acredito que o enlevo é o mesmo, o do maestro e o do escritor que imagino ser.
Sei que minha visão é romântica. Mas se não houvesse um romance nessa relação, ela não seria encantadora e, portanto, não seria merecedora das palavras que estou amorosamente materializando aqui.
Amo as folhas grandes do jornal. Amo seu cheiro específico. Amo seus acertos e deslizes. A história moderna só foi possível pelos jornais, pelos jornalistas e pelos escritores que despejaram tantas ideias nas pessoas através desse encantador meio de comunicação social. Tenho uma relação poética com o jornal, acho-o algo além de um informativo, é uma manifestação artística.
Escrevo agora imaginando que um dia a tecnologia digital substituirá o jornal de papel. Então, já declaro meu amor e saudades antecipadas.

sexta-feira, 29 de março de 2013



A realidade da separação corpo e mente

                                                                       Prof. Amilcar Bernardi

Quando penso em separação corpo/mente vem à minha cabeça Platão e Descartes. Tinham eles, e outros é claro, um ideal de separação onde a mente tinha evidente superioridade sobre o corpo. Cheguei a crer que essa separação estava sepultada pelos avanços da Psicologia e da Filosofia. Porém, essa dicotomia atingiu o ápice na proporção em que a tecnologia avançou e tornou possível na prática diária essa divisão corpo (pesado, fixado) e a alma (como conhecimento e informações voláteis e onipresentes).
É do senso comum que hoje o que “vale” é o conhecimento. Pessoas que sabem mais são mais, mesmo que seja pouco provável que saibamos identificar o “saber mais” do “saber menos”. Parece que pessoas mais espertas merecem o sucesso e as almas mais obtusas nada merecem, ou merecem bem menos.
As tecnologias favoreceram e realizam de fato a separação corpo/alma. Hoje, e cada vez mais, as mentes viajam volatizadas, descorporizadas pelo mundo virtual. Elas vão a qualquer parte do planeta, viajam por bibliotecas no mundo, sabem cada vez mais de mais coisas. E o corpo? Fica sentado e obeso em frente ao computador. Inclusive pessoas cada vez mais se apaixonam por outras pessoas virtuais, ou seja, se apaixonam por mentes que se projetam nas redes sociais. Quase que o físico, o corporal não importa mais. O mundo material é cada vez mais um empecilho para a realização da vida sem corpo, da vida virtual.
As discriminações tendem a ser mais pelo que as mentes possuem do que pelos corpos sarados. Corpos cada vez mais tendem a existir apenas para o prazer sexual, e as mentes espertas e perspicazes, tendem a ganhar maior valor social. Mesmos as diferenças sociais baseadas na riqueza, são valoradas diferentemente: riquezas obtidas por proezas da mente (inteligência e mesmo apenas malandragem) são mais consideradas que aquelas vindas do trabalho corporal e do suor. Convém lembrar que até as riquezas são virtuais: já não é mais possível materializar toda a riqueza planetária em notas de dólar. A riqueza só é possível dentro das máquinas virtualizantes nos bancos.
O mundo social está vivendo um momento interessante: cada vez mais investe no ideal de mentes inteligentes desligadas dos corpos. Mentes viajantes nos pelos espaços virtuais onipresentes e oniscientes. Os corpos sarados e lindos, cada vez mais são um produto para consumo rápido, como se fossem de pouco valor, um pequeno deleite entre uma conexão e outra.




Imagem: http://2pass.wordpress.com/2009/11/23/se-eu-fosse-virtual/