sábado, 12 de maio de 2012

Ninguém pede licença, somos como flashes

 Prof. Amilcar Bernardi



Comunicar é um ato invasivo. Imagina a pessoa absorta em seus pensamentos e alguém chama a sua atenção de alguma forma. A outra pessoa ao conseguir a atenção, penetrou rapidamente na cognição do sujeito antes distraído. A informação não pede licença. Quebra a vidraça dos olhos e entra, força a entrada pelos tímpanos ou pelo tato perturbando os neurônios, fazendo-se presença na nossa mente. Nunca os sons, as cores, os sabores ou os aromas pedem licença para “falarem” com nossa consciência. As pessoas agem de forma semelhante, surgem no nosso campo de percepção sem pedir licença. A comunicação é algo obrigatório/irreprimível nas vidas dos humanos.

Pensando por aí, é fácil imaginar que nem toda a informação é bem-vinda, porém, vem igual! O som que vem da porta dizendo que alguém esta a bater, o vibrar do celular “gritando” na reunião que uma alma quer se comunicar com a gente. Não conseguimos desviar a atenção daquele visual inadequado para o ambiente formal, a imagem de um acidente que tentamos não olhar, mas que se oferece despudoradamente aos nossos olhos! Podemos com certeza dizer que muitas coisas forçam a comunicação com a gente. Eu insisto na palavra comunicação porque nós respondemos (voluntária ou involuntariamente) a estes estímulos que tanto queremos evitar! Então nos comunicamos sim!

Quando vou palestrar e estou fixado no discurso verbal, veículo da minha comunicação com a plateia, esqueço que ao arrumar-me, escolher mecanicamente a gravata e o terno, nova linguagem (visual) esta se estabelecendo. Minha imagem, com certeza, também vai comunicar algo ao público. E aquele que não se preocupa com a aparência? Comunica sua despreocupação quando escolhe roupas que parecem ser vestidas ao acaso. Não dá para ser insípido, inodoro e incolor, pois somos gente. Os espaços para os comunicantes inexperientes de si mesmo está ficando cada vez menor. Sinto a necessidade de refletirmos sobre como somos informação e agimos como se não fôssemos!

Cada um de nós é uma informação que não pede licença para atingir a consciência dos outros. Aparecemos para os neurônios alheios e pronto. O outro que saiba o que fazer conosco! Surgimos sempre como flashes, assim como os outros surgem para nós. Em cada calçada, em cada emprego, em todos os momentos pessoas surgem comunicando coisas, sensações e sentimentos. Ninguém pede licença para ninguém. Cada um que se vire como pode na comunicação/aparição que faz de si mesmo! E o outro que se vire também com o que fará com o seu surgimento instantâneo nas consciências alheias!

terça-feira, 8 de maio de 2012

O funk é feminista?

                       Prof. Amilcar bernardi 

Acabei de ler um artigo intitulado “O funk é feminista”, na revista Superinteressante (Maio de 2012, edição 304). Como diz o título, o funk seria feminista porque brada pela liberdade sexual das mulheres, além de quebrar o padrão de beleza socialmente admirado nos dias de hoje, mulheres magras e loiras. Após ler o texto da Profa Doutora Carla Rodrigues, confesso, fiquei a pensar sobre o assunto.

O Funk é um movimento musical, porém, como bem mostra o texto, tem preponderantemente um conteúdo sexual explícito.  Fico mentalizando todas as imagens que veem à minha imaginação sobre esse tema. Claro que imagens marcadas pela mídia. Na minha mente aparecem sempre mulheres dançando/rebolando com roupas mínimas. É provável que eu esteja falando uma coisa óbvia, pois o funk e mulheres desejáveis são inseparáveis. Puxo da minha memória midiática as letras das músicas apresentadas por este movimento. Percebo que também estas composições falam da sensualidade da mulher, dos desejos sexuais consumados e, na grande maioria das vezes, a rima é pobre, o palavreado é rude, também não é incomum palavrões. Pelo menos é o que vejo, leio e ouço através das mídias, notadamente as televisivas. E não tenho culpa de não querer comprar Cds desta natureza e estar minimamente conectado à TV. Quem se expõe a esta ou aquela mídia, fez uma opção e não pode reclamar de ser percebido através da mídia escolhida.

Se eu fosse mulher, odiaria o texto opinativo da revista Superinteressante. Como homem, odeio igualmente. O funk não é feminista, é um ultraje à mulher. Aproximar o ideal libertário feminino de um viés apenas, o sexual, é minimizar a questão e empobrecê-la. Este tipo de movimento não é uma expressão política das mulheres. É sim o resultado de uma política, uma política excludente de uma grande parcela da sociedade brasileira.  Se o ritmo funk expressasse uma mudança qualitativa ampla, aí sim, seria algo a ser respeitado. Porém, dizer que a expressão no funk do desejo sexual através de imagens e letras caricaturais do universo da mulher, é uma das expressões do feminismo, é uma bobagem.  O feminismo é muito maior que este tipo de liberdade. Tão maior que o funk desaparece (se apequena) no contexto da luta da mulher para ser protagonista da sua história.

As moças funkeiras são vítimas da exclusão escolar, da exploração sexual e vendem seu produto “artístico” notadamente para os homens. Excluídas de outras vivências culturais usam seu corpo, o sexo e seu vocabulário (qualitativamente e quantitativamente empobrecido) na ilusão de que provocarão mudanças. Sonham em mudarem não a sociedade, mas suas vidas através do dinheiro dos seus shows. O que até é possível. Porém, o preço a pagar é a manutenção de inúmeras outras mulheres na condição de excluídas de uma vida escolarizada, menos sexualizada e de salários mais dignos. O funk não é, nem nunca será, uma expressão de um ideal feminista.

sábado, 28 de abril de 2012

Trabalho, vida e legítima defesa

                      Amilcar Bernardi



Há uma distinção um tanto óbvia, entre trabalho e emprego. Quando falamos em trabalho, incluímos todas as atividades humanas que pretendam transformar a natureza. É o esforço proposital que tem como meio as capacidades físicas ou intelectuais da pessoa. Por outro lado quando falamos em emprego, o sentido é mais restrito. A pessoa está empregada quando está a serviço de outro. Tradicionalmente e de forma dicotômica, esta distinção baseia-se no fato de que alguém tem os meios de produção e outros são um meio de produção.

A ideia de emprego é historicamente posterior à capacidade humana de trabalho. Os séculos de convivência entre trabalho e emprego quase que fundiram os dois conceitos. Essa amálgama conceitual “normalizou” e normatizou a convivência entre ambos. Porém, a coisa foi além a ponto de alguém que trabalha, mas não tem emprego, ser visto como uma exceção tornando-se uma figura no mínimo estranhável. Esquece-se que raramente alguém é desempregado por desejo próprio, como opção consciente de vida.  A questão complica-se ainda mais: com o avanço civilizatório, o vinculo empregatício tornou-se obrigatório para a manutenção da vida de um número crescente de pessoas.  Poucos (em relação à absoluta maioria) conseguem sobreviver sem emprego, apenas de seu próprio trabalho. Artesãos, costureiras, intelectuais, escritores e etc. cada vez menos sobrevivem sem algum tipo de vínculo remuneratório.

Quem não tem dinheiro morre ou tende a morrer. Quem não tem emprego não tem (ou tende a não ter) dinheiro em quantidade suficiente para viver. Seguindo esta lógica capitalista, como a grande maioria da população não consegue sobreviver com seu trabalho próprio e precisa vincular-se aos empregadores, então a vida é para poucos. Os discursos tentam dourar esta pílula indigesta. Penso que todas as questões que envolvem a vida humana são de primeira importância.

É legitima defesa reagir a alguém que nos ameasse de morte, quando o Estado está ausente ou impedido de nos defender. Quando a sociedade, sob a égide do Estado, não emprega seus cidadãos, ou seja, limita (ou elimina) sua qualidade de vida, esta mesma sociedade ameaça de morte uma quantidade incrível de pessoas. Portanto, toda a reação delas a isso é (ou tende a ser) legítima defesa.

domingo, 22 de abril de 2012

A Filosofia e a qualidade de vida

Prof. Amilcar Bernardi



Quando vamos à academia de musculação malhar, não importa com o que vamos nos exercitar. Importante é a própria atividade muscular, sua qualidade e eficácia. Os aparelhos são apenas meios.

Manter a capacidade de aprender e refletir é algo semelhante. O que mais importa é a atividade intelectual que os diversos saberes impõe à mente. Claro que, no sentido moral, é fundamental o conteúdo do que aprendemos. Mas para o desenvolvimento da reflexão, o que é fundamental é a atividade intelectual (ela é a finalidade).

Por esse viés podemos responder a questão: por que ensinar Filosofia nas escolas? Devemos ensinar porque o filosofar é uma excelente atividade para desenvolver a capacidade de aprender. A Filosofia passa a ser nas escolas, um meio (e não um fim em si mesmo) para o desenvolvimento intelectual.

Outro aspecto importante: o estudo das correntes filosóficas tem como efeito prático o disciplinamento dos desejos juvenis. Estudar os grandes pensadores que tanto falam sobre a virtude, a razão, a política e sobre os motivos das ações humanas, leva o aprendiz a melhor gerenciar seu querer.

Pensar é um refletir sobre ideias. A Filosofia alimenta as ideias para um pensamento mais qualificado. O saber filosófico retira o aluno do centro do seu mundinho. Ela o faz imergir no contexto, na realidade. O adolescente entra em contato com outras verdades tão possíveis quanto as suas e, não raro, mais coerentes e complexas.

Ensinar Filosofia é reconhecer que a vida é um problema sem solução, portanto, é a complexidade da vida que fascina. Filosofar é reconhecer que viver (bem viver) é pensar (bem pensar). O jovem precisa saber que sua qualidade de vida é dependente da reflexão sobre o que aprendeu, ou melhor, da sua capacidade (sempre ampliada) de refletir.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Lendo inúmeras "pérolas" nas redes sociais, publico novamente...

                      A erudição é uma boa opção para os cibernautas
                                                                                                                                            Prof. Amilcar Bernardi
 

Um mouse e um PC conectado leva o adolescente ao mundo sem sair do conforto do seu quarto. A infinidade de informações apresenta-se como o horizonte, uma promessa sempre à frente, inalcançável em plenitude. Horizontal também pode ser entendido como ausência de profundidade, não verticalidade. O internauta afoito ganha em horizontalidade, perde em profundidade. É fato que não é possível aprofundar tudo o que a internet oferece em termos de informações.

A erudição pode ser uma boa escolha para os cibernautas. Afinal, nunca as pessoas tiveram tanto acesso às informações, nem nunca o acervo cultural foi tão amplo. Porém, tudo está muito raso, tão superficial que uma pessoa plugada, lincada a tudo, não pode ser chamada de erudita. Este paradoxo chega ser constrangedor.

Ter acesso a tudo que é produzido pela mente humana, não faz de mim um erudito. A amplitude do acesso pode impedir o foco em algo. Afinal, focar pressupõe algum critério de seleção. Hoje, cada critério elaborado é quebrado por uma tecnologia nova que amplia o leque de opções.  A maioria das pessoas está vagando sem rumo pelo ciberespaço, da mesma forma que uma pessoa do interior na Avenida Paulista observa os enormes prédios.  É um olhar sem critérios para ver.

Uso o termo erudição como uma antítese do que normalmente as pessoas fazem no ciberespaço, pela questão histórica que envolve a palavra. Quando penso em erudição, lembro-me das pessoas de séculos atrás, que liam muito, exercitavam a memória, gastavam horas absorvendo conhecimentos para expô-los com maestria. Os que não tinham tal erudição, ironizavam as pessoas que estudavam apenas para mostrar sabedoria decorada! No Brasil de outrora, poucos se dedicavam a falar bonito, a encantar ouvintes! Estes poucos eram os eruditos, os que estudavam numa concepção estética: era bonito falar, pensar e aparentar conhecimento! Por isso a crença de que os eruditos sabiam pouco (profundidade) e buscavam apenas a beleza da expressão. E hoje? Será que além de perdemos profundidade, também perdemos o senso estético da expressão?

Sou um esteta não por opção. Creio que a quantidade de livros que li retiram a minha liberdade de escolher ser feio ao expressar-me. Portanto, sou um erudito.  Adoro falar bem, pensar bem. Leio e estudo muito para fazer bonito. É lindo saber, refletir, argumentar e falar. Uma modelo profissional, escolhe muito bem suas roupas para as fotos. Pode ser muito linda fisicamente, porém, a roupa bem escolhida, a maquiagem adequada fazem a diferença. Quando eu vou falar/escrever, visto minhas idéias com as palavras mais bonitas que posso escolher. Quando vou dizer o que quero, também quero causar prazer estético. Não basta ser inteligente, esperto e ter bom conteúdo, a forma conta muito. Seria hipócrita se dissesse o contrário!

Ao internauta fica esta minha preocupação: ter acesso a tudo faz do sujeito plugado um erudito? Saber muito pouco de muita coisa faz da pessoa plugada uma pessoa que aprende e se expressa de forma bonita? Hoje obtemos informações, na maioria das vezes, rasas de conteúdo, para que? Qual sentido da obtenção de tantas informações? O esquecimento da busca pelo belo faz muita diferença. Ao cidadão comum do ciberespaço, deixo estas perguntas.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Lembranças de um bipolar

Prof. Amilcar Bernardi


Meus amigos de quatorze anos mal pensavam sobre o futuro. Para ser mais específico, pouquíssimo se falava das profissões possíveis para sonhos adolescentes.  Alguém falava em ser médico, outro falava em ser piloto de avião e talvez alguém já influenciado pela família, imaginava-se advogado.  Ficávamos na frente de minha casa, nas noites de verão, falando mil coisas que somadas eram o seguinte: gurias, colégio e gurias.  Época muito boa, de poucas preocupações.
No meu quarto eu era bem diferente. Lembro que eu tinha uma antiga caneta nanquim e queria escrever como os antigos escreviam, com letra enfeitada e em folhas amareladas pelo tempo. Tentei muito ter letra redondinha, fininha com tinta preta.  Também queria uma máquina de escrever que fosse de antiquário. Imaginava uma bem grande, pesada, com teclas bem horizontais, redondas e ruidosas.  Na madrugada eu apagava a luz para ver as estrelas e desejava muito ter um telescópio.  Nem pedi tal instrumento ótico, meus pais não dariam por ser caro e exótico para minha realidade.
Na solidão do meu quarto quando eu imaginava o futuro, não pensava em medicina ou direito. Nem pensava em faculdade.  Eu lia as biografias de escritores, lia livros de poesia e romances. Acreditava que se no século dezenove jovens que liam muito podiam virar escritor muito cedo, porque eu não podia? Se Castro Alves quase nasceu escrevendo, porque eu não podia? Se ele antes de ir para a faculdade já fazia poemas fantásticos, porque comigo não seria igual? 
Seguindo a lógica de que um sujeito jovem no século dezenove podia tornar-se um grande escritor, lendo muito e trabalhando cedo, meu primeiro emprego foi num jornal. Fui um vigia que lia muito no emprego e vivia namorando a redação. Mas não deu certo. Não me tornei um grande escritor.
Quando frequentava o Ensino Médio, apaixonei-me por literatura. Minha mãe deixava comprar muitos livros. Li bastante.  No colégio não me distinguia de ninguém. Era um piá igual a todos. Mas no meu quarto eu já tinha uma máquina de escrever antiga e não tinha telescópio. Porém, já tinha uma letra enfeitada e minha estante já estava repleta de livros de poesias. Nesse período minha gagueira já estava sob controle. Mas continuava tímido. Passava mais tempo apaixonado que namorando. Apaixonava-me pelas gurias mais bonitas, com certeza as que nem me enxergavam!
No Ensino Médio eu me sentia um bipolar, um sujeito com duas personalidades. Para os amigos eu era um cara absolutamente previsível, sem graça até.  Porém, no meu quarto, sozinho, transformava-me! Teclava como louco na máquina antiga, escrevia com a caneta nanquim muitos poemas.  Teve um tempo, eu já estava na Universidade, acometido de extremo delírio, li Rui Barbosa, seus discursos.  Minha bipolaridade fez com que eu nem fosse notado por ninguém, afinal, meu lado escritor só aflorava na solidão do meu quarto.
Hoje, adulto e homem sério, o paradoxo acontece. Estou no meu escritório sozinho. A janela está aberta e vejo as estrelas. A solidão faz-me companhia. Escrevo num moderno computador. Eu ainda não tenho, mas meu filho já tem um telescópio.  Minha estante está repleta de livros.  Já tive na vida minhas Eugênias (Eugênia Câmara foi o grande amor de Castro Alves). Já não sou vigia de um jornal, nem sou médico ou advogado. Porém aquele guri adolescente hoje voltou à vida. Na solidão do meu escritório o piá voltou a sonhar em ser um grande escritor. Um sonho que com certeza me manterá um adolescente de quatorze anos para sempre.

Poder e violência. Coisas distintas.