quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Fusca ou Porsche?

Prof. Amilcar Bernardi

Velocidade. Ausência de linhas retas. Saltos, sustos, assombros. Frações múltiplas de variadas realidades. Vórtice. Assim é o mundo da informação virtual, ou melhor, do mundo midiático.  Textos e reflexões longas não despertam mais o interesse. Pelo menos um interesse prolongado. Pior ainda se a reflexão for trabalhosa. Nesse mundo amalucado, tudo está na distância de um clic.  Um clic, um pulo. O que retém nosso olhar é visto apenas por segundos.
O mundo virtual tem tudo. Tudo a qualquer tempo. E de forma resumida com linguagem simples. Muito simples.  O que é muito complexo não é preferido. Até é acessado, porém, por alguma imposição. Na velocidade dos dedos clicantes as mentes andam. Andam rápido. Bem rápido. Rapidez superficial. Rapidez horizontal.  A profundidade, a verticalidade tornou-se algo penoso demais.  Nossos cérebros estão adaptando-se a isso. Rapidamente, inclusive.
Numa estrada de alta velocidade, é a reflexão cuidadosa que a sinaliza e a constrói. Construir/planejar uma estrada para veículos que podem andar a 300Km/h leva tempo, muito tempo. Nesse caso, a lentidão é que garante a velocidade. O cálculo e a profundidade das reflexões é que permitem a segurança do carro veloz. Se todos fossem pilotos de corrida, substituindo os engenheiros e arquitetos, os acidentes seriam inevitáveis. Por analogia, eu diria que a escola pensa como engenheiros. O Google, como os pilotos.  Não podemos escolher um ou outro. Planejadores de pistas e pilotos são necessários, não se excluem.
O problema acontece quando pessoas simplistas, sem darem-se o tempo de entender a complexidade da escola hoje, afirmam que os professores e suas aulas devem acelerarem-se. Querem que os educadores se igualem as mídias. Isso não é possível. A mídia pode dar-se ao luxo de ser inconsequente, irresponsável até. Ela pode ser um bólido veloz. A escola não. É ela que tem que refletir e estimular a reflexão. E isso é feito no tempo da leitura, da socialização, do respeito às regras e do gosto pelo aprender. Que tempo é esse? Tempo de um Fusquinha ou de um Porsche? Não há resposta fácil. Depende do aluno, do contexto, dos valores, das vivências pessoais, do ritmo de cada um.
Penso que professor sempre será um “engenheiro”, que antes de andar na pista de alta velocidade, sabe pensá-la e entendê-la. O jovem quer ser piloto e acelerar. Não importa para ele as leis da Física ou de trânsito. Mas fato é o seguinte: é preciso que saibamos bem mais do que acelerar, mesmo que isso leve algum tempo.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Coletes argumentativos

Prof. Amilcar Bernardi 
A argumentação é dependente do poder de abstração do ser humano. Também depende do vocabulário e da habilidade de saber trabalhar com a lógica.   A argumentação transcende o que julgamos ser o mais verdadeiro em nós: os sentidos! Argumentar torna relativo até o que meus olhos veem, o que minha pele sente. Sob este aspecto prepondera quem argumenta mais eficazmente. Portanto, ficam em segundo plano os cinco sentidos e todas as testemunhas oculares. A argumentação é como uma máscara bonita onde o que mais vale é a aparência e a coerência. Uma pessoa de má-fé, porém boa argumentadora, pode fazer prevalecer sua ideia como se fosse a melhor possibilidade. Assim como uma boa ideia de um bom sujeito, pode ser preterida porque seus argumentos não foram convincentes. Nossa sociedade (política)  é baseada em argumentos. Entendo aqui argumentar no sentido lato, ou seja, o desenvolvimento de uma discussão baseada em argumentos e contrapontos.
Os milhares de anos necessários para que nos tornássemos civilizados, criaram roupas verbais, verdadeiros coletes argumentativos à prova de balas. A política partidária então é um carnaval de fantasias feitas de dicções e contradicções! Ninguém mais pode, após o invento da fala, aparecer nu de argumentos. Nenhuma alma de sucesso aparecerá despida de sujeito, predicado e cópula.
Quando o sol esta muito forte, as roupas e todos os artifícios para o embelezamento perdem sentido e são jogados fora.  O calor insuportável faz com que apareçamos como realmente somos, as maquiagens borram, as roupas caem, pois se tornaram insuportáveis. Os argumentos são assim. Quando o calor da discussão atinge magnitude, aparece de maneira bem crua o que de fato queremos, pensamos e acreditamos.  Inúmeras vezes, sem as roupagens bonitas dos argumentos, as agruras de que também somos feitos transparecem. É o calor interno que pode prejudicar nossa carapaça verbal.
Amo os argumentadores. Gladiadores das discussões. Armados com os dardos gramaticais e com as setas do vocabulário. No mundo civilizado, mundo das informações abstratas e on-line, melhor guerreiro será aquele que esgrimir melhor os argumentos. O homem nu de argumentos é um guerreiro desarmado. Pobre criatura fadada à morte sem defesa alguma.

domingo, 6 de novembro de 2011

Comunicação e pesca

Prof. Amilcar Bernardi

Comunicamo-nos quando emitimos/recebemos mensagens através de processos convencionados (linguagem: sinais, símbolos, pausas, enfim signos...). Como disse Aristóteles, somos animais políticos. Entendamos aqui política como habilidade adquirida no trato das relações humanas: civilidade, negociações, cortesia e astúcia.  Habilidades exclusivamente humanas por que dependentes da capacidade comunicação.

A comunicação só poderá acontecer num sistema estruturado, num contexto onde seu conjunto de elementos possua alguma relação, uma coordenação inteligível. Simplificando: as pessoas entendem-me quando falo porque mantenho-me dentro das regras de fala comuns a mim e a quem escuta-me. O que falo relaciona-se com a capacidade de entendimento do outro (ouvinte).  Portanto, o ouvinte/receptor não é passivo. Ele está escolhendo sentidos dentro de sua história pessoal. É a sua história que vai “pintar” na tela da mente as imagens e sentimentos relacionados com o que está sendo ouvido.

Fico então imaginando o trabalho do pescador. Vai até o rio em que haja peixes. Não qualquer peixe, mas aquele que deseja pescar. Não é qualquer rio, mas aquele que tenha o peixe que deseja. Encontrado o local adequado, escolhe o melhor caniço. “Melhor” significa o mais adaptado para o porte do peixe. E mais ainda: preocupa-se com o anzol compatível e a isca perfeita. É uma espécie de planejamento onde o determinante (o peixe) está fora do pescador, está invisível dentro da água. Aí que está a graça da pescaria, o investimento no desconhecido: sabemos que o peixe está lá, mas também sabemos que é possível voltarmos com as mãos vazias.

Comunicar-se é algo semelhante a pescaria.  O rio é a mente do outro. Sei que lá tem idéias, experiências, conhecimento, preconceitos, desejos...  E lá vou eu – o comunicante – prepotente, pensando que a pescaria será boa. Pretendo pescar representações na cabeça do outro. Representações que sejam aquelas que eu quero pescar/provocar nele. As que eu quero e não outras que o receptor tenha para me oferecer. Caso eu seja um pescador inexperiente, esquecerei de procurar o argumento-anzol adequado. Não serei escrupuloso ao oferecer a idéia-isca “perfeita”, muito menos escolherei a cabeça-rio que tenha o que preciso para inspirar representações específicas. Saio por aí jogando iscas e anzóis como um louco. Isso prova que não percebi que tão importante quanto meu desejo de seduzir/capturar/inspirar é o desejo do peixe, a realidade dele.

Comunicar é isto: uma arte arriscada onde tenho que quase adivinhar o que está abaixo das águas da aparência para preparar meus caniços, anzóis e iscas. Quanto mais hábil eu for em ver prever o que está abaixo da superfície, melhor pescador/comunicador serei.

sábado, 5 de novembro de 2011

Meio copo de água e a (in) disciplina na escola

Prof. Amilcar Bernardi

Em cima de uma mesa está um copo com água bem gelada. Para ser mais exato, meio copo de água gelada no verão bem quente.  Algumas pessoas ficarão felizes em ter meia porção de água numa temperatura tão alta. Outras tantas ficarão frustradas por terem apenas a metade de um copo de água.  Evidentemente todos estão vendo a mesma coisa. O que está variando é a relevância que dão às facetas, às parcelas da realidade que percebem. Nesse caso, ninguém está errado. Só podemos avaliar as consequências das escolhas que o observador fez ao perceber o fato indiscutível: há meia porção de água no copo e, portanto, ao mesmo tempo, não há água na outra porção.
Penso que a vida é isso, pontos de vista sobre fatos. Os fatos são indiscutíveis, mas minha leitura deles é outra coisa! Nossas opiniões sobre a escola não seguem princípio diferente disso.  
Uma possibilidade (uma porção do copo) é julgar que a disciplina é algo imposto, sempre imposto.  Nunca será algo justo (mas democrático) porque sempre haverá alguém esmagado pela regra determinada pela maioria. Para estes - a minoria - a norma sempre será externa, pois sempre irá contra seus desejos. Seguindo essa reflexão, a regra sempre é dual: de um lado alguém que ordena, de outro alguém que obedece. E toda a aquiescência é acrítica.  Esta forma de pensar não é totalmente desprezível. São apenas facetas de um fato: existem normas.
Por outro lado (outra porção do mesmo copo) é possível refletir diferente. Podemos entender a disciplina como uma sujeição das atividades instintivas às refletidas. Então as regras são (meus) limites impostos aos (meus) instintos. A reflexão limita nossos desejos.  As regras, sob este prisma, são o ordenamento do meu psiquismo de dentro para fora. Claro, ao mesmo tempo, sendo que a razão trabalha sob influência dos valores sociais – introjetados – também é um ordenamento de fora para dentro. Portanto, temos que ser sempre sujeitos críticos. Diante dessa dialética feita das regras que eu crio e das regras que criam para mim, eu faço-me.
A sala de aula é nosso “copo de água”.  Um tanto do tempo escolar é regrado. Outra porção é mais livre. Alguns/muitos intelectuais veem com maior relevância o lado cheio de disciplina, a porção irrespirável, locupletada de “nãos” e preenchida por ranços autoritários. Estes pensadores ainda enxergam o fazer medieval na escola atual. Não posso dizer que estão errados, porém, posso afirmar que estão vendo parte do copo e um copo é feito de suas partes, se tirar uma, não é mais copo.
Numa escola só há regras porque há (crescente) liberdade a ser regrada. Sem liberdade, não haveria porque tantos questionamentos sobre a (in) disciplina. Inclusive, muitas vezes a liberdade nas escolas beira a permissividade.  Qualquer pessoa pode ver nos corredores das escolas (como se fosse o sangue nas veias) crianças e jovens correndo, andando, falando, brincando, escorrendo escadas abaixo como cascatas, ou subindo as escadas como as águas carregadas pelas rodas d’água das fazendas. Estudantes fluem, escorrem e respingam em todos os lugares escolares... irreprimíveis.  Então as regras são como as normas de trânsito, existem para que o fluxo seja maior, mais rápido e mais seguro. Ninguém, no trânsito, deve morrer porque é livre para dirigir como quer. São portanto, regras que libertam.
Eu gostaria que esse texto servisse para reflexões.  Acredito que por ignorância algumas vezes, maldade muitas outras vezes, muitos afirmam que a disciplina na escola é isto ou aquilo. A disciplina às vezes é outra coisa, outras vezes ela é muitas coisas. Fica a reflexão: que porção do copo disciplina estamos privilegiando e qual estamos ignorando? 

domingo, 30 de outubro de 2011

Política: espelho de Sísifo.

Prof. Amilcar Bernardi

Na historia infantil clássica, a rainha tresloucada pergunta ao espelho: há alguém mais bonita do que eu no reino?  O espelho como todos sabem, não responde como a toda poderosa e bela rainha queria.  Enraivecida, manda matar a bela mocinha. O espelho tem dessas coisas. Nem sempre mostra o que queremos ver. Então somos tomados por emoções incontroláveis.
A política é nosso espelho. O que acontece espelha quem somos. Podemos até não gostarmos, afinal, nessa área, a verdade sempre dói.  Porém, não podemos mandar matar ninguém nem destruir o que não gostamos na imagem apresentada. Fica só a angústia e a tristeza com o que vemos de nos mesmos. Como no mito de Sísifo (Sísifo foi condenado a rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo), de tempos em tempos somos chamados a reconstruir nossa imagem, mas o resultado é sempre o mesmo.
O fundo mais profundo que poderíamos descer aconteceu. Olhamos o espelho da política e nos vemos Tiririca! Palhaços, ignorantes e maliciosos. É esta a imagem que está nos incomodando. Os espelhos não mentem. Apenas refletem o que se posta à frente deles. Não podemos quebrar o espelho nem podemos negar o que nele se reflete. É a nossa maldição de sujeitos civilizados e construtores da cidadania.
A política é nosso espelho de Sisifo, sempre mostrando que tudo se repete e reflete!  Esperando-nos nas eleições seguintes estão milhares de Titiricas. O triste espelho da política nos mostrará novamente nossas escolhas a modo titiriquês. 

domingo, 16 de outubro de 2011

Ninguém deve nada a ninguém.

Prof. Amilcar Bernardi
  
A internet trouxe uma aceleração incomensurável para o fluxo de informações e contra-informações. As grandes redes televisivas não conseguem sequer acompanhar a velocidade do que está sendo informado nos blogs, no Face, no Twitter e nas redes similares on-line. O colapso é ainda maior porque, as grandes mídias tradicionais são movidas a peso de ouro. Qualquer programa televisivo ou até jornal impresso, depende dos anunciantes. Suas estruturas são complexas, lentas, caras, dependentes de patrocínios.  Cada informação dispensada por tais empresas são como canhões, tem grandes impactos.  Portanto, estão sujeitas a processos judiciais caros, longos e muitas vezes com desfechos injustos.
A grande imprensa tem uma relação incestuosa com a política partidária, muitas vezes para poder sobreviver. Movem imensas quantidades de capitais e promovem crescimento econômico, porém, um revés na economia globalizada e o pior pode acontecer. Os leitores, ouvintes ou telespectadores são clientes antes de tudo. As notícias têm que serem apresentadas de maneira a minimamente agradar pela qualidade e beleza. Além disto, se for TV, depende de toda uma parafernália para que o sinal seja de qualidade. Se jornal, até seus entregadores são importantes. Nas grandes empresas do ramo a notícia é meio para um fim, a manutenção da empresa e, preferencialmente, não só manter, mas dar lucro. As mensagens são impessoais, mas, têm que agradar as pessoas, indivíduos com gostos irrepetíveis e cada vez mais exigentes.
No ciberespaço o trabalho das mídias off-line está sendo capilarizado e pessoalizado. Pessoalizado porque as pessoas acrescentam às notícias das grandes mídias suas experiências, expectativas e críticas. Os indivíduos vão para seus Pcs e refazem, personalizam, colorem as informações e passam adiante pela rede. Os internautas, polinizadores, dão (re)vida ao comunicado pela grande imprensa e repassam um tanto de si junto com as informações. Os cidadãos cibernautas não querem patrocinadores, não tem mega estruturas e nem querem convencer. Armados com seus laptops vão à luta, como beija-flores com pólen nas patas, voam por aí polinizando livremente. As pessoas comunicam agora de maneira personalizada, recriando. Comunicam pelo prazer de comunicar, de fazer-se ouvido, de fazer parte de uma gigantesca rede informacional. Teclam sem saber para quem. Teclam para outros teclados reteclarem. Fazem crítica contundente, provocam medo nos poderosos. Não precisam prestar contas para ninguém nem produzir textos elaborados. Isto porque não tem consumidores do outro lado do monitor. São livres. Se não gostam bloqueiam ou deletam. Se gostam, viram seguidores e recomendam sites, blogs e pessoas do Twitter. Neste mundo de ninguém, todos são donos dos seus narizes, ninguém deve nada para ninguém.
O mundo ciberinformacional é cheio de perigos. Tudo que é dito precisa ser checado. Como todos são dignos de serem ouvidos na rede, todo o cuidado é pouco. Porém, os cibernautas são coerentes com seus modos de pensar. Não teclam o que não querem teclar. Comunicam por prazer. Comunicadores e receptores se confundem na velocidade on-line: ao mesmo tempo que recebem, emitem. Tudo a um tempo só. Neste sentido a verdade pessoal se apresenta nua e crua. Desde que eu tenha bom senso, digito o que quero digitar. A censura inexiste. Ninguém deve nada a ninguém.


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Somos intertexto e contexto.

 Prof. Amilcar Bernardi

Somos textos. Cada um de nós é um texto a ser lido. Cada roupa, cada trejeito, cada  gesto, cada palavra dita compõe algo a ser lido. Somos um poema, temos informações harmônicas entre si. Cada sujeito tem uma sintaxe muito especial. Estamos expostos no mundo, estamos aqui para sermos lidos.
Somos pausas, somos exclamações, somos pontos e vírgulas todos os dias. Somos signos para serem decodificados. Apenas pelo fato de existirmos as pessoas que nos rodeiam, que sabem de nós, são obrigadas a encontrar um sentido para nós, um significado para o que estamos afirmando com nossa presença. Somos frases, somos textos complexos.
Tu e eu somos citados, parafraseados e parodiados todo o tempo. Estamos e somos nos discursos alheios. Nos tornamos imagens, palavras e discursos nos outros. Por isso somos muito importantes, fazemos a diferença porque somos fala e provocamos falas. Cada um torna-se vocabulário e conhecimento para outros.
Somos intertextos. A presença discursiva das pessoas invade o que eu sou. Eu falo o já falado. Eu comunico o que já foi comunicado. Porém quando me dou a conhecer, quando me dou à leitura de quem quiser, passo a ser parte do repertório alheio, passo a ser contexto para o outro.
As pessoas são informações que penetram em mim e me constituem. Da mesma forma que passo a constituir todos os que entram em contato comigo.
A humanidade é um grande comunicado onde cada um é uma palavra, pontuação ou verbo. Juntos constituímos um enorme texto chamado humanidade.

Poder e violência. Coisas distintas.