sexta-feira, 19 de outubro de 2018

A necromancia e a sociedade em rede.







Estava realizando uma videoconferência com uma pessoa amiga. Eu no centro do Rio Grande do Sul. Ela em outro estado da federação.  Como era de se esperar, o tema polarização da política nacional assumiu o controle sobre nós. Tornamo-nos sujeitos dominados pela temática.  Entretanto, logo percebi que era uma espécie de monólogo. A pessoa falava e não assimilava os contra-argumentos. Quando percebia alguns fragmentos do meu discurso, os transformava em pedras e jogava-os contra mim.  Rapidamente percebi a situação, desconversei e pronto; desconectei-me.  Esse fato me lembrou que no início dos anos dois mil, o assunto acadêmico da moda era a sociedade em rede, a globalização e a mundialização. Enfim, as pessoas pensavam sobre como o mundo era pequeno e como tudo se interligava.  Os acadêmicos falavam do “efeito borboleta”. Ainda gosto deste tema, por que ele não morreu.



Caro leitor, veja que no início do parágrafo anterior eu falei em videoconferência. Portanto, estava conectado, estava em rede, estava globalizado, mundializado. A pessoa com a qual eu falava estava a minha frente, mesmo estando a centenas de quilômetros distante. Próximos, muito próximos! Ah! Maravilha tão comentada no início do século vinte e um. Entretanto, a conexão era falsa. A pessoa do lado de lá não estava conectada comigo. Não queria ouvir. Não queria conectar. Não queria a empatia. Então, onde a sociedade em rede? Onde o fluxo de informações? Onde a sociedade do conhecimento?  Tudo isso não está fora do ser humano. A conecção está na alma. Na mente. No espírito. No sentimento.



A pessoa que monologava comigo on line, não estava conectada. Defendia um personagem/candidato que não se conectava. A pessoa argumentava com “não-argumentos”. Não queria rede, não queria conecção, muito menos dicção. A pessoa estava necrosada, pois não deixava fluir sangue nas veias da rede comunicacional. Ela queria cortar laços com o mundo para poder ter e ser a verdade. Se a rede fosse um tecido humano, esta pessoa seria um conjunto de células morrendo por não comunicar-se com as demais. Anestesiada pela fé no cidadão/candidato, morria sem dor. Uma espécie de suicídio assistido. Afinal, outras pessoas provavelmente a incentivavam a desconectar-se, a morrer sem fluxo de vida.



Vivemos num mundo tecnológico que permite a existência de uma rede, de uma fluência de informações e de pessoas. Entretanto, especialmente este candidato, quer o inverso. Cada pessoa que nele crê, desconecta-se. Não pensa a história. Não pensa no outro. Não pensa no futuro. Não pensa no vizinho negro. No sobrinho homossexual. Na mãe e na irmã. Não lê notícias críticas. Ameaça quem pensa diferente. Não quer o fluxo de informações. Morre por asfixia. Morre por deixar a rede. Morre por desconexão. Estes sujeitos são necromantes. Sofrem (e gostam da) de necrose. Não se ligam. Não ligam para ninguém. Para estes, a sociedade não pode estar em rede.



Os necromantes não dialogam. Eles comunicam verdades. Por isso não entendem nem se entendem. Brigam. Morrem. Insultam.



Os necromantes são insidiosos. São como um vírus de computador. Entram nos sistemas e deletam dados. São cavalos de Tróia nos sistemas. São robôs que obrigam o sistema a fazer tarefas que destrói seus próprios dados. Estas pessoas não podem deixar as informações passarem. Para elas não pode haver história. Não pode haver reflexão. São necromantes parmenídicos. A mudança é ilusão. Só a violência e a irracionalidade são verdadeiras para estes sujeitos quase-mortos. Evidentemente, a violência e a irracionalidade necrosam a rede, cortam fluxos. Os necromantes provocam entupimentos nas veias dos tecidos. Para estes, a sociedade não pode estar em rede! Não pode estar viva!



Os seguidores deste candidato mórbido odeiam a comunicação, a fluidez, a vida em rede. Que caiam os sistemas! Que as trevas se façam! Que a comunicação nada comunique! Que venha a barbárie! Um mundo apocalíptico cheio de necromantes: nunca uma sociedade em rede!



Tenho certeza que um mundo assim, desconectado e desamoroso, não perdurará muito tempo. É autofágico. Se passarmos por isso, será talvez libertador. Provaremos o amargo remédio contra a necrose: a experiência da violência que nos fará desejar a paz, a concórdia e o diálogo. Então, retornaremos ao início do século vinte e um revisitando os conceitos de sociedade em rede, de mundo conectado.






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