quarta-feira, 15 de agosto de 2018

As organizações internacionais e o Brasil






Em tempos remotos, vivíamos em cavernas. Nossos problemas eram limitados: alimentação e segurança. Nossas preocupações giravam em torno do local onde vivíamos e caçávamos. Com o tempo, os espaços da ação humana cresceram junto com a necessidade de mais alimentação. Podemos imaginar os grupos crescendo em número e em necessidades. Podemos igualmente ver pelos olhos da imaginação as populações de humanos crescendo, o surgimento das nações, do comércio, das navegações e das tecnologias. Até o ponto em que os humanos passaram a dominar todo planeta. O que era inimaginável para os moradores das cavernas, a modernidade conseguiu: o mundo se tornou um lugar pequeno, conhecível e por todos habitável. Descobriu-se, contra nossa vaidade, que a terra é pequena, modesta e gira humildemente em torno do sol.



Na mesma proporção em que dominávamos o planeta, crescia exponencialmente o problema de conseguir dominar a nós mesmos. Somos criaturas inteligentes, criativas, egoístas e muito problemáticas. Agora o problema é a convivência comunitária de todos por todo o planeta. Os países não conseguem resolver sozinhos os dilemas da nossa espécie. Na modernidade éramos cidadãos de nossos países. Agora somos cidadãos do mundo e no mundo.



A partir do século XIX começam a surgir às organizações internacionais. As tecnologias da informação permitiram o surgimento dessas organizações. Podemos afirmar que o que as limita não são as distâncias físicas, mas as distâncias entre as moralidades e as culturas.  O homem ainda é o principal obstáculo para os problemas criados por ele mesmo.



As organizações internacionais se apresentam como entes formados por um acordo concluído entre Estados, e são dotadas de personalidade jurídica própria. [1] Elas podem, em tese, circular pelos países mesmo quando em guerra. Há acordos internacionais que garantem a atuação e a segurança das pessoas a elas associadas.  Notadamente no século XX elas crescem. Não por benevolência dos governos, mas por necessidades globais reais e urgentes. Em contrapartida, o direito internacional passou a considerar estas organizações como pessoas jurídicas que possuem direitos e deveres, podendo apresentar reclamações nas cortes internacionais. Protegidas, podem agir de forma mais independente. Elas possuem como característica a associação voluntária de seus membros e, sendo autônomas, o poder se autogerirem. Como exemplo, podemos citar as que mais se destacam hoje, como a ONU, a OMC, a Otan, o FMI, o Banco Mundial, a OIT e a OCDE.



Para o exercício de suas atividades no plano internacional, as organizações internacionais possuem imunidades e privilégios em relação aos seus bens, pessoal, estabelecimentos e representantes dos Estados que se encontram acreditados junto ao Organismo Internacional. Essa situação se explica em razão da necessidade de garantir liberdade e segurança da missão desenvolvida.[2]



A diplomacia e os países são conclamados a repensar as relações humanas internacionais como algo presente e real. É fato: os humanos se relacionam pelo mundo todo. Portanto, mais que estruturas administrativas que auxiliam pessoas, as organizações internacionais forçam uma política planetária mais comunitária e solidária.



Entretanto, a força dessas organizações é relativa. Se para os países economicamente hipossuficientes, elas são importantes; contrário senso, para as nações poderosas, as organizações internacionais são frágeis e, não raro, impotentes. O mundo, no seu aspecto político, é um jogo de xadrez. Vale mais que a força bruta a estratégia e a cooperação. Se uma organização internacional é frágil como um peão no tabuleiro de Xadrez global, se amparada por outro peão, no contexto do jogo, essa peça frágil se empoderará muito. Como exemplo, podemos imaginar uma ação da organização Médico sem fronteiras num país conflagrado por guerra. Seu poder de ação é ampliado quando amparado pela ONU ou por vários organismos internacionais.



As organizações internacionais, como já enfatizamos, desfrutam de limitada ou de escassa autonomia. Se para os países débeis, as organizações internacionais tendem a representar uma garantia de independência política e uma forma de buscar o desenvolvimento econômico, para os países poderosos elas significam, na maioria das vezes, tão somente um terreno suplementar – o da diplomacia parlamentar- onde atuará o seu poder nacional; as organizações internacionais são para estes simples apêndices de sua política externa.[3]



No Brasil atual, após o impeachment da Presidente Dilma Rousseff, a influência das organizações internacionais decaiu fortemente. Isso evidencia o despoder delas em determinadas situações, como já foi referido no parágrafo anterior. Um bom exemplo é a atual situação conflituosa estabelecida entre a Organização internacional do Trabalho (OIT) e o governo brasileiro (em relação à “reforma trabalhista”). De forma similar, o desconforto entre nosso governo e o Mercosul pelo mesmo motivo. Apesar do questionamento internacional em relação à fragilização dos direitos trabalhistas, não há motivo para acreditarmos que alguma mudança acontecerá em âmbito nacional. Evidentemente que a conjuntura geopolítica explica tal fenômeno brasileiro. Cabe novamente a metáfora do jogo de xadrez global. É preciso, na América latina, o empoderamento entre os “peões internacionais”.



O jornal O ESTADO DE SÃO PAULO em fevereiro deste ano comentou na página Economia & negócios[4]:



Provocados por uma denúncia da CUT, um comitê de técnicos nomeados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), sem poder deliberativo, apresentou duas críticas à reforma trabalhista do Brasil no Report of the Committee of Experts on the Application of Conventions and Recommendations, 2018.

1. O Comitê entendeu que a prevalência do negociado sobre o legislado, consagrada pela Lei 13.467/2017, é contrária ao objetivo de promover negociações coletivas livres e voluntárias, constante da Convenção 98 da OIT. Essa crítica demonstra um total desconhecimento da realidade brasileira. A nova lei reafirmou como inegociáveis 30 direitos garantidos pela Constituição e abriu a possibilidade de se negociar livremente 15 direitos, determinando que o negociado seja respeitado pela Justiça do Trabalho. Trata-se, portanto, de uma inegável valorização da negociação coletiva, como querem a citada Convenção e o artigo 7.º, XXVI da Constituição Federal do Brasil. (grifo nosso).



O site WWW.O VALOR.COM.BR escreveu[5]:



O Uruguai demonstrou preocupação com os impactos da reforma trabalhista do Brasil e pretende pressionar pela organização de uma reunião no Mercosul que debata o assunto. "Não vamos interferir na legislação interna dos países, mas queremos marcar preocupações, porque assim vai ser muito difícil competir", declarou o ministro de Relações Exteriores do Uruguai, Rodolfo Nin Novoa. "O salário dos trabalhadores não pode ser a variável de ajuste para a concorrência nos mercados", acrescentou. (...)



No Brasil a informação é dominada por grupos da mídia tradicional. Por consequência, ocorre por ideologia, a desinformação popular quanto às forças internacionais que interferem nacionalmente. Não é comum as pessoas terem consciência que as organizações internacionais podem influenciar as políticas internas. Geralmente, ou não sabem delas ou as desvalorizam. Por outro lado, com o revés político que enfrentamos, as mídias alternativas virtuais vem tratando das repercussões internacionais da prisão do ex-presidente Lula, da morte da vereadora Marielle e da intervenção militar nos morros do Rio de Janeiro, entre outros eventos que marcam a anormalidade institucional em que vivemos.  Tenho especial apreço pelo canal TV 247, mantido no YouTube[6]. Nesse sentido, acredito que é possível que as pessoas passem a entender e a reconhecer a importância do Direito Internacional Público e, em especial, das organizações internacionais.









[1] Guerra, Sidney. Curso de direito internacional público. 9ª edição. São Paulo, editora Saraiva, 2015. Página56.
[2] Idem. Página 257
[3] Seitenfus, Ricardo Antônio Silva. Manual das organizações internacionais. 6ª edição. Porto Alegre. Editora Livraria do Advogado, 2016. Página 53
[6] https://www.youtube.com/channel/UCRuy5PigeeBuecKnwqhM4yg

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