sábado, 30 de março de 2013

Saudades antecipadas

 Prof. Amilcar Bernardi

É uma relação de longa data. Sinto especial angústia porque não durará muito tempo. Muitos dizem que essa relação está fadada ao desaparecimento, apesar de ser uma relação já longeva. A tecnologia digital estaria tornando obsoleto o papel.
 Quando leio o jornal impresso, uma eletricidade quase sensual percorre meus dedos. Talvez porque quando eu era adolescente, quase criança ainda, adorava ler a biografia dos grandes poetas brasileiros, os clássicos, como Castro Alves, Fagundes varela, Cruz e Souza. Percebi que na época desses poetas, os jornais alimentavam a vida deles. Os impressos davam vida pública aos escritos deles. Eu então, inspirado por tais biografias, sonhava em ser como eles. Para isso desejava escrever para jornais, ter uma coluna opinativa.
Pois é, meu primeiro emprego foi num jornal de Santa Maria! Estudante ainda, eu era humilde vigia nesse jornal. Não estudava jornalismo, mas sim Filosofia. Meu lugar de trabalho era bem longe da redação! Mas logo comecei a escrever, por gentileza do jornalista responsável, pequenos artigos nos espaços destinados ao leitor. Como eu disse, é uma relação antiga.
Sinto um chamado forte, como se o jornal fosse um diário de adolescente onde eu tenho que escrever algo. Inúmeras vezes nem sei o que escrever, mas o chamado é o mesmo, forte, profundo, obscuro, visceral.  Invejo os escritos nas colunas opinativas. Alguns são de extrema qualidade.  Bicca Larré é um bom exemplo da qualidade a que me refiro.
Assim como um maestro conduz os violinistas da orquestra, observado em êxtase pela plateia; ao ler o jornal imagino-me escrevendo, regendo palavras para o deleite intelectual dos leitores. Acredito que o enlevo é o mesmo, o do maestro e o do escritor que imagino ser.
Sei que minha visão é romântica. Mas se não houvesse um romance nessa relação, ela não seria encantadora e, portanto, não seria merecedora das palavras que estou amorosamente materializando aqui.
Amo as folhas grandes do jornal. Amo seu cheiro específico. Amo seus acertos e deslizes. A história moderna só foi possível pelos jornais, pelos jornalistas e pelos escritores que despejaram tantas ideias nas pessoas através desse encantador meio de comunicação social. Tenho uma relação poética com o jornal, acho-o algo além de um informativo, é uma manifestação artística.
Escrevo agora imaginando que um dia a tecnologia digital substituirá o jornal de papel. Então, já declaro meu amor e saudades antecipadas.

sexta-feira, 29 de março de 2013



A realidade da separação corpo e mente

                                                                       Prof. Amilcar Bernardi

Quando penso em separação corpo/mente vem à minha cabeça Platão e Descartes. Tinham eles, e outros é claro, um ideal de separação onde a mente tinha evidente superioridade sobre o corpo. Cheguei a crer que essa separação estava sepultada pelos avanços da Psicologia e da Filosofia. Porém, essa dicotomia atingiu o ápice na proporção em que a tecnologia avançou e tornou possível na prática diária essa divisão corpo (pesado, fixado) e a alma (como conhecimento e informações voláteis e onipresentes).
É do senso comum que hoje o que “vale” é o conhecimento. Pessoas que sabem mais são mais, mesmo que seja pouco provável que saibamos identificar o “saber mais” do “saber menos”. Parece que pessoas mais espertas merecem o sucesso e as almas mais obtusas nada merecem, ou merecem bem menos.
As tecnologias favoreceram e realizam de fato a separação corpo/alma. Hoje, e cada vez mais, as mentes viajam volatizadas, descorporizadas pelo mundo virtual. Elas vão a qualquer parte do planeta, viajam por bibliotecas no mundo, sabem cada vez mais de mais coisas. E o corpo? Fica sentado e obeso em frente ao computador. Inclusive pessoas cada vez mais se apaixonam por outras pessoas virtuais, ou seja, se apaixonam por mentes que se projetam nas redes sociais. Quase que o físico, o corporal não importa mais. O mundo material é cada vez mais um empecilho para a realização da vida sem corpo, da vida virtual.
As discriminações tendem a ser mais pelo que as mentes possuem do que pelos corpos sarados. Corpos cada vez mais tendem a existir apenas para o prazer sexual, e as mentes espertas e perspicazes, tendem a ganhar maior valor social. Mesmos as diferenças sociais baseadas na riqueza, são valoradas diferentemente: riquezas obtidas por proezas da mente (inteligência e mesmo apenas malandragem) são mais consideradas que aquelas vindas do trabalho corporal e do suor. Convém lembrar que até as riquezas são virtuais: já não é mais possível materializar toda a riqueza planetária em notas de dólar. A riqueza só é possível dentro das máquinas virtualizantes nos bancos.
O mundo social está vivendo um momento interessante: cada vez mais investe no ideal de mentes inteligentes desligadas dos corpos. Mentes viajantes nos pelos espaços virtuais onipresentes e oniscientes. Os corpos sarados e lindos, cada vez mais são um produto para consumo rápido, como se fossem de pouco valor, um pequeno deleite entre uma conexão e outra.




Imagem: http://2pass.wordpress.com/2009/11/23/se-eu-fosse-virtual/

quinta-feira, 28 de março de 2013

A impossibilidade de criticar


                                                                       Prof. Amilcar Bernardi



     Quando tu estás numa rodovia tomada por neblina, para tua segurança e para a dos outros, tiras o pé do acelerador. A questão é simples: a ausência de nitidez te deixa inseguro nas decisões. Se não há clareza, se os contornos da estrada não são visíveis, a probabilidade de acidente é muito grande. Neste exemplo, as questões filosóficas que tratam do conhecimento e da verdade, não fazem sentido para o motorista, pois ele tem que andar pela estrada perigosa através de uma prática objetiva. A cada metro rodado, uma decisão tomada. A nitidez, portanto, é vital quando as decisões exigem exatidão.    
A política, por ser uma engenhosidade humana que não quer, nem pode querer por essência a clareza absoluta, é uma rodovia tortuosa e perigosa. Acontece que agora houve um exagero.
Enquanto houve a ditadura no Brasil, as pessoas quase não percebiam a tortuosidade da política numa ilusão que as acalmava. Havia o mal personificado nos militares, na ausência de liberdade. Ser crítico ativo era igual a ser contra a ditadura. Todos sabiam se tu eras da esquerda ou da direita. O simples fato de não opinar já era forte indicio de que tu eras da direita!

     Hoje as coisas estão complicadas demais nas rodovias da política. O nevoeiro está muito denso. Como ter convicções e acelerar em alguma direção se não há mais esquerda e direita perceptíveis? Como objetivamente votar se a oposição é quase situação nas propostas? As plataformas de um lado e de outro se confundem. A oposição já não pode sequer criticar o passado recente da situação, pois a economia em sua gênese foi elaborada por uma e efetivada por outra. O povo está órfão de definições suficientemente claras para poder posicionar-se. Não há propostas diferenciadas. A neblina das indefinições, das inseguranças e das hipocrisias não deixa as pessoas seguras. Pelo menos para poder criticar. Lembrando que criticar, nesse caso, significa avaliar posições.
   
 Estamos num momento de grave crise. Não crise porque os políticos roubam e mentem. Não é uma crise porque a economia mundial está anêmica. A crise está na ausência de nitidez nas posições. Perigosamente tudo ficou igualado na certeza da politicagem de baixo nível. Então não pode haver crítica, pois não há o que avaliar. Restou às pessoas apenas a limitação infantil de falar mal e ofender desmedidamente quem se envolve com a coisa pública.

     A crise no Brasil é a impossibilidade de criticar. Tudo está muito semelhante na estrada das politicagens. Não há placas de sinalização nem nada que nos oriente. E ainda querem que a juventude opine e tenha consciência política.

Poder e violência. Coisas distintas.